Dois clássicos dos anos 90 pela Copa do Rei: Uma noite de Ronaldo e outra de Zamorano
A década de 1990 tem um papel essencial à rivalidade entre Barcelona e Real Madrid. De certa maneira, o período serviu para a “expansão da marca” do Clássico. Em tempos de craques estrangeiros e conquistas marcantes, o aumento da visibilidade do Campeonato Espanhol através das transmissões internacionais também rompeu fronteiras aos gigantes. E há dois confrontos pela Copa do Rei nestes anos pródigos. Em 1992/93, pelas semifinais, os merengues tiveram um gosto de felicidade contra o Dream Team de Johan Cruyff. Quatro anos depois, nas oitavas de final de 1996/97, viria o troco dos blaugranas contra um Real que exibia suas garras para dominar a Europa novamente.
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O Real Madrid frustrou os seus rivais naquele verão de 1993. O empate por 1 a 1 no Santiago Bernabéu até parecia um bom resultado aos catalães. José María Bakero abriu o placar na capital e Iván Zamorano recobrou o prejuízo dez minutos depois. Todavia, os merengues conseguiram se dar bem dentro do Camp Nou, em noite com ares de épico. A vitória por 2 a 1 foi inaugurada aos 24 minutos, em pênalti convertido por Míchel. Oito minutos depois, Ricardo Rocha deixou seu time com um a menos, após entrada dura em Hristo Stoichkov. O Barça tentou aproveitar sua superioridade numérica e pressionou, mas Ronald Koeman esbarrou na trave duas vezes, inclusive em um pênalti desperdiçado. E o alívio dos madridistas veio aos 37 do segundo tempo, quando Zamorano infernizou os blaugranas e aproveitou a meta aberta para ampliar. Somente no final é que os anfitriões descontaram, em um tirambaço de Michael Laudrup, sem chances para Paco Buyo. De qualquer maneira, a festa na Catalunha era madridista.
O Real Madrid conquistou a Copa do Rei naquele ano. Derrotou o Zaragoza por 2 a 0 na decisão, com gols de Mikel Lasa e Emilio Butragueño. Dirigido por Benito Floro, os merengues possuíam um elenco respeitável – que ainda contava com Robert Prosinecki, Fernando Hierro, Luis Enrique, Manolo Sanchís, Ricardo Rocha, entre outros. De qualquer maneira, aquela taça serviu apenas como um amargo prêmio de consolação, diante da derrapada histórica no Campeonato Espanhol. Entre o segundo jogo da semifinal e a decisão da copa, aconteceu a rodada final de La Liga. Os madridistas ocupavam a liderança e dependiam apenas de si contra o Tenerife. Perderam do time de Jorge Valdano, o que entregou o tri de lambuja ao Dream Team do Barcelona. Stoichkov anotou o gol do título, na vitória por 1 a 0 sobre a Real Sociedad. O que podia ser uma semana de hecatombe na rivalidade terminou com a doce vingança dos culés.
Quatro anos depois, muita coisa havia mudado no Clássico. Treinado por Fabio Capello, o Real Madrid voltava à crista da onda, recobrando sua supremacia em La Liga. Já o Barcelona formava um time copeiro, apostando em novos talentos, mas oscilava nas semanas anteriores ao confronto pelas oitavas de final. Não à toa, o técnico Bobby Robson recebeu vaias da torcida no Camp Nou. E foi Ronaldo quem desequilibrou a partida para os anfitriões. A classificação seria decidida logo na ida, graças ao triunfo culé por 3 a 2. O camisa 9 maltratou seus marcadores. Anotou o primeiro gol e ainda aplicou duas canetas que deveriam valer tentos no placar. Ainda assim, o Barça dependeu de seus coadjuvantes. O empate do Real não demorou a vir, com Davor Suker. E a virada ocorreu no segundo tempo, com Fernando Hierro, num petardo cobrando falta. Só que a alegria duraria pouco ao defensor. Minutos depois, ele desviou uma falta de Miguel Ángel Nadal contra as próprias redes e deu o empate ao Barça. Por fim, aos 33, pouco depois de sair do banco, Giovanni cabeceou um escanteio e deu nova virada aos catalães, decretando a vitória.
A reação do Barcelona, aliás, teve outro nome principal: Pep Guardiola. Segundo o Mundo Deportivo, o meio-campista mereceu uma nota ainda maior que a de Ronaldo. Ele deu a assistência ao Fenômeno no primeiro tento, com um passe açucarado. E ajudou seu time a se reorganizar diante da situação adversa, como descreve o próprio periódico: “Guardiola é desses jogadores que entendem o valor de um triunfo sobre o Real Madrid. A partida andava aberta. Hierro provocou pânico e Nadal igualou logo depois. Então surgiu o caráter de Guardiola. Ele abandonou por alguns segundos sua posição, foi junto a Mourinho [então assistente técnico] e ambos cochicharam algumas coisas ao pé do ouvido. Pep retornou ao centro do campo quando concluiu a conversa e começou a dar instruções de posicionamento aos seus companheiros. ‘Você aqui, você ali, você acolá'. O que faz um líder. Reorganizou todos para enfrentar a reta final. Era o momento de derrotar o rival e Guardiola soube ler os minutos finais, os cruciais, aqueles em que demonstra a cabeça fria para pensar”.
O jogo de volta seria um pouco menos emocionante. O Barcelona seguiu em cima e abriu o placar no segundo tempo, em jogadaça de Ronaldo que Roberto Carlos mandou contra as próprias redes. Fernando Hierro ainda seria expulso com dois amarelos, antes que Suker igualasse. O empate por 1 a 1, de qualquer maneira, não valeu nada aos merengues. O Barcelona (que possuía lendas da estirpe de Stoichkov, Luis Figo, Laurent Blanc e Gheorghe Popescu) derrotou o Betis na final da Copa do Rei e ainda comemorou o título da Recopa Europeia, em cima do Paris Saint-Germain. Já o Real Madrid de Fabio Capello dominou La Liga e levou seu segundo título em três anos. Tinha Fernando Redondo, Raúl, Clarence Seedorf, Predrag Mijatovic, Bodo Illgner, entre outros. Era a base que encerrou o jejum na Champions em 1998, sob as ordens de Jupp Heynckes.