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Imprescindível para transformar este City numa máquina, Rodri se torna inesquecível pelo gol que pinta a Europa de celeste

Rodri é o ponto de equilíbrio para o City jogar tanto nos últimos meses e recebeu o prêmio maior, com o gol em Istambul

Rodri experimentou mentalidades completamente diferentes ao longo de sua carreira. O meio-campista despontou sob as ordens de Diego Simeone e virou um dos donos do time no Atlético de Madrid. Era um ponto de equilíbrio a uma equipe de mentalidade defensiva. Os rumos do espanhol não seriam tão lógicos depois disso, levado pelo Manchester City e dirigido por Pep Guardiola. De uma maneira distinta, num time muito mais agressivo, o volante não deixou de ser um ponto de equilíbrio aos celestes. Tinha uma missão duríssima, como herdeiro da posição de Fernandinho, e virou uma figura onipresente no Estádio Etihad. Aparentemente um coadjuvante insubstituível, mas na verdade um grande protagonista na engrenagem mancuniana para seguidos títulos. Um vencedor da Champions, com o estrelato no maior dos momentos, com o gol que finalmente dá o tão esperado troféu europeu dos Citizens.

Formado na base do Atlético de Madrid, Rodri não ganhou chances de imediato no Vicente Calderón. O meio-campista precisou realizar sua transição no Villarreal, sem espaço com os colchoneros quando se profissionalizava. O garoto passou a viver longe de sua família numa nova cidade, mas agarrou a oportunidade no Submarino Amarelo. Amadureceu seu jogo, desenvolveu-se fisicamente, refinou sua qualidade técnica. E desde cedo mostrou como era alguém que pensava diferente. Ao mesmo tempo, realizava sua formação em administração de empresas. O futebol, de qualquer forma, tomaria seu tempo e seria seu caminho. Lançado pela equipe principal do Villarreal a partir de 2015/16, sob as ordens de Marcelino García Toral, o garoto ganhou mais minutos na temporada seguinte e virou titular absoluto em 2017/18. Não parecia incomodá-lo ser visto como o “novo Bruno”, sucessor de um símbolo no Madrigal.

Lidar com expectativas se tornou algo bastante comum para Rodri. Não demorou para que comparações o colocassem “na linha sucessória de Sergio Busquets” na Espanha. Muitas características aproximavam ambos, entre a leitura tática aguçada do novato e também sua imposição física. A estreia pela seleção aconteceu ainda nos tempos de Villarreal, às vésperas da Copa do Mundo de 2018, durante os amistosos preparatórios em março. O volante acabaria de fora do Mundial da Rússia. Entretanto, daria um novo passo ao trocar de clube para a temporada seguinte. O Atlético de Madrid admitiria o seu erro e buscaria de volta seu antigo prata da casa. Uma falha de avaliação que custou €20 milhões. Pinçavam ali o “herdeiro de Gabi”.

Aos 22 anos, Rodri parecia naturalmente moldado para o Atlético de Madrid. Tinha o DNA do clube e mostrou como, fisicamente, não deixava nada a desejar – diferentemente do que pensaram os colchoneros na época de sua saída na base. O volante se transformou num dos melhores jogadores da equipe, com doses expressas de pegada e também uma saída de bola limpa para auxiliar o Atleti. Uma temporada bastou para que o jovem de 22 anos deixasse ótima impressão no Metropolitano. Conquistou no máximo uma Supercopa da Uefa, mas os poucos meses com os rojiblancos pareceram valer por anos. Não à toa, Rodri se tornou um dos alvos principais do Manchester City. Os celestes pagaram €70 milhões, o maior investimento do clube para 2019/20 e o segundo negócio mais caro do clube até então – só abaixo de Kevin de Bruyne. Havia uma grande responsabilidade.

Parecia um preço alta para um volante, que não chegaria exatamente como uma estrela, apesar do potencial de desenvolvimento. O Manchester City, no entanto, sabia muito bem o que fazia. Rodri desembarcava no Estádio Etihad para ser titular dos celestes por anos. E se sugeria ser o homem para se encaixar no espaço ocupado por Fernandinho na equipe de Pep Guardiola. Mais uma vez, existiam claras similaridades: a força física, a noção de posicionamento, a capacidade de marcação. Seria o encarregado de carregar o piano, enquanto o restante da orquestra tocava entre os Citizens.

Não foi a intensidade maior da Premier League em relação a La Liga que intimidou Rodri. Também não seria um problema estar mais exposto no Manchester City do que era no Atlético de Madrid. Os celestes, na verdade, potencializaram suas virtudes. A qualidade para construir o jogo e para se lançar ao ataque, com chutes da entrada da área, se tornaram marcas do meio-campista. Exibiu mais agressividade sem a bola, para morder bem mais na marcação. Assim como sua inteligência tática o botou como um dos favoritos de Pep Guardiola logo cedo – como uma espécie de novo Busquets. A transição em relação a Fernandinho foi bem mais rápida do que se esperava: logo em seu primeiro ano, Rodri virou imprescindível no meio-campo e o brasileiro recuou à zaga.

A primeira temporada de Rodri em Manchester ainda não rendeu títulos e ele chegou a receber críticas, com dificuldades de impor seu jogo de forma mais clara. “Dava muitos passes para o lado”, diziam. Entretanto, a confirmação do meio-campista entre os melhores do time aconteceu na sequência, campanha atrás de campanha. Seus minutos em campo se tornaram cada vez maiores, enquanto os troféus chegaram a partir de 2020/21. A Premier League veio em três temporadas consecutivas, sempre com o espanhol entre os intocáveis do plantel. Também colecionou duas Copas da Liga e uma Copa da Inglaterra. Faltava a Champions. Rodri viu do banco a derrota para o Chelsea em 2021, num dos raríssimos momentos nos quais deixou a equipe titular. Guardiola foi questionado pela formação ofensiva, sem um homem de proteção no meio. Fez falta.

A temporada de 2021/22, de certa maneira, marcaria uma volta por cima de Rodri. O volante desandou a marcar gols na reta final da Premier League e seria um dos heróis na dura conquista do Manchester City. Viria como um nome certo da equipe para 2022/23, independentemente da nova concorrência de Kalvin Phillips. Mesmo que os Citizens não tenham começado a atual temporada voando, Guardiola contava com seu esteio na cabeça de área. Ninguém somou mais minutos em campo do que Rodri em 2022/23, nem Ederson. E a solidez do camisa 16 seria aproveitada de uma maneira diferente durante sua primeira Copa do Mundo: tornou-se zagueiro com Luis Enrique. Estaria entre os melhores da posição no Catar, apesar da decepcionante eliminação para Marrocos nas oitavas de final.

A retomada dos trabalhos pelo Manchester City não era simples. O time gerava desconfianças, pela maneira como não engrenava, mesmo com Erling Braut Haaland empilhando gols. Pep Guardiola encontraria uma nova solução, em seu inventivo 3-2-4-1 que surpreendeu a todos (sobretudo os adversários) e tornou os celestes uma máquina imprevisível. A engrenagem só dava tão certo porque Rodri estava ali, num momento monstruoso de sua carreira. O volante era quem liderava a pressão e os encaixes sem a bola, quem permitia aos companheiros se soltarem com passes mais agudos, quem também subia para resolver em certas partidas. John Stones virou um híbrido de zagueiro e volante ao seu lado. Kevin de Bruyne e Ilkay Gündogan pareciam muito mais leves para voar, enquanto Jack Grealish e Bernardo Silva também cresceram bastante.

A temporada sensacional de Rodri teria seu merecido reconhecimento através da Champions. E bem antes da final. O confronto com o Bayern de Munique nas quartas de final se abriu para o Manchester City especialmente a partir do golaço do camisa 16 na primeira partida, no Estádio Etihad. Durante as semifinais, se outros trataram de esmerilhar o Real Madrid, ele também fez uma partidaça nos 4 a 0 ao dominar o meio-campo e distribuir mais de 100 passes. “Imperial” foi o adjetivo utilizado pelo próprio Guardiola para exaltá-lo depois da noite fantástica. Até que a decisão em Istambul guardasse algo além para o espanhol.

Não era uma boa partida de Rodri, curiosamente. A Internazionale parecia muito mais confortável em campo e ganhava a batalha nas trincheiras. Se faltava equilíbrio ao Manchester City, faltava mais imposição do camisa 16 sobre o que acontecia em campo. Pep Guardiola chegou a cobrá-lo. E, em vez de se irritar com o treinador, o volante encontrou um caminho. Cresceu na hora certa. Conseguiu se mandar à frente e encontrou a fresta necessária para desatar o nó, depois do ótimo avanço de Bernardo Silva pela direita. Seu gol em Istambul possui muito de oportunismo e também de muita capacidade tática, ao ler o espaço. Também exibiu toda a qualidade técnica do espanhol, com uma batida de chapa, forte, com curva. O chute que escapou dos marcadores à frente e não deu qualquer chance a André Onana.

Depois do gol, os céus se abriram ao Manchester City. Céus celestes. E os Citizens contaram com um general em seu meio-campo. Rodri conseguiu se soltar mais para garantir a tranquilidade do time com a vantagem no placar. Não fez falta a chance perdida por Haaland no primeiro tempo. Não fez falta a lesão sofrida por De Bruyne. Não fez falta a atuação menos influente de Gündogan no ataque. Rodri sublinhou como está entre os protagonistas de uma temporada na qual tanta gente do City se sobressaiu, para formar um time imbatível nesta reta decisiva. Desta vez, o camisa 16 não precisou ser herdeiro de ninguém: foi autor de sua própria história.

Durante a comemoração, Rodri se emocionou bastante. Ficou ajoelhado no gramado, prostrado, enquanto ia às lágrimas. Seu nome estava escrito na eternidade. O meio-campista entregou demais ao Manchester City, para que o time se transformasse numa potência ainda maior nesta temporada. Entregou o gol que levou o clube além, finalmente vencedor da Champions. Talvez o nome do camisa 16 passasse batido num primeiro olhar, quando se relembrasse desse timaço. Contudo, ele precisa ser citado por tudo o que vem jogando. Será citado sempre, com um dos gols mais importantes da história do clube. Em questão de emoção e quebra de jejum, não é o milagre de Sergio Agüero. Mas é o homem que tornou a Europa inteira celeste, enfim.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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