Champions League

A Champions era até então um sonho bom para o Napoli, mas a catarse virá mesmo com o Scudetto

O Napoli não deixou de ter uma postura agressiva e de buscar o resultado até o fim, mas foi menos eficaz que em outros momentos da temporada e pecou na criação, contra uma defesa ótima

A temporada do Napoli beirou a perfeição até umas semanas atrás. A conquista da Serie A se encaminhou com uma campanha empolgante e, que o ritmo tenha caído recentemente, a vantagem de 14 pontos é grande demais para acreditar numa hecatombe. Assim, a Champions League soava como um bônus daqueles. Não se recusaria a porta aberta, principalmente quando o trabalho na liga nacional está quase feito. Por bola jogada, os napolitanos foram os melhores da fase de grupos e não tomaram conhecimento do Eintracht Frankfurt nas oitavas. Isso até que o Milan encontrasse uma fórmula para emperrar a máquina, num momento em que ela não se mostra tão mais azeitada. Mas que a eliminação doa, não dá para reservar clichês para desqualificar o time de Luciano Spalletti. Não faltou valentia e nem insistência. A precisão que não é mais a mesma, especialmente contra um oponente que se defendeu tão bem e foi mais eficaz no ataque.

É a melhor campanha do Napoli na história da Champions League. Basta lembrar que o torneio não foi muito afável nos tempos de Maradona, ao contrário da Copa da Uefa. A eliminação em 1987/88 aconteceu logo de cara, contra um Real Madrid muito forte. Já em 1990/91, a queda aconteceu diante do Spartak Moscou, num momento em que os imbróglios ao redor de Diego estavam prestes a implodir o elenco. Mais recentemente, os celestes fizeram o Chelsea suar sangue na caminhada do título de 2011/12, com uma classificação nas oitavas essencial para moldar o caráter dos londrinos. Um Real Madrid multicampeão também brecou o time de Maurizio Sarri, antes que o Barcelona provocasse a queda mais recente. As oitavas eram uma barreira.

O Napoli que deu show na fase de grupos, mesmo contra um adversário bem mais incensado como o Liverpool, era favoritíssimo contra o Eintracht Frankfurt nas oitavas de final. A classificação inédita nesta fase finalmente aconteceu, e de uma forma irreparável, com um 5 a 0 agregado que poderia ser mais elástico. O Milan, por fim, surgiu como uma casca de banana nas quartas de final. A temporada ainda endossava os napolitanos. Mas não da mesma forma contra um rival doméstico, com muito mais história no torneio continental e também com um título recente na Serie A.

É preciso medir as palavras para falar sobre a queda do Napoli. Há uma ponta de decepção por aquilo que se imaginava do time de Luciano Spalletti, irresistível em tantos momentos da temporada. Mas há muitos poréns nessa história. Sobretudo porque a postura do Napoli durante a maior parte dos 180 minutos foi a que se imaginava. Os celestes sufocaram o Milan em diversos momentos da derrota por 1 a 0 no San Siro. O início de ambos os tempos foi uma blitz dos napolitanos em Milão, mas o gol não saiu. Méritos de Mike Maignan e da capacidade defensiva dos milanistas na noite. A forma como os partenopei sentiram a crescente dos anfitriões na primeira etapa, no fim das contas, teve um preço alto.

Já nesta terça-feira, o Napoli veio empurrado por sua torcida no Estádio Diego Armando Maradona e buscou o gol desde o início. Teve muito volume de jogo, mas não uma criação à altura. Assim, seria uma equipe até menos perigosa do que se notou na ida. As muitas finalizações para fora ou travadas não ameaçaram o suficiente Maignan. A construção estava prejudicada e quase sempre os celestes dependeram das bolas paradas. Foi assim no pênalti que Khvicha Kvaratskhelia perdeu diante de Maignan, bem como no gol de Victor Osimhen no apagar das luzes, que selou o insuficiente empate por 1 a 1. Era pouco, especialmente porque os milanistas se defenderam com ainda mais qualidade. Não faltou valentia ou perseverança, mas ambas eram insuficientes sem a efetividade.

Se o Napoli quiser, encontra motivos paralelos para reclamar. A arbitragem é um ponto, pelos critérios na partida de ida e pelo pênalti negado na volta. Os desfalques também influenciaram bastante, com a falta de um homem de área em Milão e pelas suspensões em Nápoles, acrescidos dos que se lesionaram com a bola já rolando. Entretanto, também é preciso reconhecer o que não aconteceu aos celestes. O time não conseguiu impor seu jogo, como tantas vezes se viu nesta temporada. Não teve a voracidade mesmo quando sobrou um pouco mais de espaço. É reflexo do momento da temporada, mais desgastante, e de um time que naturalmente oscilaria.

Osimhen já não estava no melhor ritmo e apareceu pouco dentro da área contra o Milan, depois de momentos avassaladores nesta temporada. Kvaratskhelia também encontrou a marcação dobrada tantas vezes e pecou bastante nas tomadas de decisão nesta terça-feira. Matteo Politano era um que chamava o jogo até se lesionar, enquanto as ausências de André-Frank Zambo Anguissa e Kim Min-jae tiveram seu peso. De resto, ninguém se apresentou tanto para tentar resolver, ainda que Alex Meret precise ser mencionado pelo papel importante na primeira etapa, ao pegar o pênalti de Olivier Giroud. Se há um consolo, é pensar que esse grupo pode amadurecer e render mais se for preservado por mais tempo.

Resta ao Napoli não deixar se abater e manter a concentração na Serie A. Os tropeços se tornaram mais frequentes, mas a exigência da frente dupla acaba agora e fisicamente os celestes podem render melhor na liga nacional. Além do mais, o Scudetto está bem próximo: são necessários apenas 11 pontos em 24 possíveis nas últimas oito rodadas. Os próximos jogos podem servir para que os napolitanos recuperem o moral e resgatem um pouco do futebol mágico que, afinal, tende a marcar o título se ele vier. É uma espera que durou 33 anos e que a cidade inteira anseia por terminar. Serão dias de festas inesquecíveis, até pelo simbolismo que a Serie A possui no contexto de identidade do Napoli como o representante de uma região discriminada. Que a Champions sirva então, no futuro, para enriquecer um pouco as memórias desta equipe. Não deu para superar o Milan, mas os partenopei saíram maiores dentro do torneio, como nunca antes.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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