Mesmo com o elenco desfigurado, Deschamps usou bem o que tinha para estancar a sangria contra Marrocos
Dois jogadores convocados de última hora, Marcus Thuram e Kolo Muani contribuíram decisivamente para a vitória francesa na semifinal

O elenco da seleção francesa, o melhor do futebol internacional, está bastante desfalcado na Copa do Mundo por dois motivos. Um deles foram algumas escolhas de Didier Deschamps. Não convocou o 26º jogador após o corte de Karim Benzema – que, aliás, já voltou a treinar pelo Real Madrid – e deixou de fora alguns jogadores que poderiam ajudar. A principal, porém, são as lesões, que impossibilitaram as presenças de Paul Pogba, N’Golo Kanté, Christopher Nkunku e Presnel Kimpembe, além do melhor jogador do mundo. Contra Marrocos, na semifinal, Dayot Upamecano e Adrien Rabiot se juntaram à lista de desfalques. Mesmo desfigurado, o banco de reservas conseguiu oferecer opções para Didier Deschamps, que soube utilizá-las para sair do sufoco que era imposto pelos africanos nesta quarta-feira, no estádio Al Bayt.
O impacto mais óbvio foi o de Kolo Muani. Descendente de congoleses, nasceu em Bondy, mesmo subúrbio de Paris onde Kylian Mbappé nasceu. Subiu pelas categorias de base do Nantes e fez duas temporadas muito competentes na Ligue 1. Contribuiu na luta contra o rebaixamento em 2020/21 e com a conquista da Copa da França no ano seguinte. Saiu ao fim do seu contrato para acertar com o Eintracht Frankfurt e está sendo uma das revelações da Bundesliga, com nove assistências e cinco gols em 14 rodadas. Catapultou o Frankfurt ao quarto lugar e fez tentos decisivos na classificação às oitavas de final da Champions League.
Ele foi convocado de última hora, após o corte de Nkunku. É um atacante diferente, mais alto e de força física, mas com inteligência para ler o jogo, mobilidade e velocidade, além da qualidade de criação que suas assistências evidenciam. Passou pelas categorias de base da seleção francesa e disputou a Olimpíada de Tóquio, em 2020. Entrou em campo apenas dez minutos, em jogos da Liga das Nações contra Áustria e Dinamarca, em setembro, antes da Copa do Mundo. E nela, mal havia aparecido. Fez o jogo completo contra a Tunísia, quando Deschamps, classificado, usou reservas, e marcou o segundo gol nesta quarta-feira no seu primeiro toque na bola, imediatamente depois de entrar em campo, pegando a sobra da grande jogada de Mbappé.
Thuram não aparece no placar como Kolo Muani, mas foi provavelmente mais importante para a vitória. Ao entrar em campo, para começar, deu uma injeção de esperança na torcida pelo sobrenome que carrega. O jogador do Borussia Monchengladbach é um dos convocados pela França que nasceu fora do país, em Parma, onde o pai Lillian jogava em 1997. No ano seguinte, o defensor marcou seus únicos dois gols pela seleção, também em uma semifinal, contra a Croácia. “Foi como se eu estivesse em transe. Foi o que chamo de meu momento Miles Davis. Jogadores podem ser como artistas, quando mente e corpo trabalham como um só. É o que Miles Davis faz quando toca jazz. Ele não tem que pensar. É puro instinto”, disse, em 2007, ao jornal inglês The Guardian.
Marcus não teve o seu momento Miles Davis, mas ficou muito claro como contribuiu para o equilíbrio da França. Atacante de 25 anos que fez base pelo Sochaux e apareceu com a camisa do Guingamp antes de chegar à Bundesliga, em 2019, contratado pelo Borussia Monchengladbach. Embora não tenha feito uma grande temporada 2021/22, costuma ser um atacante bastante confiável na Alemanha que chegou à Copa do Mundo em grande fase, com 10 gols, em 15 rodadas. Com mais de meia Bundesliga pela frente, igualou sua melhor marca de tentos em uma temporada da liga alemã – também 10 em 2019/20, assim que foi contratado. Ele foi o último convocado, o 26º jogador, depois de Deschamps inicialmente chamar apenas 25 para a Copa do Mundo.
Thuram entrou aos 20 minutos do segundo tempo no lugar de Olivier Giroud. Não foi centroavante, porém. Abriu pela esquerda e teve algumas arrancadas perigosas em que pecou no produto final. Sua principal missão, contudo, foi melhorar o trabalho defensivo por aquele lado porque Kylian Mbappé, que até se esforçou um pouco mais, não estava conseguindo auxiliar Theo Hernández. Marrocos havia conseguido sustentar mais de meia hora de pressão absurda contra a seleção francesa. A entrada de Thuram estancou a sangria e ofereceu algum alívio. Mbappé foi centralizado, e a campeã do mundo sofreu um pouco menos, reagiu um pouco mais e uma hora encaixou a jogada decisiva que matou a semifinal.
Completo, o elenco da França é um absurdo. Vale ressaltar que ela conseguiu emendar duas finais seguidas, mesmo sem Kanté, Pogba, Benzema e Nkunku. Também uma evidência dessa profundidade é que dois jogadores mais periféricos, que em condições ideias talvez nem estivessem na Copa do Mundo, de clubes do segundo patamar do Campeonato Alemão, têm qualidade suficiente para mudar a história de uma partida tão importante. Deschamps, por mais críticas que mereça pela atuação coletiva da França e por algumas das suas escolhas, mostrou jogo de cintura para usar o que tinha à disposição e foi premiado com a oportunidade de alcançar um feito inédito para o futebol francês no próximo domingo.