Espanha precisa saber como mudar para seguir no topo

É um equívoco (relativamente comum, diga-se) colocar o Barcelona de Guardiola como inspirador do futebol tiki-taka da seleção espanhola. As duas equipes implementaram o futebol de posse de bola simultaneamente, sendo que a seleção até entrou um pouco antes nessa onda, na Euro 2008. De qualquer modo, o desenvolvimento em paralelo fez que a evolução de uma fosse aplicada na outra (até porque muitos dos jogadores são os mesmos), o que se mostrou bastante produtivo para blaugranas e rojos.
O momento histórico talvez esteja mudando. Cada um dentro de seu universo, Espanha e Barcelona mostraram um novo caminho para o futebol. O resto do planeta entendeu o recado e se adaptou a ele. Ou copiando e tentando aprimorar o modelo, ou buscando antídotos. Os últimos meses foram sintomáticos. A seleção espanhola perdeu a Copa das Confederações de modo contundente para o Brasil, do mesmo jeito que o Barça caiu diante do Bayern de Munique.
O clube catalão já sinalizou com mudanças. Gerardo Martino assumiu e tenta verticalizar mais o futebol da equipe. Talvez seja a hora de a Espanha pensar em algo parecido. E há elementos para isso. Vários jogadores surgem no futebol espanhol, com características que poderiam enriquecer ou dar variações ao tiki-taka.
Talento não falta para que a Fúria varie

Vicente del Bosque identificou essa necessidade e oportunidade. O primeiro setor a merecer atenção é o ataque. Na Eurocopa de 2010, o técnico consolidou o time sem um centroavante típico no momento em que se cansou de dar chances a Fernando Torres e colocou Fàbregas em seu lugar. O meia deu nova movimentação ao setor, pois recuava, atraindo marcadores e abrindo espaço para quem vinha de trás se infiltrar.
No entanto, o treinador percebeu que, em alguns momentos, esse esquema se torna muito redundante, falta um destino mais claro para as jogadas, um homem na frente que, em última instância, se responsabilize por finalizar. Além disso, esse jogador também pode aparecer como alternativa para brigar por espaço contra a defesa adversária ou mesmo aparecer nos momentos de desespero.
Torres não é um atacante de referência, mas há outras opções. Soldado foi tentado na Copa das Confederações, mas perdeu gols demais. A opção agora é Negredo, que ganha espaço no futebol inglês e na seleção, mas a eventual naturalização coloca Diego Costa nessa disputa (que ainda tem Llorente). O brasileiro poderia até mesmo ser opção para o reencaixe de David Villa, com quem tem feito ótima parceira no Atlético de Madrid. Michu, que ganhou sua primeira chance só agora, é outro candidato ao combinar movimentação e imponência física, além de atuar em um clube no qual a posse de bola é prioridade.
O meio-campo também tem jogadores que poderiam dar alternativas à lógica de funcionamento da equipe. Mata e Isco sabem fazer a bola circular, mas tendem a ser mais verticais. O mesmo se aplica a Santi Cazorla e David Silva, membros antigos da seleção, que podem desempenhar um papel mais direto na condução do jogo, como fazem na Inglaterra. Koke é um jogador que tem rendido muito bem pelos lados de campo, onde ajudar a potencializar as chegadas à linha de fundo e os cruzamentos. Uma missão que esteve basicamente concentrada em Jesús Navas, válvula de escape em jogos apertados.
A entrada de Navas contra a Itália, na semifinal da Copa das Confederações, é um ótimo exemplo de como a Espanha necessita de tais variações. Rescaldada pela goleada sofrida na decisão da Euro, a Azzurra soube pressionar a Espanha e atacar com intensidade para tentar a vitória. O gol não saiu e a intensidade deixou os italianos esgotados para a prorrogação. Ainda assim, Del Bosque apelou ao jogo aéreo para tentar chegar à final. Navas foi o melhor em campo, exatamente ao dar a profundidade que faltava ao time, e até Javi Martínez foi escalado como centroavante.
Não é preciso ser radical, mas veneração demais é ruim

O respeito à geração campeã e ao estilo que consagrou a Espanha é merecido. Mas os rojos precisam tomar cuidado para que isso não deixe a equipe parada no tempo. O tiki-taka funciona muito por conta de Xavi, que não vive boa fase há algum tempo e poderia ser preterido em alguns jogos. Sem ninguém que faça a função (deslocar Iniesta significaria relegar o jogador mais imprevisível nos dribles a um trabalho mecânico), é mais fácil à Fúria encontrar alternativas que complementem seu jogo. O mesmo valeria a Pedro, que não vive mais a fase iluminada da Copa de 2010, ou Iker Casillas, sem ritmo de jogo no Real Madrid.
Isso não quer dizer que a renovação é urgente ou o tiki-taka deva ser esquecido. O sistema ainda é letal contra adversários que prefiram se recuar diante do toque de bola, como fez o Uruguai na Copa das Confederações. Assim como a maioria dos veteranos é útil no elenco. O que a Espanha não pode é continuar engessada por conta das taças do passado e ser engolida passivamente na Copa do Mundo, como aconteceu meses atrás no Maracanã.
O bicampeonato mundial, que não acontece desde a Copa de 1962, só parece possível se a Espanha souber como se reinventar. O toque Barcelona de Guardiola ajudou a Fúria de Aragonés e Del Bosque a se tornar uma das grandes campeãs da história. Desta vez, observar o jogo físico do Atlético de Madrid de Simeone, a verticalidade do antigo Real Madrid de Mourinho ou as próprias modificações realizadas por Martino no Barça é um caminho que se sugere para que os espanhóis se perpetuem mais um pouco.