A final da Champions oferecerá um prêmio especial a um dos expoentes da Bélgica, De Bruyne ou Lukaku
De Bruyne é uma das razões ao favoritismo do Manchester City, enquanto Lukaku é um dos trunfos da Inter para surpreender
Há pouco mais de seis meses, Kevin de Bruyne e Romelu Lukaku lidavam juntos com uma das grandes frustrações da carreira de ambos. A Copa do Mundo de 2022 acabou cedo para a Bélgica, ainda na fase de grupos, com uma campanha inoperante do time de Roberto Martínez. O empate por 0 a 0 contra a Croácia culminou na eliminação. Lukaku parecia lutar contra o próprio corpo, em meio aos seguidos gols perdidos, e não escondeu a raiva que o tomou pelo resultado. Dono da braçadeira de capitão, De Bruyne parecia resignado com o declínio dos Diabos Vermelhos, num ambiente longe de ser o melhor. Já neste sábado, os dois astros se reencontrarão em campo. Estarão na final da Champions League, em busca de um troféu inédito e que pode ser definitivo às suas carreiras. Uma glória de peso a dois grandes jogadores que, afinal, conseguiram se colocar como expoentes de uma geração.
Há um tanto de exagero ao redor de tudo o que envolve a “geração belga” que pintou desde a década passada, inclusive nos argumentos para refutá-la. A Bélgica saiu de um longo período de ostracismo, mas não deixou de ser uma seleção média para os padrões europeus. Repetir uma campanha até as semifinais da Copa do Mundo já igualou o ápice histórico da equipe nacional e causou enorme comoção no país. A decepção se concentra ao redor do que dava para fazer além – entre desempenhos mornos na Eurocopa e o fracasso no Mundial de 2022. Porém, não se nega que a empolgação com os belgas sempre se motivou mais por aquilo que os jogadores faziam nos clubes do que exatamente na seleção.
Vincent Kompany é uma lenda do Manchester City, digno de receber estátua no Estádio Etihad. Eden Hazard não criou a mesma identificação com um clube, mas teve momentos especiais com Chelsea e ainda no Lille, além de ter arrebentado na Copa do Mundo de 2018. Thibaut Courtois foi um goleiro excepcional por onde passou, colecionando troféus, e está inegavelmente entre os melhores da posição neste século. Outros tantos tiveram passagens dignas por equipes tradicionais e protagonizaram seus feitos particulares – Jan Vertonghen, Toby Alderweireld, Dries Mertens e outros que ainda poderiam ser citados. Neste grupo, Kevin de Bruyne e Romelu Lukaku sem dúvidas figuram entre os maiores, mesmo que tenham lidado também com suas oscilações.
Em comum, o talento de De Bruyne e Lukaku é reconhecido desde muito cedo. Enquanto o meia surgia no Genk para precocemente ser campeão nacional, o centroavante se tornava um fenômeno do Anderlecht. O destino de ambos seria o mesmo, aliás: o Chelsea, que abriu a década gastando caminhões de dinheiro em jovens promessas, mas não necessariamente garantindo espaço a elas. Os Blues, aliás, estavam atentos à geração belga. Eden Hazard chegou mais maduro, como melhor jogador do futebol francês, e realmente se provou como um craque em Stamford Bridge. Courtois precisou antes se maturar no Atlético de Madrid, mas voltou para desbancar uma lenda como Petr Cech. De Bruyne e Lukaku ficaram pelo caminho.
Em duas temporadas com o Chelsea, Lukaku não passou das 15 partidas pelo clube. Precisaria rodar por empréstimos na Premier League para provar seu valor, mas nada suficiente que valesse uma chance de verdade com os londrinos. Foi bem no West Brom e também no Everton, mas ainda não era uma estrela pronta ao primeiro patamar. Não à toa, os Blues preferiram vendê-lo aos Toffees depois da Copa do Mundo de 2014. Não existiu qualquer tipo de identificação com o clube, no qual foi só mais um prodígio que constou nas listas de transferências de Roman Abramovich. Acabou preterido por José Mourinho, entre o investimento em Diego Costa e o retorno do ídolo Didier Drogba.
O mesmo aconteceu com De Bruyne. O meia teve ainda menos chances no Chelsea, com só nove aparições pelo clube. A diferença é que ele saiu da Inglaterra para conseguir seu destaque. Primeiro, emprestado ao Werder Bremen, onde mostrou seu valor. Até retornou a Stamford Bridge sob a promessa de ser aproveitado, o que não aconteceu, entre lesões e também a falta de minutos com José Mourinho. Foi no Wolfsburg que o armador realmente se provou como um jogador de primeira grandeza, liderando grandes campanhas dos Lobos e um título na Copa da Alemanha. Passou a integrar as listas de indicados à Bola de Ouro a partir de então e tornou-se, em 2015, o jogador mais caro a ser contratado pelo Manchester City até aquele momento.
As afirmações de Lukaku e De Bruyne também foram paralelas. A temporada de 2016/17 seria importante para ambos. Lukaku elevava seus números pelo Everton ano após ano, a ponto de se consolidar como um dos principais goleadores da Premier League. Enquanto isso, arrebentava repetidas vezes pela seleção da Bélgica. Virou jogador do Manchester United em 2017, num negócio suntuoso – numa reaproximação particular com Mourinho. Já De Bruyne passou a trabalhar com Pep Guardiola em 2016/17. Ainda não foi campeão pelo Manchester City naquele ano, mas o treinador, seu velho oponente nos tempos de Bundesliga, seria o mais capaz de extrair o máximo de talento do craque.
A seleção da Bélgica voltava a promover os reencontros de Lukaku e De Bruyne lado a lado. Enfim, cumpririam as expectativas ao redor dos Diabos Vermelhos na Copa do Mundo de 2018 – ambos foram excelentes na Rússia, mesmo que Eden Hazard e Courtois recebessem maiores aclamações ao final da campanha. Manchester, contudo, distanciava os companheiros. De Bruyne passou a flutuar em campo para liderar as campanhas arrasadoras do City e se sagrou bicampeão da Premier League em 2019. Lukaku era infeliz no United e, tanto tempo longe de sua melhor forma, não correspondeu com os gols imaginados. Um vice da Copa da Inglaterra era pouquíssimo. Seria melhor ao centroavante tentar se reencontrar em outro país.
A Internazionale representa o ápice da carreira de Lukaku, sobretudo pela primeira passagem por Milão. Antonio Conte soube potencializar a melhor forma do centroavante e ele se acostumou a destruir defesas na Itália. Enquanto isso, De Bruyne era o maestro de novos feitos do Manchester City com Guardiola. Juntos, os dois estiveram entre os melhores da Europa na temporada 2020/21. Lukaku liderou os interistas de volta ao Scudetto que escapava há tempos e, sem questionamentos, foi eleito o melhor jogador da Serie A. De Bruyne fez uma de suas melhores campanhas pelos Citizens, ao faturar a Premier League pela terceira vez em sua carreira, e disputou sua primeira final de Champions. Saiu lesionado e, de longe, viu o Chelsea comemorar.
A Bélgica se credenciou ao título da Euro 2020 muito por conta de seus dois grandes protagonistas, De Bruyne e Lukaku. Enquanto Eden Hazard entrava em declínio no Real Madrid, a liderança da dupla se tornava mais clara nos Diabos Vermelhos. Entretanto, a competição marcou também um ponto de inflexão. De Bruyne vinha estourado do exigente final de temporada com o City, e ainda teve dificuldades para disputar a competição, em consequência da fratura no rosto que sofreu na decisão da Champions. Já o desgaste sobre Lukaku também pesou e o centroavante não teve a preponderância imaginava nas fases mais agudas. Sem que o restante do time belga estivesse na ponta dos cascos, a queda nas quartas de final para a Itália ficou abaixo do que se estimava. De Bruyne atuou com os ligamentos do tornozelo rompidos diante dos italianos, inclusive.
De Bruyne se recuperou na temporada seguinte, mais uma vez brilhante e campeão com o Manchester City. Lukaku voltou à Premier League e teve seu calvário no retorno ao Chelsea, com um ano repleto de amargor, quando parecia finalmente pronto a reescrever sua história em Stamford Bridge. O empréstimo à Inter fez muito bem ao centroavante na atual temporada, mesmo que ele tenha levado um tempo para engrenar novamente no San Siro e não seja mais a locomotiva vista com Antonio Conte. Tais dificuldades ficaram expressas na errática Copa do Mundo, com tantos gols perdidos no Catar. Já De Bruyne, se ficou devendo como o restante da seleção no Mundial, impressiona pela forma como segue elevando seu nível no City.
O grau de importância na final da Champions será diferente para os dois belgas, é claro. O Manchester City vive sua melhor fase desde que Pep Guardiola assumiu. Kevin de Bruyne é parte ativa desse sucesso. É até difícil cravar que esse é o melhor momento do belga com a camisa celeste, entre tantas temporadas brilhantes. Desta vez, os holofotes acabam mais divididos, entre a fome de gols de Erling Braut Haaland e os momentos decisivos de Ilkay Gündogan. Mas não que De Bruyne esteja abaixo de seu máximo – muito pelo contrário. O armador está afiadíssimo com suas costumeiras assistências e continua acumulando atuações sensacionais, vide o que aconteceu contra Real Madrid, Liverpool, Arsenal e Manchester United nestes últimos meses. Desta vez, o meio-campista está até mais fixo em seu papel na criação, diferentemente do que aconteceu na campanha do vice de 2020/21, quando jogou mais à frente. Mas sem deixar de atacar e fazer gols.
Já Lukaku não é necessariamente o primeiro nome que se cita na Internazionale. O melhor do time na temporada é Lautaro Martínez, sem dúvidas, ainda mais depois dos gols fundamentais na semifinal contra o Milan e na decisão da Copa da Itália. Outros ainda aparecem à frente do belga na hierarquia, como Nicolò Barella, e mesmo no ataque Edin Dzeko é o favorito de Simone Inzaghi no torneio continental. De qualquer forma, um dos trunfos dos interistas para acreditar no título é ter a capacidade de acionar um goleador como Lukaku no banco de reservas. Ao longo das últimas semanas, o centroavante veio com tudo no segundo tempo de diferentes partidas e garantiu ótimas atuações – com gols diante de Porto e Benfica na Champions, além de assistência contra o Milan. Sua fase atual é a melhor desde 2020/21. Parece ser capaz de um diferencial numa ocasião deste peso, em Istambul. Poucos estão tão acostumados com os grandes palcos quanto ele.
A Copa do Mundo será um detalhe da temporada que De Bruyne e Lukaku vão querer esquecer. Já a Champions League pode oferecer o maior reconhecimento possível a ambos. Dos demais protagonistas da geração belga (com todo respeito a Divock Origi, talismã do Liverpool campeão, mas menos expressivo num contexto maior), Courtois é quem possui o troféu continental em sua estante como personagem de destaque na conquista, e a maneira como arrebentou na final de 2022 o coloca num lugar de relevo na história da competição. Entretanto, até pelo histórico nos clubes, mais gente daquela Bélgica merece a honraria oferecida pela Orelhuda. De Bruyne e Lukaku estão a um passo desse grande momento. Seria a consagração definitiva, já que o título com a seleção, a esta altura, parece mais distante.
No geral, De Bruyne tende a ser reconhecido como o maior da geração belga. É quem atuou em alto nível de maneira mais constante, é quem teve maiores doses de brilhantismo, é quem foi mais vitorioso. Possivelmente está à frente de Kompany dentro da história do próprio Manchester City e também fez mais que Eden Hazard no nível máximo da Premier League. Romelu Lukaku tem mais frustrações em seu histórico, mas o resgate da tradição da Internazionale é também um feito excepcional para o centroavante se orgulhar. A sua contribuição ao Scudetto reluz, por ser uma redenção pessoal e também pelo simbolismo dentro do clube. Já a Champions oferece um passo além a quem quer que seja. Se o Manchester City possui tamanho favoritismo em Istambul, De Bruyne é uma das razões para isso. E as esperanças da Inter para negar os prognósticos estão exatamente em ter Lukaku como ás na manga.