Sheriff esfrega na cara de Florentino que os pequenos também escrevem grandes histórias e consegue épico no Bernabéu
O Sheriff Tiraspol segurou a pressão do Real Madrid e arrancou uma vitória gigantesca com um golaço aos 44 do segundo tempo
A Superliga Europeia surgiu como um projeto megalomaníaco em sua essência. Ignorava que muito do encantamento ao redor do futebol vem de negar prognósticos e criar momentos inesquecíveis a partir da pequenez. Enquanto ainda insiste na ideia, Florentino Pérez precisa se contentar com a Champions, e este seria um jogo especial ao Real Madrid, com a volta do torneio ao Estádio Santiago Bernabéu após um ano e meio. O que o presidente merengue veria da tribuna de honra, no entanto, foi a materialização da negação à Superliga em forma de vitória inacreditável. O Sheriff Tiraspol, o representante separatista da nanica Moldávia, foi capaz de um conto de fadas na Espanha. Tomou pressão quase o jogo todo, mas se defendeu com luta e criou diversos perigos até concluir a fantástica vitória por 2 a 1, com um golaço aos 44 do segundo tempo. Contou com os milagres do goleiro grego, o poder de decisão do atacante uzbeque, o talento do meio-campista luxemburguês. Detalhes de um épico que prova como o futebol é enorme de uma maneira que não ocorreria se fosse “super”.
O jogo se desenvolveu desde os primeiros minutos como um ataque contra defesa. O Real Madrid tinha grande volume ofensivo, mas esbarrava numa defesa bem postada do Sheriff. Os transnístrios conseguiam fechar bem os espaços e evitar finalizações claras dos merengues, além de chegarem junto nas divididas. E os visitantes deixavam claro como poderiam encaixar bons contra-ataques, com escapadas perigosas neutralizadas pelos espanhóis. Ainda assim, a balança pendia aos madridistas. Aos 18, Karim Benzema tentou marcar de falta e o goleiro Giorgos Athanasiadis realizou grande defesa, a primeira de muitas no Bernabéu. Pouco depois, quando Federico Valverde viu uma fresta, bateu forte demais e mandou para fora.
O inesperado primeiro gol do Sheriff Tiraspol saiu aos 25 minutos. Inesperado pela maneira como o duelo se desenvolvia, não pela sabida qualidade dos moldavos nos contragolpes. Foi o que aconteceu. O lateral brasileiro Cristiano encontrou uma avenida pela esquerda e pôde cruzar com capricho, para sua terceira assistência nesta Champions. Jasurbek Yakhshiboev mandou a cabeçada, sem chances para Thibaut Courtois. O Real Madrid até responderia com um chute travado na pequena área, após Athanasiadis espalmar o cruzamento de Benzema, mas o Sheriff quase anotou o segundo aos 32. Numa saída desastrada de Courtois, Yakhshiboev tentou pegar o goleiro fora de posição e mandou ao lado da trave. O nível de concentração dos transnístrios estava no talo.
A reta final do primeiro tempo teria uma pressão ainda maior do Real Madrid, que começou a martelar e empilhou finalizações. Vinícius Júnior caprichou aos 35, mas seu arremate passou ao lado da trave. Depois, Nacho mandou uma cabeçada para fora. A falta de pontaria atrapalhava a reação imediata dos merengues e mesmo Benzema não acertaria o alvo nesta blitz. Quando Eden Hazard caprichou e mandou na direção certa, Athanasiadis faria outra bela defesa e Nacho perdoou na sobra. O goleiro ainda realizou mais uma intervenção importante antes do intervalo, com Casemiro tentando de longe.
A necessidade fazia o Real Madrid manter o ritmo na volta para o segundo tempo, mas o Sheriff lembrou que nem tudo estava resolvido e desperdiçou um ótimo contragolpe nos primeiros minutos, quando Yakhshiboev deixou a bola escapulir mesmo livre na esquerda. Já os merengues insistiam nos cruzamentos, muito bem rechaçados pela zaga moldava, e não encontravam jeito de superar o goleiro Athanasiadis, que faria mais uma defesa contra Hazard. O desespero já batia nos espanhóis, sem muita calma na hora de definir seus lances.
Uma breve reação do Real Madrid partiu de Vinícius Júnior. O ponta caiu na área a primeira vez, após leve toque, e a arbitragem não marcou o pênalti ao revisar. Instantes depois, o contato no brasileiro foi mais flagrante e o árbitro confirmou o penal após rever no monitor. Aos 20 minutos, Benzema empatou o jogo, numa cobrança forte no alto da qual Athanasiadis ainda se aproximou. Carlo Ancelotti, então, aproveitou a melhora nas perspectivas para fazer quatro mudanças. Luka Modric, Toni Kroos, Luka Jovic e Rodrygo renovavam quase todo o time do meio para frente, com Eduardo Camavinga deslocado à lateral.
A formação ofensiva e os medalhões em campo, entretanto, não significaram um impacto tão flagrante no Real Madrid. Afinal, o time seguia sem encontrar jeito para superar Athanasiadis, que realizou mais duas excelentes defesas contra Vinícius e Modric – esta, parou até com o rosto no mano a mano. Já do outro lado, o Sheriff lembrava novamente que não estava morto. O brasileiro Bruno, que saiu do banco, até balançou as redes aos 27. O VAR, porém, encontrou um sutil impedimento do jogador na hora do cruzamento de Cristiano.
O Real Madrid não desistia. A sequência de finalizações ainda teria outra intervenção de Athanasiadis contra Militão, além de um tiro para fora de Rodrygo. Os escanteios se somavam e os merengues cercavam a área adversária. Contudo, também davam brechas aos contra-ataques. E depois de uma bobeada de Jovic na conclusão, o golpe fatal viria mesmo do outro lado, com o gol da vitória do Sheriff aos 44. Um tremendo golaço, digno da história que se escrevia no Bernabéu. Depois de uma cobrança de lateral, Adama Traoré fez bem o pivô e ajeitou para a entrada da área. Sebastien Thill apareceu livre e acertou uma chicotada na bola, de primeira. O arremate seco partiu direto ao ângulo, com Courtois saltando em vão. Tudo mais poético ainda, considerando a nacionalidade do meio-campista luxemburguês. A façanha estava completa, sem respostas do Real nos acréscimos.
O apito final guardou uma emocionada comemoração dos jogadores do Sheriff. Muitos dos atletas não pareciam acreditar. Sabiam o que aquele resultado pode significar às suas carreiras e às suas próprias vidas, com um momento fantástico para ser contado por gerações. Tinham todo o direito de comemorar efusivamente, com o diminuto público visitante no Bernabéu. Ao final da segunda rodada, o Sheriff é o líder do Grupo D. Soma seis pontos, uma vantagem confortável e inimaginável. Enquanto isso, o Real Madrid terá mais trabalho na disputa com Inter e Shakhtar mais abaixo. Florentino certamente terá pesadelos, num contraponto contundente à sua Superliga.