Brasil

Vini Jr dá a entrevista mais importante da história da Seleção

Jogador do Real Madrid da Seleção desabafou, cansou e falou até que tem sido difícil ter vontade de jogar graças ao racismo que sofre

Vinicius Júnior só queria jogar futebol, mas foi obrigado a dar a entrevista mais importante da história da seleção brasileira nesta segunda-feira (25) diante de um auditório lotado de jornalistas no CT do Real Madrid. O atacante desabou em lágrimas, sendo ovacionado por todos os presentes ao falar de coração aberto sobre as inúmeras ofensas racistas que ouve a cada partida — até nas que não entra em campo — na Espanha.

Nas dependências do maior clube do mundo, a sua casa, o brasileiro deu uma aula sobre o que é sofrer com o racismo que deveria ser registrada nos autos da história do futebol mundial. Se emocionou e emocionou a muitos jornalistas que acompanharam a entrevista com lágrimas nos olhos. As frases fortes, tão impactantes e eternas, não deixam dúvidas. Logo na primeira resposta, o atacante afirmou que sente que luta “sozinho” contra o racismo na Espanha. Que suas muitas denúncias nunca surtem resultados — os racistas nunca são punidos.

— Acredito ser algo muito triste tudo o que venho passando aqui a cada jogo, a cada dia, a cada denúncia minha vem aumentando. É muito triste isso. Não só eu, mas todos os negros sofrem no dia a dia. O racismo verbal é minoria perto de tudo o que os negros sofrem no mundo. Meu pai sempre teve dificuldade de trabalhar por ser negro. Uma escolha entre ele e um branco, sempre vão escolher um branco. Eu tenho lutado bastante por tudo o que vem acontecendo comigo. É desgastante, porque você está meio sozinho em tudo. Eu já fiz tantas denúncias, e ninguém é punido. Nenhum clube é punido. Eu luto por todas as pessoas que estão por vir, porque se fosse só por mim e minha família, eu teria desistido. Eu fui escolhido para lutar por uma causa tão importante, eu venho estudando para que no futuro, meu irmão de cinco anos não passe por isso.

Veja as principais respostas de Vini Jr na já histórica coletiva

  • Possibilidade de sair do Real Madrid:

— Nunca pensei tanto de sair daqui. Se saio aqui, estou dando a todos os racistas o que eles querem. Eu vou seguir lutando, jogando no maior clube do mundo e fazendo gols. E que as pessoas tenham que ver cada vez mais a minha cara. Eu jogo para fazer a alegria da minha gente e das pessoas que vão ao estádio. Os racistas são minoria. Como eu sou um jogador atrevido, que joga no Real Madrid, que ganha muitos títulos, é muito complicado. Vou seguir firme e forte, porque o presidente me apoia, o clube me apoia para que eu possa seguir aqui para ganhar muitas coisas — afirmou ele.

  • Espanha é um país racista?

— Estou certo de que a Espanha não é um país racista, mas há muitos racistas aqui. Talvez as pessoas aqui não sabem o que é racismo. Eu tenho que ensinar a muitos espanhóis o que é racismo. Todas as palavras que dizem sobre a cor da minha pele podem afetar meu desempenho — ponderou o atacante do Real Madrid

  • Agradecimento aos jogadores da Espanha que têm falado sobre racismo

— Eu quero agradecer desde já a todos os jogadores da Espanha que estão dando entrevista e me apoiando. Estão fazendo de tudo para que a Espanha e não só a Espanha mude seu pensamento. Os jogadores da Espanha têm me ajudado muito, mandando mensagens e falando coisas nas entrevistas que antes só eu falava. Eu peço que Fifa, Conmebol e Uefa possam fazer mais coisas, como o que a CBF está fazendo. O que eu passo não é nem perto do que eu faço. EU só quero lutar por todos os que são pretos, pobres, que não podem entrar no mercado. Já se passou muitas vezes comigo, com minha família. Eu só quero que isso mude para que eu não tenha que falar sobre isso na entrevista — declarou.

  • Falta de punições é o maior problema em casos de racismo

— Se a gente começar a punir todas as pessoas que cometem crime e aqui não consideram crime, vamos começar a evoluir. Tudo vai ficar melhor para todo. Eu faço tantas denúncias, tantas vezes seguem cartas para eu assinar e fazer mais denúncias. Acontece o que aconteceu com meu amigo em Barcelona: eles arquivam os processos, e ninguém sabe de nada. Se a gente puder punir, não que eles vão mudar o pensamento, mas vão ficar com medo de falar. E aí, sim, a gente vai diminuir isso e colocar medo nessas pessoas. E que eles possam educar os filhos. Tem muita criança me xingando, e eu não culpo a criança. Eles ainda não entendem ainda — explicou Vini.

  • Sobre ser cada vez mais perseguido por racistas

— A cada denúncia, eles cada vez mais me ofendem. As pessoas pensam que eu estou contra a Espanha. EU não estou contra a Espanha. Estou contra os racistas. Depois de um ano, tive muitas reuniões, muitas conversas com pessoas que querem fazer realmente as pessoas evoluírem. Mas com outras que não querem que nada vá para frente. Eu tenho que tentar assimilar tudo isso, porque grandes federações, pessoas importantes no mundo podem fazer isso comigo. Eu sempre peço ajuda à Fifa, à Uefa, à CONMEBOL, à CBF, as quais são grupos grandes que podem realmente combater isso. A liga está tentando melhorar, mas as coisas não deixam fazer tanta coisa. Eu não posso fazer da Liga, que eles tiveram reuniões comigo, mas como aqui o racismo não é crime, é complicado para eles. Eu sempre agradeço os jogadores que falam sobre. Isso me dá mais força para aqueles que realmente sofrem no dia a dia — contou o jogador da Seleção

  • A emoção de jogar com a Seleção no Santiago Bernabéu

— Vai ser um sonho realizado poder jogar na minha casa, a qual é aqui na Espanha, no Bernabéu. Pela primeira vez, a torcida contra. Mas vai ser um duelo muito importante para as duas equipes. São duas das maiores seleções do mundo. Faz tempo que não se enfrentam. Gostamos de jogar contra as melhores, como fizemos contra a Inglaterra. Fizemos um excelente jogo contra alguns companheiros meus. Estou ansioso para esse duelo. Que o Brasil possa sair vencedor — afirmou Vini.

Foto de Eduardo Deconto

Eduardo DecontoSetorista

Jornalista pela PUCRS, é setorista de Seleção e do São Paulo na Trivela desde 2023. Antes disso, trabalhou por uma década no Grupo RBS. Foi repórter do ge.globo por seis anos e do Esporte da RBS TV, por dois. Não acredite no hype.
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