Noriega: Pelé e Messi nos EUA têm diferenças que vão além do campo
Argentino faz sua estreia nesta sexta-feira com a camisa do Inter Miami
É impossível ver o frisson provocado pela contratação de Messi pelo Inter Miami e não lembrar da passagem de Pelé pelo Cosmos de Nova Iorque nos anos 1970. Mas há muita diferença entre os negócios, o momento do futebol (soccer) nos Estados Unidos e, principalmente, a postura dos jogadores. O argentino inicia a sua trajetória nesta sexta-feira, às 21h (horário de Brasília), em partida válida pela Leagues Cup.
Quando Pelé foi contratado pelo Cosmos, em 1975, ele era a última esperança de salvar o projeto do time e do soccer nos Estados Unidos. O Cosmos foi criado logo após a Copa do Mundo de 1970, inspirado na seleção brasileira. Seu primeiro uniforme era igual ao do Brasil, com camisa amarela com gola verde, calções azuis e uma única diferença: números gigantes na parte de frente da camisa. O time era uma ideia dos irmãos turcos Nesuhi emauri Ahmet Ertegun, fundadores da Atlantic, uma das maiores gravadoras da história da música. Apaixonados pelo futebol, os irmãos Ertegun venderam a Atlantic para o grupo Warner e sugeriram ao presidente da empresa, Steve Ross, que investisse num time para liderar a expansão do futebol nos EUA.
Foi apenas com a chegada de Pelé, em 1975, que o Cosmos decolou e deixou de ser um clube semiprofissional de uma liga mambembe, a Nasl (North American Soccer League). O Rei do Futebol havia parado de jogar em 1974, mas foi contratado com o maior salário de um atleta nos Estados Unidos, cerca de US$ 9 milhões por duas temporadas. O equivalente a U$ 51 milhões atualmente.
A missão de Messi nos Estados Unidos
Messi chega aos Estados Unidos com a fama de melhor do mundo, como maior estrela da história de uma liga bem estruturada e em crescimento, a Major League Soccer. Ainda assim, o craque argentino é a exceção das exceções abertas pelo modelo de franquias, que estabelece um teto salarial, furado sem cerimônias para contratar o ex-jogador do PSG. Se Pelé chegou para promover o soccer e Nova Iorque, a principal cidade dos Estados Unidos, um caldeirão étnico formado por diversas culturas adoradoras do futebol, Messi chega para capitalizar a paixão pelo futebol na capital informal da América Latina em território norte-americano. Estima-se que receberá cerca de US$ 60 milhões por temporada em dois anos.
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Pelé estreou pelo Cosmos em 15 de junho de 1975, num empate por 2 a 2 com o Dallas Tornado, jogo disputado num estádio decadente que ficava sob os viadutos de uma estrada. O campo era tão ruim e esburacado que foi usada tinta verde para disfarçar. Após a partida, no vestiário, Pelé disse aos funcionários do Cosmos que aquele tinha sido o primeiro e o último jogo dele pelo time, porque dependia dos pés para jogar e seus pés estavam cheios de fungos por causa do gramado. Foi quando o Rei soube da tinta para esconder os buracos.
Messi mandou dizer que não pretende jogar em gramados sintéticos em sua aventura pelo Tio Sam. Embora algumas equipes da Major League Soccer tenham campos sintéticos e eles sejam aprovados pela Fifa.
Rei Pelé também teve a companhia de craques
Pelé foi o embaixador de uma ideia que, para ele, representava a última chance de finalmente ganhar muito dinheiro com o futebol, mesmo tendo sido o maior jogador do esporte. Por isso concordou em atuar por uma equipe formada por jogadores amadores em sua primeira temporada. Atuou em campos que eram tapetes improvisados ou terrões com tufos de grama. Quando chegou aos Estados Unidos, mesmo sendo o atleta mais conhecido no mundo, precisou ser apresentado a uma audiência que mal sabia o que era o futebol. Mas sua presença contribuiu para que muitos grandes jogadores, a partir de sua chegada, fossem contratados pelo Cosmos e por outros times. Entre eles Cruyff, Eusébio, Beckenbauer.
Messi está formando um autêntico Clube do Bolinha de amigos do Barcelona para participar de algo que pode lembrar uma versão em chuteiras dos Harlem Globetrotters, aquele time de basquete que se exibe pelo mundo. Resta saber se sua ideia é um tipo de turnê de despedida de grande banda de rock ou ainda ser competitivo.
Pelé só foi campeão pelo Cosmos em 1977, depois que o clube trouxe jogadores importantes para melhorar o nível. Entre eles o atacante italiano Giorgio Chinaglia, desafeto do Rei, o Kaiser Franz Beckenbauer e Carlos Alberto Torres. O Capitão do Tri jogou apenas as quatro últimas partidas da temporada de 1977 e foi fundamental para fechar a porteira da defesa. O Cosmos foi uma história tipicamente americana, uma trupe que fundiu esporte e espetáculo e levava mais de 70 mil pessoas a seus jogos no Giants, estádio que tinha sido construído para o futebol americano. Com a decadência da liga, o clube encerrou as atividades em 1984, retornando apenas no século seguinte.
O Inter é um time ainda sem grande expressão nos Estados Unidos. Criado com a ideia de instalar uma franquia na região de Miami, coalhada de latino-americanos, o clube surgiu efetivamente em 2018, tendo como principais acionistas o ex-jogador inglês David Beckham e os donos de uma multinacional do ramo de construções nos Estados Unidos. O soccer segue a mesma lógica das grandes ligas esportivas dos Estados Unidos. Adota o sistema fechado (sem acesso e rebaixamento) e não tem uma liga tipo Série A ou B, mas várias ligas independentes. A Major League Soccer é a mais importante e bem-sucedida. O Inter Miami está entre os times de desempenho mais fraco nos últimos anos.
O Cosmos em que Pelé brilhou é um clube hoje inativo. Jamais participou da Major League Soccer, tendo atuado na North American Soccer League, da qual foi campeão três vezes. A Liga faliu em 2018.
Para quem quer saber mais sobre a história do Cosmos, um documentário de 2006 chamado “Once In a Lifetime” é uma fonte de imagens e depoimentos saborosos, mesmo sem contar com entrevistas de Pelé, que se recusou a participar.