Bellerín e Betis: quando clube e jogador são ativistas pela sustentabilidade
O lateral-direito Hector Bellerín adotou a sustentabilidade em seu dia a dia e, no Betis, vê que o clube pensa como ele
Hector Bellerín é, definitivamente, um jogador diferente. Sem entrar no mérito de isso ser algo bom ou ruim, não é comum no meio do futebol um atleta se posicionar sobre os assuntos que o espanhol aborda, como política, masculinidade tóxica no esporte e, especialmente, sustentabilidade. É um adepto da agenda verde, vegano, utiliza apenas transporte público ou bicicleta e pesquisa a origem dos produtos que compra, além de ser acionista do clube inglês Forest Green Rovers, considerado o “mais sustentável do mundo” pela Fifa e pela ONU.
Como em um casamento perfeito, o clube que Hector defende atualmente, o Real Betis, tem adotado a sustentabilidade nos últimos anos e virou “o time mais verde” de La Liga com seu projeto Forever Green.
O Betis tem várias medidas, como a adoção de meios de transporte sustentáveis (como bicicletas, motos e carros elétricos) pelos funcionários, evitando a utilização de carros a combustível que emitem gases do efeito estufa, apoiam causas de reflorestamento, reciclam o lixo nas instalações do clube e diminuíram o uso de papéis. No ano passado lançaram até um uniforme 100% sustentável, feito com poliéster reciclado.
– Para mim, a sustentabilidade sempre foi algo importante. É algo que levo em consideração em todas as decisões da minha vida e fazer parte de um clube de futebol que está consciente disso, que está a tentar implementar sistemas para os torcedores, para os trabalhadores, para os funcionários e também para os jogadores, para facilitar as coisas para ter um estilo de vida mais verde é importante e uma inspiração. – disse, em entrevista à BBC.
Para Bellerín, apoiar a causa sustentável também é ter consciência ao eleger seus representantes na política. Ele citou a responsabilização das empresas e do Estado em questões relacionadas ao meio ambiente.
– Votar significa colocar alguém no poder que irá implementar essas iniciativas verdes. Às vezes, como consumidores, sentimos muita culpa, mas é também o Estado e as grandes empresas que precisam de assumir a responsabilidade, porque são eles que mais poluem. Cada vez que votamos, temos uma grande oportunidade de garantir a criação de um futuro mais sustentável.
Hector também acredita que os clubes e federações de futebol também tem responsabilidade e poderiam fazer mais para ajudar na agenda sustentável, como utilizar menos voos de avião e mais viagens de trem e diminuir a produção de camisas, o que significa menos resíduos.
– Em quase todos os países da Europa podíamos viajar de trem. Com Arsene Wenger [no Arsenal], sempre que tínhamos que ir a Manchester ou Liverpool costumávamos viajar de trem e essas são opções muito simples e limpas.
Para Bellerín, futebol está “cada vez mais elitizado”
O espanhol também é um crítico para atual indústria do futebol, que projeta sempre mais e mais dinheiro ao invés de focar no principal cliente, o torcedor. A Copa do Mundo é um exemplo, pois será disputada em três países diferentes na próxima edição. Ele acabou de ler o livro Fever Pitch (Febre de Bola, publicado pela Companhia das Letras no Brasil), que detalha as idas de um torcedor inglês, no caso Nick Hornby, aos estádios nas décadas de 80 e 90, e afirmou que o futebol está “à deriva do que era antes”
– O futebol todos os dias tem mais a ver com margens, com a possibilidade de ganharmos mais dinheiro e menos com as pessoas que o apoiam e com as pessoas que realmente tornam o futebol excelente. Está se tornando a cada dia algo mais elitista, na minha opinião, e tê-lo em três países diferentes torna mais difícil para os torcedores acompanharem sua nação.
– Estamos perdendo um pouco da essência do que o futebol realmente é e de quem são as pessoas que realmente fazem o futebol, que são as pessoas que nos seguem e nos assistem todo fim de semana. Entendo que o futebol, como qualquer indústria, precisa de se modernizar para poder acompanhar as mudanças na sociedade, mas por vezes não consegue ir tão longe
Ao opinar sobre todos esses assuntos, Hector deve ter ouvido muitas vezes que “deveria focar só no futebol”, discurso também adotado no Brasil. No entanto, ele traz um contraponto interessante.
– É muito engraçado porque só dizem aos jogadores para se manterem no futebol quando falam ou fazem algo que não é muito masculino. Quando jogamos PlayStation, dirigimos carros velozes, ficamos bêbados ou algo assim, não há nada a dizer. Mas quando Borja [Iglesias] pintou as unhas, ou quando vou a um desfile de moda, é aí que nos questionam, é quando tudo o que fazemos lá fora afeta o nosso futebol.
Bellerín queria encontrar mais jogadores que se posicionassem como ele, mas entende que a cultura do cancelamento e as críticas das redes sociais inibem isso.
– As pessoas que não querem mudar são aquelas que apontam o dedo, te chamam de hipócrita, porque pensam que porque você era de um jeito há alguns anos, você não pode ser uma pessoa diferente hoje. Já tive muito disso. Eu no passado, falando em sustentabilidade, comprava muita roupa – isso não significa que quero fazer isso hoje. Quando você vive em uma sociedade que não aceita nem mesmo um pequeno erro, fica mais difícil para as pessoas se exporem. – concluiu.