João Félix e Cancelo trazem seus problemas, mas podem se encontrar no Barcelona

O Barcelona mais uma vez atravessou a janela de transferências com a calculadora nas mãos. Desta vez o clube não teve tantas alavancas para acionar e aliviar suas finanças apertadas pelo fair play de La Liga. Os blaugranas ainda venderam parte de seu departamento de mídia para conseguir um fôlego extra, mas o dinheiro não caiu a tempo na conta bancária e também precisaram se desfazer de jogadores para melhorar as condições. Mesmo assim, negócios sem tantos custos permitiram que o elenco de Xavi ganhasse bem-vindas opções antes do fechamento do mercado. Foram duas novidades de uma só vez nessa sexta-feira: João Félix e João Cancelo, ambos garantidos por empréstimo sem opção de compra.

Um facilitador dos negócios foi o empresário de ambos os lusitanos, Jorge Mendes, que concretizou as tratativas com o Barcelona. No caso de João Félix, para que o acerto saísse, o jovem precisou reduzir seu salário e ainda renovar seu contrato com o Atlético por mais dois anos – sem riscos de sair mais barato, caso se valorize. Chegou declarando seu “sonho de menino” ao Barcelona. São dois jogadores talentosos e de relevo, mas que vinham sem espaço em seus clubes, o que facilitou aos blaugranas. João Félix não tem boa relação com Diego Simeone há tempos e não foi o empréstimo ao Chelsea que recuperou a sua melhor forma. Xavi precisará descobrir o encaixe do atacante. Enquanto isso, João Cancelo entrou em rota de colisão com Pep Guardiola e também não voltaria ao Manchester City. Teve uma passagem morna pelo Bayern, que ainda tentou recontratá-lo na falta de um lateral.

A vantagem é que ambos podem se dar bem no Barcelona, pelo estilo de jogo da equipe. João Cancelo é um lateral que constrói o jogo por dentro e oferece muita criatividade. Pode funcionar de ambos os lados, mas principalmente pela direita, onde não há uma alternativa tão ofensiva à disposição de Xavi. A maneira como o clube vem atuando com três zagueiros em alguns momentos também pode beneficiá-lo. Além do mais, é um bom parceiro para contribuir à ascensão meteórica de Lamine Yamal, sensação da temporada aos 16 anos e recém-convocado à seleção espanhola.

João Félix, por sua vez, ainda precisa encontrar a melhor forma de seu jogo. Mas o fato de ser um atacante leve, num clube com tradição de utilizar um falso 9, também pode ajudá-lo. Robert Lewandowski é o dono do ataque e, em eventuais variações táticas, o português poderia apoiá-lo vindo de trás – como um parceiro por dentro, tal qual Pedri por vezes se destaca. Ainda existe a chance de servir como uma alternativa ao polonês, num papel por vezes desempenhado por Ferran Torres. Na escassez atual do elenco do Barça, ter variações na hora de pensar o time é essencial, até para lidar com as diferentes competições pela frente.

A novela de João Félix

O destino de João Félix se tornou uma das novelas mais enfadonhas das últimas temporadas. E quase sempre com o enredo repetido. O Atlético de Madrid parece consciente de que não vai recuperar a montanha de dinheiro gasta com o atacante. Dá para discutir a maneira como o português foi utilizado por Diego Simeone e seu próprio encaixe dentro da equipe colchonera, mas era de se esperar que pudesse ser aproveitado de alguma forma, até pelas mudanças táticas dos últimos anos. Contudo, não há uma solução e a queda de braço persiste, também sem uma abertura tão grande do atleta. E, com a forma recente de Antoine Griezmann, se torna mais difícil de vislumbrar alguma chance atualmente no Metropolitano.

O empréstimo ao Chelsea parecia uma porta aberta para João Félix recuperar seu prestígio. Estaria na Premier League, iria se juntar a um clube cheio de jovens, poderia inclusive cavar sua permanência nos Blues. A estreia foi boa até ser expulso. E a sequência teve alguns lampejos, mas que terminaram encobertos pela fase horripilante dos Blues. Com um time completamente bagunçado, o jovem não poderia fazer qualquer tipo de milagre. Anotou quatro gols em 20 partidas, pouco para a oportunidade oferecida pelos londrinos e muito menos para garantir uma permanência em Stamford Bridge.

Encontrar um destino para João Félix não era a missão mais simples da janela de transferências. Por um tempo, o atacante permaneceu estagnado no Atlético de Madrid. Surgiram rumores inclusive de que poderia ser vendido ao futebol saudita, o que parecia cedo demais para o jogador de 23 anos. No fim das contas, o Barcelona soou como um destino factível. Poderá disputar a Champions League, continua em La Liga e terá um clube bem mais adaptado ao seu estilo de jogo. Resta saber se o português de fato acontecerá na Catalunha. Talvez não restam tantas chances de emplacar num clube desse porte.

Lá se vão cinco anos desde a temporada em que João Félix realmente estourou no Benfica, em 2018/19, e que convenceu o Atlético de Madrid a gastar tanto dinheiro em sua contratação. Desde então, o atacante anotou 38 gols em quatro temporadas. Não são números tão espantosos. Por sua idade e pela maneira como as coisas emperraram no Atlético de Madrid, existe uma natural boa vontade para acreditar em sua recuperação. Mas o desgaste se torna cada vez maior e, não fosse a situação mais limitada do Barcelona, talvez essa porta aberta tardia sequer pintasse agora.

João Félix is Culer! ?❤️

— FC Barcelona (@FCBarcelona) September 1, 2023

O desafio de João Cancelo

João Cancelo é um dos melhores laterais em atividade no futebol. Não há dúvidas sobre o talento do português desde que despontou no Valencia, passando também por Internazionale e Juventus. O Manchester City, de qualquer maneira, elevou o lusitano de uma maneira incomum. Em algumas temporadas, a equipe de Pep Guardiola fluiu a partir do apoio que Cancelo oferecia pelos lados do campo. E isso funcionando tanto na direita quanto na esquerda. Virou um armador deslocado no time e alguém que produziu demais ofensivamente, mesmo sendo em teoria um jogador defensivo.

O problema é que as coisas costumam mudar muito rápido com Guardiola. O treinador preza demais pelo momento de seus jogadores e também não se furta a alterar suas táticas. A zona de conforto sob as ordens do catalão pode se encerrar num estalar de dedos. Foi o que aconteceu com João Cancelo. E, num momento no qual o jogador não conseguia produzir o mesmo, também sentindo o impacto de uma participação morna na Copa do Mundo, os atritos internos no Manchester City o transformaram de certeza em dispensável dentro do ambiente do clube. Foi uma reviravolta até inacreditável.

Não que o Manchester City tenha perdido com isso, pelo contrário. Guardiola conseguiu inventar um time com pontas nas alas e o resultado veio com a Tríplice Coroa, sobretudo a inédita Champions. Enquanto isso, Cancelo teria que se reencontrar no Bayern. Chegou com Julian Nagelsmann e logo viu Thomas Tuchel assumir o comando. Fez boas partidas na Bundesliga, mas também frequentou o banco. Não é que o título conquistado no sufoco enriquecesse seu currículo, até pela forma como a empreitada na Champions acabou mais cedo do que os bávaros previam. Não valia o esforço pela compra definitiva do português.

João Cancelo continuava até com mais mercado, por seus predicados e por não ser difícil pensar no encaixe. Mas vinha também com o pacote de valores elevados e problemas pessoais recentes. Entre aquilo que não se sucedeu no mercado, o Barcelona também cai como uma luva para o português. É um jogador que os blaugranas não têm à disposição atualmente e que pode funcionar de diferentes maneiras. Resta saber se os problemas recentes são apenas ocasionais ou se não correspondem a uma queda mais profunda, aos 29 anos.

Cancelo is Culer! ?❤️

— FC Barcelona (@FCBarcelona) September 1, 2023

O mercado do Barcelona

O Barcelona fecha a janela de transferências com cinco reforços. O clube gastou apenas €3,4 milhões em seus novos contratados. O valor responde à compra de Oriol Romeu junto ao Girona, e isso porque os blaugranas quiseram baixar a pedida dos alvirrubros, diante da vontade do jogador em sair. O volante sequer era a primeira opção do clube. Anteriormente, Ilkay Gündogan veio ao final de seu contrato com o Manchester City e Iñigo Martínez também estava sem mais vínculo com o Athletic Bilbao. João Cancelo e João Félix completam a lista, em outros negócios sem custos de transferências. Sonhos como Bernardo Silva ou Joshua Kimmich ficaram pelo caminho, sem dinheiro.

Já as vendas renderam €105 milhões ao Barcelona. A maior parte do dinheiro veio da saída de Ousmane Dembélé para o Paris Saint-Germain. Franck Kessié também foi uma venda importante para o Al-Ahli, enquanto havia um dinheiro para cair do acerto em definitivo de Antoine Griezmann com o Atlético de Madrid. Abde Ezzalzouli parecia ganhar mais minutos, mas foi vendido ao Betis. Sem espaço, Nico González e Francisco Trincão renderam uns trocados a mais. A folha salarial também se reduziu com o fim dos contratos de Sergio Busquets, Jordi Alba e Samuel Umtiti. E isso sem falar naqueles que acabaram emprestados nesta reta final de janela, como Ansu Fati ao Brighton, Eric García ao Girona e Clement Lenglet ao Aston Villa.

O elenco do Barcelona é bastante enxuto para essa temporada. A equipe se vale principalmente dos muitos reforços da temporada passada e também dos jogadores que ascenderam nas categorias de base. Não há muita margem de manobra e isso mais uma vez pode ser um complicador na hora de conciliar a Champions League com La Liga. João Félix e João Cancelo, de qualquer maneira, representam um ganho a todas as partes envolvidas no negócio. Seus clubes liberam nomes que ficariam encostados, ambos os portugueses poderão mostrar serviço numa agremiação de peso e o Barcelona terá a oportunidade de extrair o melhor de dois atletas sabidamente capazes tecnicamente.