Champions League

A Champions viveu uma noite ao seu máximo, de um Ajax sufocante, mas um Real Madrid letal e vitorioso

Há noites no futebol que o placar se torna insuficiente para explicar o que aconteceu em campo. E por mais que os 2 a 1 na Johan Cruijff Arena indiquem a vitória do Real Madrid, letal em sua missão, eles negam a grandiosidade do duelo que se assistiu ao longo dos 90 minutos. A Liga dos Campeões ofereceu um jogo maiúsculo, entre duas propostas de jogo diferentes. O Ajax, durante o primeiro tempo, exaltou sua velha ideia de futebol total com uma atuação incessante. Diminuiu o ritmo no segundo tempo e até se recuperou do prejuízo inicial, mas não conseguiu evitar o tropeço. Certamente os torcedores deixarão o estádio com um pensamento de que a história poderia ter sido diferente, talvez com um pouco de bronca com as decisões do árbitro. Que vencedores ou perdedores tenham pesos diferentes à história, na memória fica uma lembrança bem mais ampla. O trabalho intenso contra a capacidade de resolver, determinantes ao destino nestas oitavas de final, combinados culminaram numa partida excepcional.

A principal novidade na escalação de Erik ten Hag foi a entrada de David Neres. Geralmente utilizado durante o segundo tempo nas últimas semanas, o brasileiro dava mais vigor ofensivo pelo lado esquerdo do ataque. Já no Real Madrid, Marcelo continuou esquentando o banco para Sergio Reguilón. Na linha de frente, a trinca principal era composta por Vinícius Júnior, Karim Benzema e Gareth Bale. Todavia, eles acabariam ofuscados durante os primeiros minutos de jogo, diante da atuação impressionante dos Godenzonen.

Em 1995, diante do baile que sofreu no Bernabéu, o técnico Jorge Valdano declarou: “O Ajax está se aproximando da utopia do futebol”. Mais de duas décadas depois, a realidade é bastante diferente aos holandeses, sem o mesmo esquadrão e vendo os seus principais talentos deixarem o clube logo cedo. Ainda assim, o início da partida na Johan Cruijff Arena beirou a utopia. Os anfitriões deram uma aula de intensidade, ocupação de espaços e pressão. Trabalharam os primeiros dez minutos em nível altíssimo, sufocando o Real Madrid em seu campo de defesa e mal deixando os merengues passarem da linha central. Faltavam chances mais claras de gol. De qualquer maneira, era um futebol moderno e de mais alto nível o apresentado pelos Godenzonen.

Não demorou às oportunidades aparecerem. O Real Madrid tinha mais espaços quando conseguia sair rápido e poderia ter causado estrago aos sete minutos. Em contragolpe que começou com Vinícius Júnior, Bale recebeu totalmente livre. Praticamente recuou a André Onana, batendo sem muita força no meio do gol. Mais perigosa seria a resposta do Ajax. Após uma roubada de bola, Dusan Tadic rolou a Noussair Mazraoui e o lateral falhou na pontaria, chutando ao lado da trave. Já a primeira grande defesa seria de Onana. Vinícius Júnior encarou a marcação e encontrou uma brecha para chutar, enfiando o pé na bola. O arremate veio venenoso, mas o arqueiro conseguiu espalmar para escanteio.

Após o início alucinante do Ajax, o time recuou um pouco mais a partir dos 15 minutos e viu o Real Madrid equilibrar o duelo. Todavia, a forte marcação dos holandeses travava os merengues, distantes de se aproximar da área. Inflamados por sua torcida, os Godenzonen voltaram a crescer a partir dos 25 minutos. Enfim, transformaram a sua vontade em oportunidades de gol. As principais ações aconteciam pelo lado esquerdo, onde David Neres ganhava o auxílio de Tadic e Nicolás Tagliafico também subia no apoio. O grito na garganta, contudo, ficaria preso após uma jogada do outro lado. Em mais um lance possibilitado pela pressão na marcação, Tadic ganhou de Sergio Ramos no corpo e bateu cruzado. Mesmo desequilibrado, conseguiu mandar a bola na trave de Courtois.

O Ajax continuava rondando e arriscava mais. Um golaço quase saiu aos 35, em bola de pé em pé, até que Hakim Ziyech aparecesse livre dentro da área. Para sorte do Real Madrid, Courtois se agigantou diante do marroquino e desviou o chute com a perna. Já aos 37, as redes até balançaram, com a contribuição do belga. Após cobrança de escanteio, o goleiro rebateu mal a cabeçada de Matthijs de Ligt e Tagliafico subiu mais que a marcação para concluir com firmeza o rebote. O VAR, porém, tirou o doce da boca dos holandeses. Na primeira vez em que o sistema foi acionado nesta Champions, o árbitro Damir Skomina reviu o lance no monitor e assinalou o impedimento de Tadic, que interferiu na saída de Courtois durante a segunda finalização. Decisão correta, apesar da discussão natural sobre a marcação. O Ajax não se abalou e continuou martelando. Tadic voltaria a ameaçar, fazendo fila na defesa e mandando para fora. E a bronca com a arbitragem aumentou quando, em um ataque dos anfitriões, o apito final soou. Os 45 minutos iniciais tiveram 11 arremates dos Ajacieden, contra quatro dos espanhóis.

O segundo tempo seria disputado em outro ritmo. O Ajax recuaria mais e não conseguiria impor a mesma pressão no campo ofensivo. Melhor ao Real Madrid, que voltou querendo o jogo e tentando as investidas pelos lados do campo. Onana começaria sendo testado, sobretudo em um chute rasteiro de Benzema, que pegou sem dar rebote. Aos Godenzonen, sobrava mais campo para contra-atacar. Porém, após um passe sensacional de Donny van de Beek a David Neres, o brasileiro não aproveitou a chance. De frente para o crime, bateu em cima de Courtois e o goleiro espalmou para fora. E a tentativa dos holandeses ao adiantarem novamente a marcação custou caro, com o primeiro gol merengue aos 15 minutos. Vinícius Júnior foi lançado na esquerda e partiu com tudo. Deixou Mazraoui no chão e, dentro da área, limpou o espaço diante de dois marcadores antes de passar a Benzema. O centroavante recebeu desimpedido e acertou um belíssimo chute no alto, longe do alcance de Onana.

O jogo se tornava difícil ao Ajax, mas os anfitriões não desistiam. Não tinham a mesma força do primeiro tempo, mas sabiam provocar os erros do Real Madrid na saída de bola. Kasper Dolberg deixou o time mais ofensivo, ao substituir Lasse Schöne, e assustou aos 28. Recebeu uma ótima bola de Neres e desperdiçou, mandando por cima do travessão. Ao menos o empate não tardaria. Aos 28, uma recuperação de bola no meio foi chave outra vez. Tadic passou a Neres na esquerda e o brasileiro cruzou a Ziyech. O marroquino bateu de primeira e mandou no contrapé de Courtois. O resultado poderia não ser o melhor dos mundos aos Ajacieden, mas representava com mais fidelidade a ótima apresentação da equipe. Até que Marco Asensio saísse do banco e fosse decisivo.

Substituindo Benzema, Asensio jogou como homem de referência e começou a arriscar bastante. Tirou tinta da trave em chute da entrada da área, antes de parar em Onana. Já aos 43, quando o empate parecia sacramentado, o substituo virou herói. Contragolpe para o Real Madrid. Carvajal arrancou pela direita e fez o cruzamento na medida para o companheiro, aparecendo na área para concluir. Ainda houve a discussão sobre uma falta na construção do lance, mas o árbitro Damir Skomina, que deixou o jogo correr em vários momentos, não marcou nada. O último suspiro do Ajax seria nos acréscimos, em mais um bom avanço de Dolberg. No momento em que invadia a área, terminou travado por Sergio Ramos, o que facilitou a defesa de Courtois. Bem mais silenciosa, a Johan Cruijff Arena digeria o que não aconteceu.

A missão do Ajax no Santiago Bernabéu é bastante difícil. O Real Madrid já não é o time cambaleante de semanas atrás e reencontrou os seus rumos. O meio-campo finalmente funciona, embora o protagonismo seja a Benzema e Vinícius Júnior. Terão uma vantagem confortável a administrar. Enquanto isso, aos Godenzonen não resta nada além do que buscar o seu máximo novamente, desta vez para causar um estrago maior no placar. Há qualidade individual, há um belíssimo esforço coletivo. Nem sempre isso basta, diante do poderio do outro lado. Mas este não deixa de ser um time dos Ajacieden que honra sua história e enche sua torcida de orgulho, pela maneira como vem atuando nesta Champions. Há mais 90 minutos para tentar escrever um final diferente.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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