Guia da Copa do Mundo 2022 – Grupo B: Inglaterra
A Inglaterra atravessa uma sequência de boas campanhas rara com sua seleção, mas os meses recentes deixam certa desconfiança
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A Inglaterra está em um momento interessante. Ou curioso. Ou meio estranho. Ao mesmo tempo em que tem uma equipe jovem – apenas cinco jogadores têm 30 anos ou mais – a sua espinha dorsal está junta desde antes da Copa do Mundo de 2018, e uma hora bater na trave para de ser um bom sinal para o futuro e se torna um dilema para o presente. Poderia ter passado pela Croácia na semifinal da Rússia e não passou. Poderia ter vencido a Itália na final da Euro e não venceu. Se por um lado foram derrotas normais, por outro a equipe também precisa tirar lições para evitar que elas aconteçam novamente. Com os resultados do último ciclo e o talento que tem à disposição, estará no Catar como uma das candidatas ao título. A principal? Não. Mostrou ter capacidade de chegar às fases finais. A partir delas, torna-se bastante uma questão de detalhes, coração e cérebro. Jogar melhor do que tem feito, mesmo com os resultados expressivos dos últimos anos, também ajudaria bastante.
Como foi o ciclo até a Copa
Em 2018, a Inglaterra chegou a uma semifinal de Copa do Mundo pela primeira vez em 28 anos. O resultado foi um marco para uma geração jovem e talentosa e para o trabalho de Gareth Southgate. A missão era clara: não parar por ali. De cara, houve a oportunidade de conquistar um título, mesmo que não fosse o mais importante. Estava nas semifinais da edição inaugural da Liga das Nações, ao lado de Holanda, Portugal e Suíça. Perdeu para os holandeses por 3 a 1 na prorrogação. A prioridade, porém, seria a Eurocopa de 2020, que ela meio que sediaria. O torneio foi marcado em múltiplas sedes, mas muitos jogos foram realizados em solo inglês. E a reta final, em Wembley. Houve um adiamento de um ano por causa da pandemia que, esportivamente, não foi um mau negócio. Aqueles jovens teriam um pouco mais de tempo para se desenvolverem.
A campanha nas Eliminatórias foi quase perfeita. Sete vitórias em oito jogos, em todas fazendo pelo menos quatro gols. No entanto, um nível tão alto de desempenho não foi carregado para a Eurocopa. A Inglaterra teve dificuldades ofensivas. Marcou apenas duas vezes na fase de grupos. Não era a chave mais fácil, nem a mais difícil. Havia a Croácia, vice-campeã mundial, envelhecida e sem algumas das suas bandeiras. A Tchéquia, que faria um bom papel chegando às quartas de final. E a Escócia que, além da rivalidade, é sólida defensivamente. Ainda assim, as atuações da Inglaterra deixaram a desejar, com vitórias por 1 a 0 sobre tchecos e croatas e um empate sem gols com a rival do norte. Tudo isso seria esquecido nas oitavas de final.
A seleção inglesa retornou ao sistema com três zagueiros e superou o seu maior fantasma. Havia sido derrotada pela Alemanha em todas as partidas decisivas desde a famosa final da Copa do Mundo de 1966. Uma estatística tão poderosa que diminui a importância de que os alemães fizeram uma Eurocopa irregular. Não foi a primeira vez em quase 50 anos que a Inglaterra chegou melhor. Foi a primeira vez que isso foi suficiente para vencer, e sem tantos problemas. Nas quartas de final, parecia que havia engatado a sexta marcha ao golear a Ucrânia por 4 a 0, mas teria novos obstáculos contra a Dinamarca. Precisou de um pênalti mandrake sobre Raheem Sterling para ganhar da sensação da Euro na prorrogação.
Os pênaltis, um outro fantasma que o time de Southgate parecia ter superado, voltaram a assombrá-lo. Foi uma partida equilibrada contra a Itália na decisão, na qual a Inglaterra começou melhor, abriu o placar, mas recuou cedo demais e foi castigada. A estratégia do técnico de colocar Sancho e Rashford nos minutos finais da prorrogação para realizar as cobranças não se pagou. Os dois garotos, frios, erraram junto com o também jovem Bukayo Saka e a Itália levantou a taça em Wembley. Frustração enorme à seleção inglesa que tinha condições de ser campeã pela primeira vez desde 1966, novamente diante da sua torcida.
As sensações desde a Euro não são positivas. Não teve problemas para se classificar em primeiro para a Copa do Mundo, invicta e com apenas três gols sofridos. Mas, como aconteceu com outras seleções grandes, sucumbiu ao acúmulo de jogos da Liga das Nações em junho. Não apenas perdeu da Hungria em Budapeste. Levou uma goleada em Wolverhampton, por 4 a 0, sua pior derrota em casa em 94 anos, que ligou todos os sinais de alerta. Não se recuperou em setembro e disputará a segunda divisão na próxima Liga das Nações.
Ainda é incerto, no geral, o quanto os resultados dessa mais recente Liga das Nações significam para a Copa do Mundo. O ciclo inglês teve bons momentos e alguns problemas. A campanha na Eurocopa confirmou que Southgate construiu uma boa fundação. A ausência de um título e os últimos jogos indicam que ainda segue faltando alguma coisa, especialmente em termos de desempenho. Ao longo de todo o trabalho de Southgate, esse aspecto esteve abaixo dos ótimos resultados que conseguiu.
Como joga
Depois do Mundial da Rússia, Southgate começou a tentar introduzir uma linha de quatro na defesa, variando entre o 4-3-3 e o 4-2-3-1, mas a Eurocopa mostrou que ele ainda não tem tanta confiança nessa formação porque retornou aos três zagueiros nos jogos mais difíceis – contra Alemanha e Itália. Continua alternando. Em qualquer desenho, não parece disposto a abrir mão de dois volantes (ou meias centrais), exceto quando enfrenta nanicos como Andorra.
A Inglaterra não apenas tem um bom goleiro titular como parece que os reservas são melhores do que ele. A confiança em Jordan Pickford, porém, parece estar diminuindo porque Southgate tem testado Nick Pope e principalmente Aaron Ramsdale com mais frequência. Harry Maguire continua sendo um líder na seleção, que tem um estilo de jogo mais adequado às suas características. As suas últimas aparições, porém, refletiram o momento complicado que passa no Manchester United, especialmente perdido no empate por 3 a 3 com a Alemanha.
John Stones pinta como seu parceiro prioritário, com o lateral Kyle Walker fechando pela direita quando o técnico opta pelo trio na retaguarda. Existe profundidade entre os reservas, com um grande grupo de zagueiros mais ou menos do mesmo nível. Southgate levou Eric Dier, do Tottenham, o que era esperado. Ben White, do Arsenal, com apenas quatro jogos pela seleção, foi um pouco mais surpreendente, embora a fase do Arsenal possa referendá-lo. A escolha curiosa foi por Conor Coady à frente de nomes como Tyrone Mings e Fikayo Tomori. Ela reforça a propensão aos três zagueiros porque essa é a formação favorita de Coady – que deixou o Wolverhampton, entre outros motivos, porque o então técnico Bruno Lage deixou claro que usaria linha de quatro.
A Inglaterra tem uma quantidade excessiva de bons laterais direitos. Walker, pelo menos, é chamado para ser zagueiro. Está machucado, mas deve estar disponível antes do fim da fase de grupos. Ainda restavam Kieran Trippier, Reece James e Trent Alexander-Arnold brigando por duas vagas. No fim, apesar de ter sido muitas vezes preterido, Arnold ficou com a vaga por causa da lesão de James. Trippier é homem de confiança na bola parada, uma das grandes armas inglesas, e também pode atuar pela esquerda. Isso se tornou mais importante com a lesão de Ben Chilwell porque Luke Shaw foi o único lateral esquerdo de ofício convocado. Saka tem histórico de improvisação na posição e se torna mais uma alternativa.
Os problemas físicos de Jordan Henderson abriram espaço para Southgate fixar sua dupla de volantes com Declan Rice e Kalvin Phillips, mas, como o mundo dá voltas, agora é Phillips quem está lesionado. Foi convocado mesmo assim, segundo Southgate, porque é um jogador “raro que vale o risco”. Este é o setor onde o conservadorismo de Soutghate fica mais evidente porque são raros os casos em que ele utiliza jogadores mais leves e habilidosos na linha central. O crescimento de Jude Bellingham, porém, não tem sido ignorado. Outra opção seria Mason Mount ou Connor Gallagher, também surpresa da lista, um pouco mais ofensivo. James Ward-Prowse, do Southampton, acabou ficando em casa.
O ataque pode ser formado de várias maneiras. Mount pode completar o triângulo no meio-campo ou fazer a função de camisa 10. Raheem Sterling, pelos lados, e Harry Kane também são intocáveis. Com linha de quatro, ainda haveria uma vaga. O clamor por Jadon Sancho, claro durante a Eurocopa, diminuiu tanto pela sua fase no Manchester United que sua ausência na lista nem foi tão destacada pela imprensa local. Jack Grealish, outro pedido frequente, não está voando no Manchester City, mas foi bem quando teve chance na seleção e chegou à relação final. Phil Foden deve ser bastante utilizado, até porque pode jogar tanto pelos flancos quanto substituir Mason Mount.
Quem deixou todo mundo comendo poeira foi James Maddison, com apenas 34 minutos de experiência pela Inglaterra. Ele oferece “algo levemente diferente”, de acordo com o técnico, o que é verdade. É um meia-atacante dinâmico, criativo e com bom chute de fora. Completando o ataque, Bukayo Saka é uma opção mais aguda, com velocidade, drible e coragem para partir para cima, e Marcus Rashford conseguiu se recuperar a tempo no United para sua convocação não ser contestada. Pode aparecer tanto pelo lado quanto como substituto de Harry Kane. No fim, porém, o centroavante reserva será Callum Wilson. O atacante que está em ótima fase no Newcastle acabou superando Tammy Abraham – no geral mais talentoso.
Time base: Jordan Pickford; Kyle Walker, Harry Maguire e John Stones; Kieran Trippier, Jude Bellingham (Kalvin Phillips), Declan Rice e Luke Shaw (Trippier); Mason Mount, Raheem Sterling e Harry Kane. Técnico: Gareth Southgate.
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Donos do time
Harry Kane continua sendo o capitão da Inglaterra e deve se tornar o maior artilheiro da história da seleção inglesa masculina durante a Copa do Mundo. Faltam dois gols para alcançar Wayne Rooney. Ele não teve a melhor Eurocopa, mas desencantou no mata-mata, marcando contra Alemanha, Ucrânia e Dinamarca. Foi excepcional nas Eliminatórias para o Catar e, após uma temporada abaixo dos seus padrões pelo Tottenham, está voando novamente, com 12 gols em 15 rodadas da Premier League. Ele é o atual artilheiro do Mundial, após marcar seis vezes na Rússia.
Além dos problemas do Tottenham, que fez uma aposta equivocada em Nuno Espírito Santo e teve que trocá-lo por Antonio Conte em questão de semanas, Kane também teve que superar a grande decepção de não ter conseguido se transferir para o Manchester City. O interesse mútuo era muito claro e transbordou ao noticiário. O presidente dos Spurs, Daniel Levy, exigiu um preço exorbitante para vendê-lo, e o City preferiu não contratar ninguém. Esperou um ano e conseguiu Erling Haaland por um valor bem mais em conta.
Não deve ser fácil lidar com a sensação de ter perdido o bonde. Um dos mais talentosos atacantes da sua geração, tão capaz de marcar gols quanto de criá-los quando sai da área para brincar de armador, Kane nunca conquistou um título em sua carreira. Pelo menos deve ter ficado mais animado com a chegada de Conte, um vencedor em série. Especulações também começaram a surgir de que ele pode ter uma nova chance de se transferir dentro do Big Six. Uma possível ida para o Chelsea seria uma ótima maneira de começar uma guerra civil em Londres. Enquanto isso, busca marcar seu nome cada vez mais fundo na história da seleção inglesa. Não existe escalação que não termine com seu nome. Em um time com dificuldades para criar, a maneira como consegue funcionar como camisa 10 e ainda entrar na área para finalizar é essencial para o sucesso da Inglaterra.
Raheem Sterling teve uma Eurocopa especial. A maioria dela foi disputada a metros de onde cresceu, nos arredores de Wembley. Ele se acostumou a sempre contribuir quando veste a camisa da seleção inglesa e marcou os únicos gols da vice-campeã na fase de grupos. Ficou marcado pelo mergulho contra a Dinamarca, que irritou espectadores do mundo inteiro, e ao mesmo tempo começou a perder espaço no Manchester City, relegado a coadjuvante e reserva em partidas decisivas da Champions League.
Decidiu mudar de ares, pediu para ser negociado e sua história pelo City foi recompensada por uma transferência sem crises para o rival Chelsea, mas agora vive uma outra situação estranha porque foi contratado por Thomas Tuchel, e quem comanda os Blues no momento é Graham Potter. Imaginava-se que seria mais um atacante centralizado dentro do esquema de três zagueiros do alemão. Potter o está colocando mais pelos lados.
De qualquer maneira, poucos atacantes foram mais produtivos na Premier League do que Sterling nos últimos anos. Poucos também fizeram mais pela seleção inglesa, embora seja justo apontar que ele ainda perde muitos gols que não deveria perder. Que às vezes vai ao chão quando não deveria ir. E que chega à Copa do Mundo em seu pior momento por clubes desde o começo pelo Liverpool.
O status de Harry Maguire como zagueiro mais caro de todos os tempos sempre foi meio estranho – e muito circunstancial. Passou pela inflação de ser inglês e de ter sido contratado pelo Manchester United de um rival da Premier League. Mesmo excluindo-a, ainda teria sido caro demais para as pretensões de um clube que quer conquistar todos os títulos e neste momento tem que lidar com o fato de que se tornou reserva de Erik ten Hag. Na seleção inglesa, no entanto, a situação costumava ser diferente.
A confiança de Southgate em Maguire não é infundada. Ele realmente atua bem com regularidade na seleção. Há uma diferença importante de estilo de jogo. O Manchester United precisa jogar com linhas adiantadas na maioria dos seus jogos, mesmo quando era mais propenso ao contra-ataque com Solskjaer. A (falta de) velocidade de Maguire não encaixa bem com isso. A Inglaterra defende de uma maneira mais postada, cuida melhor da posse e tem a bola aérea como uma das suas principais armas. Maguire é eficiente em ambas as situações e ainda tem uma forte liderança de vestiário que não pode ser ignorada.
No entanto, esses últimos meses foram horríveis. Ele virou reserva do Manchester United. Passou a ser vaiado pela torcida mesmo vestindo a camisa da Inglaterra, e os problemas de confiança estão tão claros que transbordaram para os jogos internacionais. Maguire mantém moral pelo seu histórico e personalidade, mas o momento gera uma legítima e séria preocupação se terá sequer condição psicológica para atuar no nível que a seleção precisa.
Caras novas
Um dia a profecia vai se realizar, e Declan Rice será vendido a outro clube inglês. Enquanto isso, dando todas as cartas no meio-campo do West Ham, ganhou enorme espaço na seleção desde que estreou contra a Tchéquia em 2019. É um volante alto, forte e de qualidade técnica, com passes longos e chutes de fora da área. Passou à frente da concorrência porque agora o meio-campo começa com ele. Se Jordan Henderson ou Kalvin Phillips ficarem saudáveis ao mesmo tempo, não é Rice quem deve sair do time.
É difícil falar sobre o futuro da seleção inglesa em um time que tem tantos jovens que são o futuro da seleção inglesa, mas Jude Bellingham é… o futuro da seleção inglesa. Tem apenas 19 anos, uma experiência incomum em alto nível para sua idade e deve ser um dos protagonistas do mercado de transferências do ano que vem, com muitos clubes da Premier League procurando repatriá-lo. Saiu da base do Birmingham, em 2020, para se desenvolver no Borussia Dortmund, mesmo ano em que estreou na seleção inglesa.
Recebe menos badalação do que merece por causa da histórica hipervalorização do futebol local por parte da análise inglesa. Por puro desempenho, o espaço que começou a receber de Southgate desde junho deveria ter chegado antes. Mas nunca jogou uma rodada de Premier League. Os problemas físicos de Phillips podem levar o técnico a fixá-lo de vez como uma opção mais dinâmica e criativa na linha de meias centrais. Ou ele pode simplesmente usar Jordan Henderson e não arriscar demais.
Jordan Pickford ainda deve ser titular, mas Aaron Ramsdale está pedindo passagem. Quando trocou o Sheffield United pelo Arsenal, no começo da temporada 2021/22, parecia que seria um reforço para o futuro, mas o presente se impôs. Ganhou rapidamente a posição do veterano Bernd Leno e hoje é o titular do líder da Premier League, além de ser o goleiro inglês em melhor forma. Estreou contra San Marino, nas Eliminatórias para a Copa do Mundo, e começou jogando nos dois últimos jogos da Liga das Nações de junho, contra Itália e Hungria.
A grande surpresa da lista foi James Maddison. Embora tenha sido convocado outras vezes sem entrar em campo, toda sua experiência com a seleção inglesa se resume a 34 minutos de um jogo das Eliminatórias da Copa do Mundo contra Montenegro, em novembro de 2019. Criou certa controvérsia ao ser cortado de jogos contra Tchéquia e Bulgária, em outubro daquele ano, por estar doente e depois ser flagrado em um cassino, enquanto seus companheiros perdiam em Praga. No entanto, sua qualidade acabou prevalecendo. Deixando problemas físicos para trás, tem 23 envolvimentos diretos em gols de Premier League em 2022 e, como disse Southgate, oferece “algo um pouco diferente”, com sua capacidade técnica, visão de jogo e chutes de média ou longa distância.
Técnico
O planejamento é essencial no futebol, mas às vezes as coisas simplesmente se encaixam. Gareth Southgate foi promovido ao cargo principal por acaso, quando Sam Allardyce foi demitido após acusações de excessiva proximidade com empresários, e se tornou o técnico com os melhores resultados da Inglaterra desde Alf Ramsey: uma semifinal de Copa do Mundo e uma final de Eurocopa. Ex-jogador da seleção, marcado por ter perdido um pênalti decisivo na Euro 1996, destacou-se em clubes pelo Middlesbrough, do qual chegou a ser capitão e conquistou a Copa da Liga de 2003/04. Sua última partida como profissional foi a decisão da Copa da Uefa de 2006, com derrota para o Sevilla. Começou como técnico no Riverside Stadium. Demitido após um rebaixamento, continuou a carreira em 2013, quando assumiu o time sub-21 da Inglaterra. Seu trabalho tem pontos positivos e negativos – como quase todos do cenário internacional. Conseguiu extinguir as polêmicas extracampo e montou uma equipe competitiva, mas ainda passa a impressão de que não tira o melhor do talento que tem em mãos. Apesar de bem cotado, seu ciclo aproxima-se de um fim natural e não deve ter muitas outras chances de fazê-lo depois do Mundial do Catar.
A geografia do elenco
A história de Raheem Sterling é conhecida. Nasceu em Kingston, na Jamaica, e se mudou para a Inglaterra quando tinha cinco anos. Cresceu à sombra do estádio de Wembley até se tornar adolescente. Mudou-se para o norte, onde fica Liverpool, aos 16 anos. Ele é o único que nasceu fora dos limites do território inglês, embora Kyle Walker e Callum Wilson também tenham ascendência jamaicana. Wilson fez seu primeiro jogo em 2018 e disse em um podcast da BBC no último mês de setembro que, se não tivesse recebido uma chance na Inglaterra, consideraria defender a Jamaica, como fez Michail Antonio, do West Ham, por exemplo. Na época da entrevista, parecia frustrado por não ter conseguido cavar mais espaço na seleção. Deve estar bem satisfeito no momento.
A avó de Marcus Rashford nasceu na Ilha de São Cristóvão, no Caribe, e os pais de Bukayo Saka migraram da Nigéria para Londres. Eric Dier se mudou com sua família para Portugal quando tinha sete anos porque sua mãe havia conseguido um trabalho na organização da Eurocopa de 2004. Ele acabou ficando e começou sua carreira nas categorias de base do Sporting. A história de Trent Alexander-Arnold é curiosa. Sua avó, Doreen Carling, foi namorada de Alex Ferguson por 18 meses quando ambos eram adolescentes. O romance terminou de vez quando Carling se mudou para os Estados Unidos e se casou. Isso, segundo um artigo do New York Times, significa que ele tecnicamente poderia ter escolhido a seleção norte-americana.
Declan Rice ficou bem próximo de optar por outro time. Nasceu em Londres, mas seus avôs são de Cork. Ele fez toda a categoria de base internacional pela Irlanda, a qual representou em diversos níveis com sucesso. Naturalmente, houve o interesse de mantê-lo porque Rice seria camisa 10, capitão, craque, leprechaun-chefe do Dia de São Patrício, vocalista do U2 e o que mais quisesse na seleção irlandesa. Chegou a defender o time principal em três amistosos em 2018 e houve meses de indefinição, durante os quais não constava nas listas irlandesas, mas ainda não havia decidido pela Inglaterra, o que acabou fazendo em fevereiro de 2019.
Jack Grealish, da mesma forma, tem ascendência irlandesa. O atacante possui avós nascidos na Irlanda tanto pelo lado paterno quanto pelo materno. No entanto, o avô de um avô era tão inglês que jogou pela seleção em 1903 e ganhou até a FA Cup de 1905 com a camisa do Aston Villa. Nascido em Birmingham, Grealish nutriu essa ligação umbilical com os Villans. O que não o impediu de optar pela Irlanda nas seleções de base. O ponta defendeu os irlandeses no sub-17, no sub-18 e no sub-21. Chegou a receber prêmio de melhor do país nessa última categoria, mas logo passou a recusar chamados para “se dedicar ao clube” e sequer aceitou uma chance na seleção adulta quando lhe foi oferecida. Mudou de ideia em 2015 e resolveu se juntar ao sub-21 da Inglaterra, treinado por Gareth Southgate, que também o convocou pela primeira vez ao time principal em 2020.
O novo dono do Chelsea, o norte-americano Todd Boehly, deu a ideia de realizar um Jogo das Estrelas da Premier League entre o norte e o sul do país. Não foi uma grande ideia, mas vale a pena observar a divisão demográfica dentro da Inglaterra. Existe um certo equilíbrio, mas 12 dos convocados nasceram mais para cima: Pickford, Ramsdale, Walker, Stones, Maguire, Trippier, Alexander-Arnold, Coady, Henderson, Phillips, Rashford e Foden. Oito mais para baixo: Dier, Shaw, White, Rice, Mount, Gallagher, Kane e Saka. Cinco são da capital ou arredores. No meio do caminho, Grealish, Bellingham, Wilson e Maddison são filhos das Midlands. Nick Pope nasceu no leste, perto de Cambridge.
Onde jogam
Tradicionalmente, jogadores ingleses jogam na Inglaterra. Começou como uma questão cultural e evoluiu para uma financeira, embora ainda haja resistência a quem atua em outras ligas, como Tammy Abraham e Fikayo Tomori descobriram da pior maneira possível. Mas a Premier League paga os melhores salários do mundo. Exceto para estrelas que teriam espaço em clubes como Barcelona, Real Madrid e Paris Saint-Germain, não há apelo econômico e, sem ele, é mais atraente ficar perto de casa. Todo o elenco inglês em 2010, 2014, 2018 atuava no Reino Unido – com um na Escócia, inclusive. Em 2006, David Beckham, do Real Madrid, e Owen Hargreaves, do Bayern de Munique, eram as exceções. Nunca houve mais do que um ou dois estrangeiros.
Dessa vez, apenas Bellingham. Era da base do Birmingham e foi um jogador importante na Championship mesmo com 16 anos. Talvez inspirado pelo brilho de Jadon Sancho no Borussia Dortmund, decidiu continuar seu desenvolvimento na Bundesliga. Parece ter sido uma decisão acertada porque continuou tendo tempo de jogo e hoje em dia é um dos melhores meias jovens do mundo. Nem a proximidade histórica com a liga italiana ajudou Abraham e Tomori. O primeiro jogador a disputar uma Copa do Mundo pela Inglaterra por um clube não-inglês foi Gerry Hitchens, em 1962, quando defendia a Internazionale. Ray Wilkins e Mark Hateley o fizeram em 1986 representando o Milan.
Entre os locais, naturalmente há uma prevalência dos integrantes do Big Six: cinco do Manchester City, três de Manchester United, Chelsea e Arsenal, dois de Liverpool e Tottenham. Um total de 18 dos clubes mais poderosos da Premier League, superando as últimas duas convocações para a Copa do Mundo, período em que faz sentido falar nessa configuração hierárquica. Foram 17 em 2018 e 15 em 2014, sem a presença de um atleta do Tottenham, que ainda estava tentando fortalecer sua candidatura ao primeiro patamar da liga inglesa.
Fora desse grupo, o destaque é para o Newcastle, que investiu parte do dinheiro da Arábia Saudita para contratar jogadores bem estabelecidos, como Kieran Trippier e Nick Pope – Callum Wilson é outro convocado, mas anterior ao investimento saudita. Os Magpies têm mais atletas ingleses no Mundial do que Liverpool e Tottenham. O Everton enviou dois rapazes. West Ham e Leicester, um cada.
Um herói em Copas
Hoje ele é um famoso apresentador da televisão britânica e um tuiteiro de relativo sucesso. Nos anos oitenta, Gary Lineker foi um dos melhores atacantes da Copa do Mundo. Em 1986, a Mão de Deus e o golaço de Maradona estragaram a sua consagração. Havia feito três gols no último jogo da fase de grupos – a primeira vitória da Inglaterra – contra a Polônia e dois nas oitavas de final diante do Paraguai. Foi dele o único (e inconsequente) gol da derrota por 2 a 1 para a Argentina. Quatro anos depois, não brilhou tanto assim, mas converteu dois pênaltis nervosos contra Camarões e marcou em Irlanda e Alemanha Ocidental. Acertou sua cobrança na semifinal, mas foi insuficiente para chegar à decisão, e não à toa cunhou a sua famosa frase sobre os alemães – “O futebol é um esporte muito simples, no qual 22 homens correm atrás da bola e a Alemanha sempre vence no final”. E, pensando bem, sempre teve talento para tuiteiro.
Calendário
Inglaterra x Irã, 21/11 – 11h
Inglaterra x EUA, 25/11 – 16h
Gales x Inglaterra, 29/11 – 16h
Todos os convocados
Número | Posição | Jogador | Data de nascimento | Clube | Jogos | Gols | Local de Nascimento |
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1 | GOL | Jordan Pickford | 7 de março 1994 (28 anos) | Everton | 45 | 0 | Washington, Inglaterra |
13 | GOL | Nick Pope | 19 de abril 1992 (30 anos) | Newcastle United | 10 | 0 | Soham, Inglaterra |
23 | GOL | Aaron Ramsdale | 14 de maio 1998 (24 anos) | Arsenal | 3 | 0 | Stoke-on-Trent, Inglaterra |
2 | DEF | Kyle Walker | 28 de maio 1990 (32 anos) | Manchester City | 70 | 0 | Sheffield, Inglaterra |
5 | DEF | John Stones | 28 de maio 1994 (28 anos) | Manchester City | 59 | 3 | Barnsley, Inglaterra |
6 | DEF | Harry Maguire | 5 de março 1993 (29 anos) | Manchester United | 48 | 7 | Sheffield, Inglaterra |
15 | DEF | Eric Dier | 15 de janeiro 1994 (28 anos) | Tottenham Hotspur | 47 | 3 | Cheltenham, Inglaterra |
12 | DEF | Kieran Trippier | 19 de setembro 1990 (32 anos) | Newcastle United | 37 | 1 | Bury, Inglaterra |
3 | DEF | Luke Shaw | 12 de julho 1995 (27 anos) | Manchester United | 23 | 3 | Londres, Inglaterra |
18 | DEF | Trent Alexander-Arnold | 7 de outubro 1998 (24 anos) | Liverpool | 17 | 1 | Liverpool, Inglaterra |
16 | DEF | Conor Coady | 25 de fevereiro 1993 (29 anos) | Everton | 10 | 1 | St. Helens, Inglaterra |
21 | DEF | Ben White | 8 de outubro 1997 (25 anos) | Arsenal | 4 | 0 | Poole, Inglaterra |
8 | MEI | Jordan Henderson | 17 de junho 1990 (32 anos) | Liverpool | 70 | 2 | Sunderland, Inglaterra |
4 | MEI | Declan Rice | 14 de janeiro 1999 (23 anos) | West Ham United | 34 | 2 | Londres, Inglaterra |
19 | MEI | Mason Mount | 10 de janeiro 1999 (23 anos) | Chelsea | 32 | 5 | Portsmouth, Inglaterra |
14 | MEI | Kalvin Phillips | 2 de dezembro 1995 (26 anos) | Manchester City | 23 | 0 | Leeds, Inglaterra |
22 | MEI | Jude Bellingham | 29 de junho 2003 (19 anos) | Borussia Dortmund | 17 | 0 | Stourbridge, Inglaterra |
26 | MEI | Conor Gallagher | 6 de fevereiro 2000 (22 anos) | Chelsea | 4 | 0 | Epsom, Inglaterra |
7 | MEI | Jack Grealish | 10 de setembro 1995 (27 anos) | Manchester City | 24 | 1 | Birmingham, Inglaterra |
25 | MEI | James Maddison | 23 de novembro 1996 (25 anos) | Leicester City | 1 | 0 | Coventry, Inglaterra |
10 | ATA | Raheem Sterling | 8 de dezembro 1994 (27 anos) | Chelsea | 79 | 19 | Kingston, Jamaica |
9 | ATA | Harry Kane | 28 de julho 1993 (29 anos) | Tottenham Hotspur | 75 | 51 | Londres, Inglaterra |
11 | ATA | Marcus Rashford | 31 de outubro 1997 (25 anos) | Manchester United | 46 | 12 | Manchester, Inglaterra |
17 | ATA | Bukayo Saka | 5 de setembro 2001 (21 anos) | Arsenal | 20 | 4 | Ealing, Inglaterra |
20 | ATA | Phil Foden | 28 de maio 2000 (22 anos) | Manchester City | 18 | 2 | Stockport, Inglaterra |
24 | ATA | Callum Wilson | 27 de fevereiro 1992 (30 anos) | Newcastle United | 4 | 1 | Coventry, Inglaterra |