A vitória tática de Mourinho
A Internazionale de Mourinho derrubou o Chelsea em pleno Stamford Bridge e avança às quartas de final da Champions League pela primeira vez desde a temporada 2005/06
Quando foi feito o sorteio das oitavas de final da Liga dos Campeões, dois confrontos entre italianos e ingleses saltaram aos olhos. Milan e Inter teriam pela frente Manchester United e Chelsea, respectivamente, com o retrospecto dos últimos cinco anos ruim de italianos contra ingleses.
Inter e Chelsea se destacou por confrontar a equipe que domina a Itália contra um dos times mais consistentes e perigosos do mundo. E por ter um confronto que antes acontecia no âmbito italiano: José Mourinho contra Carlo Ancelotti, que na temporada anterior se enfrentaram no clássico de Milão – com o tempero especial de Mourinho retornar a Stamford Bridge pela primeira vez, desde sua passagem vitoriosa pela clube.
Antecedentes
No confronto mais equilibrado das oitavas de final da Liga dos Campeões, Internazionale e Chelsea fizeram um confronto que prometia muito. Os dois times têm uma obsessão há algumas temporadas: chegar ao título da competição interclubes mais importante da Europa, como os rivais já conseguiram.
A Internazionale, apesar do domínio nacional – é atual tetracampeã italiana – não conseguia ir além das oitavas de final desde a temporada 05/06. Mais do que isso, perdeu nas duas últimas temporadas a vaga nas quartas de final para um inglês – Manchester United em 08/09 e Liverpool em 07/08.
No Chelsea, a era Roman Abramovich trouxe muito dinheiro e títulos – foi campeão inglês em 04/05 e 05/06. Porém, a ambiação era a Europa, e a Liga dos Campeões o principal objetivo. Chegou perto na temporada 07/08, quando foi vice-campeão, mas ainda não conseguiu o título. Nas últimas seis temporadas, os Blues chegaram cinco vezes às semifinais, sendo que em uma delas a campanha do vice-campeonato.
Os dois times apostaram em técnicos que já conquistaram o título da Liga dos Campeões para tentar conseguir o feito. Na Internazionale, José Mourinho chegou na temporada passada com essa missão – o português levou o título em 03/04, pelo Porto. Acabou perdendo no primeiro ano contra o Manchester United, em uma atuação que a Inter parecia um time pequeno atuando contra um gigante. A má impressão criou mais pressão para o técnico português na atual temporada, mesmo tendo vencido o campeonato italiano.
No Chelsea, a aposta foi em Carlo Ancelotti, técnico campeão europeu pelo Milan em 02/03 e 06/07. Com investimentos altos, o time de Londres esperava ganhar uma Liga dos Campeões para fazer valero que gastou e estabelecer-se como um grande clube europeu.
Como curiosidade, os dois técnico conheciam bem os adversários. Carlo Ancelotti treinou o Milan entre 2001 e 2009 e enfrentou a Internazionale diversas vezes. Na maioria dos confrontos, levou vantagem contra os nerazzurri, mas os confrontos mais recentes, quando a Inter voltou a ser campeã, acabou acumulando mais derrotas do que vitórias.
José Mourinho conhece o Chelsea como poucos. Foi com ele no comando que o time venceu duas vezes o Campeonato Inglês, voltando a conquistar o título depois de 50 anos. Grande parte do elenco do Chelsea que enfrentaria foi ele mesmo que levou a Stamford Bridge.
Os confrontos
A Inter, por ter sido segunda no seu grupo, jogou a primeira partida em casa. A vitória seria fundamental não só para poder ter alguma vantagem em Stamford Bridge, mas também para dar a confiança que o time precisava. Antes dos jogos, o favorito destacado era o Chelsea, pelo histórico recente de chegar longe na Liga dos Campeões.
Mourinho armou assim a Inter para o jogo no San Siro: Júlio César, Maicon, Lúcio, Walter Samuel e Javier Zanetti; Esteban Cambiasso, Thiago Motta, Dejan Stankovic e Wesley Sneijder; Samuel Eto’o e Diego Milito.
A formação privilegiava o meio-campo, com quatro jogadores para compor o setor e liberdade para os dois atacantes. O Chelsea se armou como na época de Mourinho, em um 4-3-3. Ancelotti tinha problema para a lateral esquerda, já que não tinha Ashley Cole, o titular da posição, nem Yuri Zhirkov, meia que atua como reserva de Cole. O time de Carlo Ancelotti foi: Petr Cech, Branislav Ivanovic, Ricardo Carvalho, John Terry e Florent Malouda; John Obi Mikel, Michael Ballack e Frank Lampard; Salomon Kalou, Didier Drogba e Nicolás Anelka.
A Inter conseguiu exatamente o que precisava logo no início da partida. Aos três minutos, em jogada de Thiago Motta, Eto’o tocou, a bola passou por Sneijder e foi para Milito, que girou sobre Terry e bateu no canto de Cech para abrir o placar. Ali, se via um confronto crucial no jogo: o sérvio Ivanovic marcava o holandês Sneijder, principal nome na articulação de jogadas interista.
O Chelsea passou a ter mais posse de bola e chegar mais ao gol da Inter com jogadas pelas laterais. Como os meio-campistas da Inter afunilavam pelo meio, sobrava espaço para o avanço especialmente de Ivanovic pela direita, que não tinha marcação específica. A movimentação de Kalou e Anelka também dificultou a marcação da Inter. O principal atacante do Chelsea, Drogba, foi muito bem marcado por Lúcio, um dos melhores da Inter na partida. A melhor chance do time londrino no primeiro tempo foi uma cobrança de falta do marfinense, que explodiu na trave.
No segundo tempo, o Chelsea conseguiu marcar um importante gol fora de casa em uma jogada novamente pelo lado do campo. Ivanovic avançou pela direita, puxou para o meio e tocou para Kalou, que estava na esquerda e fechou para o meio. O marfinense nem dominou: bateu de fora da área, Júlio César pulou atrasado e a bola foi para a rede. O perigo londrino era pelos lados do campo. E o gesto de alguns jogadores da defesa interista ao colocar as duas mãos na cabeça mostrava o quanto era importante para a confiança da equipe vencer os ingleses.
A Inter conseguiu chegar ao gol também com uma jogada pelo lado do campo. Sneijder recebeu pela direita sem a marcação de Ivanovic, cruzou, Ricardo Carvalho cortou de cabeça e a bola sobrou para Cambiasso. O argentino bateu de primeira, a bola explodiu em Ivanovic, voltou para o argentino que, novamente de primeira, acertou um chute forte de esquerda, no canto de Cech. A Inter voltava a estar à frente no placar. E com uma jogada pelo lado do campo, que não era muito aproveitado pelo time italiano.
Mourinho levou a lição do primeiro jogo para a Inglaterra. A vantagem de 2 a 1 estava longe de ser confortável. O Chelsea é um time forte em casa, com retorspecto muito positivo e precisaria apenas de uma vitória por 1 a 0 para conseguir avançar às quartas de final. Mourinho sabia de tudo isso. Quando a escalação nerazzurra foi anunciada, viu-se que o português iria jogar não só pela classificação, mas para vencer o jogo.
Ancelotti sabia que precisaria atacar a Inter e sobrepor seu ataque à forte defesa nerazzurra. Ancelotti armou o Chelsea assim para o segundo jogo: Turnbull; Ivanovic, Alex, Terry e Zhirkov; Obi Mikel, Ballack e Lampard; Anelka, Malouda e Drogba.
Assim como no primeiro jogo, Ancelotti apostou em três atacantes contra a defesa nerazzurra. Provavelmente imaginou que a Inter viria armada com uma formação cautelosa ou, ao menos, parecida com a do primeiro jogo. Tentaria novamente explorar os lados do campo, como o time londrino percebeu que seria o caminho no duelo de Milão.
Ancelotti se enganou. A Inter de Mourinho foi ao Stamford Bridge não apenas para empatar, mas para se classificar. Isso significava atacar o Chelsea em seus defeitos e segurar as qualidades quando fosse necessário – e certamente seria, considerando que os Blues entrariam em campo a um gol da classificação. A formação interista no segundo jogo era: Júlio César, Maicon, Lúcio, Samuel e Zanetti; Cambiasso, Thiago Motta e Sneijder; Eto’o, Milito e Pandev.
A formação da Inter pode sugerir que o time perderia a consistência no meio-campo, que pareceu ser a intenção no primeiro jogo. Não foi o que aconteceu. Eto’o atuou pelo lado direito, Pandev pelo esquerdo e Milito centralizado no ataque. Os dois homens atuando pelo lado voltavam marcando até o final, bloqueando os avanços de Ivanovic e Zhirkov, que atuou pelo lado esquerdo.
O time italiano começou o jogo mostrando qual seria o panorama dos 90 minutos. Pandev, pelo lado esquerdo, fez inversão de lado e encontru Maicon solto pela direita. O brasileiro avançou e chutou para fora, com perigo. E foi com Maicon que a Inter chegou pouco depois, quando o lateral cruzou, Terry não alcançou e Eto’o mandou para fora. O Chelsea não consgeuia avançar pelos lados, então trocava passes pelo meio. Foi assim que assustou Júlio César em um chute de Ballack, que passou rente à trave.
Em outro lance, Drogba saiu da área e caiu para a esquerda, lançou para Anelka no meio da área eo francês tocou por baixo de Júlio César, mesmo marcado por Samuel. Thiago Motta, bem na cobertura, tocou para fora.
O Chelsea tentava impor pressão, mas parecia um time sem opções. A marcação da Inter era forte, e a saída para o ataque muito perigosa, com Sneijder e os três atacantes que se armavam. Foi assim que o jogo chegou ao intervalo no 0 a 0, um resultado favorável ao time italiano não só em termos de classificação, mas em termos psicológicos. A Inter voltaria do intervalo no controle da situação.
E se o primeiro tempo foi de uma consistência defensiva da Inter e qualidade ofensiva nas investidas ao ataque, o segundo tempo foi de completo domínio interista. E o principal jogador da Inter mostrava que poderia ser decisivo. Aos 14 minutos, Sneijder, marcado, tocou de calcanhar para o macedônio Pandev, que avançou, avançou, avançou, avançou e de tanto demorar a chutar, Zhirkov travou o chute.
Aos 17, Carlo Ancelotti fez uma alteração que mostrava sua vontade de ganhar o jogo. Tirou o alemão Ballack, que compunha o meio-campo, para colocar Joe Cole, um meia-atacante, e tentar jogar a Inter de volta para o seu campo. O tiro saiu pela culatra. Sem Ballack, Mikel ficou sobrecarregado. Ivanovic precisava marcar Pandev e Sneijder, que caía pela esquerda, passou a ter mais espaço. O Chelsea perdeu o meio-campo. Sneijder agradeceu e fez dali o seu palco particular.
Em uma saída de bola errada dos Blues, o holandês passou de primeira, por cima da zaga, para Milito. O argentino avançou e tocou de pé esquerdo, mas a bola foi fora. Em 20 minutos do segundo tempo, era a Inter, que tinha a vantagem, quem mais assustava. Em bola parada, Sneijder também levou perigo. Ele cobrou tiro livre da intermediária na cabeça de Thiago Motta, que mandou fora, quase na risca da pequena área.
Joe Cole voltava para compor a faixa central do meio-campo, mas a inabilidade dele e de Lampard para marcar os interistas – e notoriamente o inteligente Sneijder – ficou evidenciada no lance capital da partida, aos 33 minutos. Em ataque da Inter, Sneijder recebeu a bola quase na risca do meio-campo. Mikel estava mais atrás, observando e preocupado com a marcação de outros jogadores. Lampard e Joe Cole cercavam, mas marcavam a distância. O tempo de aproximação no holandês não foi suficiente para impedir que o jogador fizesse um lançamento preciso, de pé esquerdo, para Eto’o, nas costas de Ivanovic, o marcador do camaronês – e que no primeiro jogo, dificultou as coisas para o camisa 10 interista. O atacante recebeu, avançou e tocou para as redes de Turnbull com a qualidade que já mostrou em diversas oportunidades – inclusive em duas finais de Liga dos Campeões em que foi decisivo para o Barcelona.
Eto’o não faz uma boa tempoarada pela Inter, o que sucitou discussões comparando o comaronês Zlatan Ibrahimovic, vendido ao Barcelona. Um ponto, porém, Eto’o leva vantagem: ele foi decisivo em uma partida de Liga dos Campeões pela Inter, algo que Ibrahimovic não conseguiu no seu tempo em Milão. O camaronês, aliás, teve mais uma chance de marcar e só não fez seu segundo gol no jogo porque Turnbull desviou com a perna.
A Inter de Mourinho venceu o Chelsea em pleno Stamford Bridge, conquistando a classificação com um banho tático de Mourinho sobre Ancelotti. O técnico mostrou que entende e lê o jogo como poucos no mundo. Soube explorar as falhas do time inglês e bloquear os pontos que viu fragilidade na Inter no primeiro jogo. Impediu que o sonho da Liga dos Campeões no Chelsea por mais um ano, enquanto criou um time que cresceu no momento certo e já se coloca como um candidato à conquista, tão esperada pelos torcedores nerazzurri.