Champions League
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As lembranças de quando Inter e Benfica disputaram a decisão da Champions em 1965

Inter e Benfica fizeram uma decisão muito recordada no San Siro, em que o brasileiro Jair da Costa foi o herói com o gol que valeu a taça para os nerazzurri

A semifinal da Champions League 2022/23 poderá representar bastante a Internazionale ou Benfica. Os interistas não se colocam entre os quatro primeiros da competição continental desde a temporada de seu último título, em 2009/10. Já a espera dos benfiquistas alcança 33 anos, desde que perderam a decisão para o Milan em 1989/90. E os dois clubes, potências na década de 1960, possuem seu histórico em comum. Não se pegaram tantas vezes pela antiga Copa dos Campeões, mas o único confronto é o maior possível: a final do torneio em 1964/65. Se pelo lado nerazzurro a força da equipe de Helenio Herrera prevaleceu para o bicampeonato, entre os encarnados ressoou a maldição de Béla Guttmann mais uma vez. História que se reaviva neste momento, e que ainda teve um herói brasileiro: Jair da Costa, autor do gol na vitória por 1 a 0.

Em seus anos dourados, o Benfica batia cartão na Champions. Os anos 1960 foram repletos de histórias para os encarnados na copa europeia. A equipe chegou ao ápice com o bicampeonato faturado em 1960/61 e 1961/62. Derrotou o Barcelona na primeira final, antes de superar o Real Madrid no ano seguinte. Os lisboetas voltaram à decisão também em 1962/63, mas acabaram batidos pelo Milan na busca pelo tricampeonato. Já em 1963/64, os benfiquistas fizeram sua pior campanha continental naquela sequência, com uma queda nas oitavas diante do Borussia Dortmund. A equipe estava mordida para se recolocar como uma força em 1964/65.

A Inter, por sua vez, de início começou a pintar na Copa das Cidades com Feiras – a atual Liga Europa. Os nerazzurri alcançaram uma semifinal, superados pelo Birmingham City em 1960/61, e pararam nas quartas de final, contra o Valencia, em 1961/62. A estreia na Copa dos Campeões aconteceu mesmo em 1963/64, para que os interistas partissem logo pelo título. Aquela foi uma das campanhas mais duras da história da competição, já que a Beneamata derrubou os representantes de todas as outras quatro grandes ligas. No caminho à decisão, venceram Everton, Monaco e inclusive o Borussia Dortmund, algoz do Benfica, além de um forte Partizan Belgrado. A decisão seria conquistada em cima do Real Madrid, tal qual os encarnados haviam feito. E a força se mantinha para buscar o bi.

A campanha da Internazionale até a final de 1964/65 não foi tão pesada quanto a anterior, mas ainda assim merecia respeito. O time entrou diretamente nas oitavas de final, com direito a um 7 a 0 no agregado sobre o Dinamo Bucareste, incluindo os 6 a 0 do San Siro. O sarrafo subiu nas quartas de final, contra o Rangers. Os 3 a 1 construídos em Milão sustentaram a passagem, antes da derrota por 1 a 0 em Glasgow. E, nas semifinais, houve pela frente um Liverpool em ascensão com Bill Shankly. O gol anotado na derrota por 3 a 1 em Anfield se provou essencial, antes que a reviravolta se desse nos 3 a 0 do San Siro. O gol de Joaquín Peiró, que roubou a bola do goleiro Tommy Lawrence enquanto este a quicava, até hoje gera reclamações, assim como a falta indireta cobrada diretamente para as redes por Mario Corso.

O Benfica iniciou sua campanha antes, nos 16-avos de final, mas com caminho aberto diante do Aris de Luxemburgo. Emplacou duas goleadas por 5 a 1. O La Chaux-de-Fonds complicou um pouco mais nas oitavas com o 1 a 1 na Suíça, mas também engoliu 5 a 0 no Estádio da Luz. E sabe quem mais foi vítima de goleada? Ninguém menos que o Real Madrid. Numa das atuações mais célebres do esquadrão encarnado, Eusébio comandou os 5 a 1 em Lisboa, sem tomar conhecimento do incensado time de Ferenc Puskás, Paco Gento e Amancio Amaro. Assim, os 2 a 1 dos merengues no Bernabéu foram só um detalhe na volta. Na semifinal, o Vasas era o oponente e o Benfica mostrou quem mandava com o 1 a 0 em Budapeste, antes de fechar sua caminhada até a final com um 4 a 0.

Treinado naquela época por Elek Schwartz, romeno que havia feito bom trabalho à frente da seleção da Holanda, o Benfica mantinha a base bicampeã europeia com Béla Guttmann anos antes – mesmo com o treinador amaldiçoando o clube a “100 anos sem títulos europeus” depois de sua conturbada saída. A defesa reunia figuras como Costa Pereira, Germano e Domiciano Cavém. Mario Coluna era o fio condutor dos encarnados, com sua categoria característica. Já na frente apareciam figuras como José Torres, José Augusto e António Simões, além de Eusébio. O Pantera Negra mantinha a explosão de seus primeiros anos, mas também com um nível ainda maior de maturidade para decidir partidas. Era artilheiro daquela Champions, com nove gols, ao lado de Torres.

Já a Internazionale preservava a magia de Helenio Herrera no banco de reservas, um técnico tantas vezes recordado pelo defensivismo, mas que também sabia explorar a individualidade de seus talentos no ataque e acumulou títulos em diferentes equipes. A força da base daquele esquadrão começava na defesa. Giuliano Sarti era o goleiro, com um quarteto defensivo formado por Armando Picchi, Aristide Guarneri, Tarcisio Burgnich e Giacinto Facchetti. Gianfranco Bedin auxiliava no equilíbrio, enquanto o sistema ofensivo tinha um quinteto de ases. Sandro Mazzola e Mario Corso estavam entre os melhores italianos da década. Luis Suárez e Joaquín Peiró chegaram como astros da Espanha e fizeram toda a diferença naquele período. Enquanto isso, a ponta direita cabia a Jair da Costa, que ampliava a presença brasileira naqueles anos do Calcio.

Quando a Inter buscou Jair em São Paulo, sabia muito bem do talento do jovem ponta. O garoto surgiu com a camisa da Portuguesa e, às vésperas de completar 22 anos, compôs o elenco da Seleção que conquistou a Copa do Mundo de 1962. Permaneceu no banco de reservas, sem poder competir com a forma maravilhosa vivida por Garrincha no Chile. E sem que ninguém conseguisse tirar Mané do Botafogo, o novato nascido em Osasco virou alvo de cobiça na Itália, depois de Helenio Herrera observá-lo em um treinamento da Canarinho. Os interistas o compraram de imediato, para a temporada 1962/63. Veloz e muito técnico, apesar de franzino, o atacante se encaixou feito uma luva naquela Grande Inter. O reforço teve grande contribuição com gols e assistências em suas duas primeiras temporadas, decisivo inclusive em repetidas partidas na Champions 1963/64. E se o desempenho era mais tímido no torneio continental de 1964/65, o ápice ocorreu na final.

A Internazionale tinha um bem-vindo benefício para a decisão: o duelo havia sido previamente marcado para o San Siro. Assim, os campeões europeus ganhavam o direito de defender seu título dentro de sua própria casa. Incomodado, o Benfica chegou a ameaçar mandar seu time de juniores para o embate, o que nunca aconteceu. O público estimado nas arquibancadas se aproximou dos 90 mil torcedores. E isso mesmo com as severas chuvas que colocaram a realização do jogo em xeque. O gramado foi bastante prejudicado, com funcionários cavando buracos para tentar escoar a água, e a Uefa considerou remarcar o embate para outro dia. O árbitro suíço Gottfried Dienst, o mesmo que apitaria a final da Copa do Mundo de 1966, bancou a realização. No fim das contas, os atalhos do gramado pesado auxiliariam mais os interistas.

Antes do jogo, Helenio Herrera esbanjava confiança sobre as chances da Inter: “Estamos mais conscientes de nossa força agora. Na última temporada, não estávamos tão certos sobre nós mesmos. Agora, com tanta coisa a nosso favor, sabemos que podemos ganhar bem e de forma atrativa. Esperamos liderar o futebol europeu por muitos, muitos anos”. O Benfica, entretanto, vinha com uma campanha que inspirava mais cuidados. E de fato os encarnados fizeram um jogo parelho, apesar de certa falta de sorte.

O primeiro tempo contou com uma Inter superior. A equipe se protegeu bem na defesa e aproveitou a velocidade na construção para assustar o Benfica algumas vezes. A defesa encarnada teve que se proteger no limite, diante dos lançamentos agudos e dos chutes de longe dados pelos interistas. Os benfiquistas também tiveram suas subidas, sobretudo em contragolpes, mas nada tão concreto assim. Quando os visitantes partiam com a bola dominada, encontravam uma enorme barreira à sua frente, com Eusébio muito bem bloqueado. Os lances mais difíceis para o goleiro Sarti aconteceram num recuo e num cruzamento fechado que ele socou para a linha de fundo. E a fluidez dos nerazzurri mesmo com o gramado pesado, que não permitia grandes conduções, abriu o caminho para o triunfo aos 43 minutos.

Foi uma jogada inicialmente bem construída pela Inter. O time trabalhou muito bem os passes, a partir de um lançamento feito por Facchetti na defesa. A trama se deu entre Sandro Mazzola e Peiró, até que Jair fosse acionado pelo italiano na ponta direita. O atacante saiu nas costas do lateral, dominou e bateu rasteiro, mesmo desequilibrado, já escorregando. Deu sorte: a bola molhada se tornou venenosa para Costa Pereira e o goleiro benfiquista engoliu o frango, no chute que passou entre seus braços e as suas pernas. O camisa 1 tentou se recuperar, sem sucesso. A partir de então, a missão dos lisboetas se tornava hercúlea. Por mais que seu ataque tenha produzido tanto na caminhada até a final, seria bastante difícil passar por uma zaga reconhecida pela solidez, especialmente empurrada por 90 mil nas arquibancadas.

A Inter ainda poderia ter ampliado no início do segundo tempo. Continuou a atacar com muita velocidade e desperdiçou pelo menos duas chances claras. Mario Corso bateu para fora quando Costa Pereira já estava vencido e Luis Suárez mandou um tiro no pé da trave. Além disso, o Benfica teve um problema enorme quando Costa Pereira sentiu uma lesão no quadril, após aterrissar mal de um salto, e não pôde ficar mais em campo. Ainda eram tempos sem substituições na Champions e, excepcionalmente, o zagueiro Germano acabou indo para a meta. Colocou o uniforme preto de goleiro por cima da camisa 3 encarnada e calçou luvas, num sacrifício imenso do time que já perdia por um gol de diferença.

Todavia, a Inter pouco aproveitou a presença do goleiro improvisado. As raras tentativas da equipe vieram em chutes para fora. Já era um momento de desespero do Benfica, que buscava uma pressão para arrancar o empate. Não teria muito sucesso. Quando necessário, o goleiro Sarti realizou boas defesas em sua meta. Além disso, os encarnados não conseguiram conectar Eusébio da maneira devida, por mais que Coluna tenha realizado uma boa atuação na condução do meio-campo. A derrota, ao menos, ganharia um reconhecimento. Os torcedores interistas aplaudiram a valentia dos benfiquistas ao apito final. Mas era mais um amargo vice aos portugueses, até mais doloroso que a derrota para o Milan dois anos antes.

Seria uma volta olímpica saborosa para a Inter. Cercado por jornalistas, o time recebeu a taça no centro do gramado. Pôde exibir a Orelhuda nos quatro cantos do San Siro, aos torcedores que encararam o dia chuvoso para apoiar a equipe. O esquadrão de Helenio Herrera atingia seu ápice, igualando o número de troféus continentais do próprio Benfica àquela altura e superando o rival Milan, todos eles abaixo do pentacampeonato do Real Madrid. Ainda assim, seria uma formação nerazzurra para ser recordada por todo o sempre.

Os relatos do lado do Benfica, por sua vez, eram de descrença e pesar. Alguns jogadores chegaram a chorar nos vestiários. “Parece mentira como isso tudo aconteceu. Atuamos no campo deles, ficamos reduzidos a dez unidades e ainda por cima eles venceram com um gol que caiu do céu aos trambulhões. Não me conformo. O Benfica é a melhor equipe”, avaliou Simões. Já o capitão Coluna analisou: “Merecíamos ganhar. A fé nunca nos abandonou. A lesão de Costa Pereira afetou os nossos planos, obrigando ao recurso de José Augusto para a defesa central. Gostaria de defrontar a Inter em Lisboa”.

Sobre a improvisação no gol, Germano explicou: “Fui para a baliza porque não podia continuar no lugar de defesa central. José Augusto e Cavém estavam previstos para substituir Costa Pereira. Mas, diante da minha dificuldade, considerou-se a vantagem de ser eu o goleiro. Quanto ao jogo, se fosse em Lisboa, a Inter levaria dois ou três gols. Uma jornada de azar para nós”. O que complementou Costa Pereira: “Caí mal e magoei-me no osso da bacia, afetando a coluna vertebral. As dores impediram-me de continuar. Talvez tenha que ser engessado. O gol foi uma infelicidade. A responsabilidade é minha, mas na circunstância tentei cumprir as ordens do treinador, tentando pôr imediatamente a bola em jogo. Mas, ao levantar-me, ela soltou-se e, como estava próximo da baliza, não foi possível reavê-la”.

Mesmo o técnico Elek Schwartz demonstrava certa incredulidade: “O Benfica demonstrou ser melhor que a Inter. Técnica e taticamente foi superior. Com sinceridade, estranhei que a equipe milanesa tivesse adotado um tão pronunciado estilo defensivo no segundo tempo, sobretudo. Tivemos pouca sorte, em especial em duas jogadas de Torres e numa de Coluna, que falhou o golpe de cabeça por um triz. Tive sempre fé no registo do empate. Enfim, considero-me satisfeito com meus rapazes”.

O sentimento era bem diferente do lado da Inter. Um dos mais exultantes era Angelo Moratti, o presidente e mecenas naqueles anos dourados: “Defrontaram-se as duas melhores equipes da Europa. Ganhou a Inter, como podia ter ganho o Benfica, cuja equipe me impressionou fortemente. O jogo foi corretíssimo e o clube português não levará razões de queixa do ambiente, em San Siro”. Antes do duelo, jornais de Milão chegaram a pedir para os torcedores que tivessem um bom comportamento nas arquibancadas e honrassem o tamanho da ocasião, o que de fato aconteceu.

Com confiança, Helenio Herrera ressaltou as qualidades sabidas de sua Grande Inter: “A Inter ganhou bem. O placar de 1 a 0 me satisfez e por isso não houve empenho em aumentar a conta. O campo era pouco propício para o contra-ataque da minha equipe. O Benfica forma um excelente conjunto, mas a Inter é superior. Como estou habituado a proezas desse gênero, não me sinto eufórico”. Sandro Mazzola também justificava a postura do time: “O recuo da Inter se justificou em face do valor dos atacantes do Benfica. Também gostei dos defensores portugueses. A Inter, todavia, fez jus ao triunfo”.

Herói da noite, Jair da Costa explicou o lance decisivo: “O gol resultou de um momento de inspiração. Eu me preparava para cruzar, mas resultou aquilo que se viu. Mas o Benfica tem uma grande equipe, com realce para Simões e Eusébio, que são valores excepcionais”. Por fim, Luis Suárez ainda comparava os benfiquistas derrotados com aqueles que o venceram anos antes, quando ainda estava no Barcelona: “O Benfica me convenceu definitivamente. Este Benfica foi superior àquele que derrotou o Barcelona em Berna, em 1961. Excelentes atacantes e jogo correto. Foi uma vitória com sorte, mas justa, da Inter”.

Por seu feito, Helenio Herrera recebeu uma premiação até mais gorda que a dos jogadores da Inter. E os clubes italianos reforçaram um período de dominância na Champions, que vinha desde o Milan em 1963 – mas que seria quebrado logo depois, pelo Real Madrid. Os nerazzurri foram eliminados exatamente pelos merengues em 1965/66, antes dos vices para Celtic em 1967 e Ajax em 1972, no ocaso continental de alguns nomes daquela geração histórica. Já o Benfica ainda amargou o vice de 1968 contra o Manchester United, além de ser batido pelo próprio Ajax nas semifinais de 1972. Ficaram os ecos da maldição de Béla Guttmann, que mais uma vez os encarnados tentarão deixar para trás nesta edição. Neste momento, a revanche contra a Inter depois de 58 anos é um grande passo.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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