Tim Vickery: Nunca foi fácil achar bons centroavantes, mas parece que ficou mais difícil
O centroavante agoniza -- mas nunca morre. A função é importante demais

Fui para o Engenhão na terça e fiquei feliz com a resistência digna de Carabobo. E na quarta fui para o Maracanã para assistir à vitória do Central Córdoba em cima do Flamengo. É bom estar presente quando acontece alguma coisa histórica — e, também, ninguém ganha com uma Libertadores que não passa de uma sequência de massacres dos times brasileiros. Ter dificuldades assim é saudável para a competição.
Voltei dos dois jogos pensando em centroavantes. A torcida do Botafogo teve quase 90 minutos para lamentar a ausência de Igor Jesus, um atacante da área que faz muitas outras coisas também, com a mobilidade de abrir espaços e a técnica de combinar com os meios. Jogar sem ele foi bem difícil para os seus companheiros.

E no dia seguinte, a torcida do Flamengo testemunhou mais um exemplo da dificuldade de jogar sem Pedro, que finalmente reapareceu, obviamente longe das condições físicas ideais, para os últimos 20 minutos.
O Rubro-Negro aparece um time inteiro de pontas — com nenhum deles acertando um cruzamento. Ficou mais difícil porque faltou um alvo, uma referência. No metrô depois do jogo, muita gente criticando De Arrascaeta, reclamando que não deu sequência para as jogadas. De novo, mais difícil sem um centroavante para tabelar.
Depois que entrou, Pedro raramente apareceu. Mas teve um momento para fazer os flamenguistas acreditarem em tempos melhores na frente; cruzamento do lado esquerdo, e, de costas para o gol, Pedro ajeitou para um chute de Luiz Araújo. Desta vez o goleiro defendeu — mas esse tipo de jogada, coletiva, perto do gol de adversário, com certeza vai render frutos no futuro.
Mas a grande questão, levando em consideração os dois jogos, é o seguinte: porque é tão difícil encontrar centroavantes? Pontas? Desconfio que quem montou o elenco do Flamengo tem o sonho de um time de onze pontas. Tem abundância. Mas as noves são flores raras — brutais, mas raras.
Me lembro de uma conversa muitos anos atrás com o grande Vavá, centroavante da seleção brasileira nas Copas de 1958 e 62. Começou como meia armador — e foi para os Jogos Olímpicos de 1952 atuando nesta posição.
Mas no Vasco o técnico Flávio Costa o obrigou a ir para a frente. Não quis. Resistiu. Mas acabou se adaptando com uma felicidade tão grande que a mudança o tornou uma lenda, o raçudo Vavá, leão do norte, peito de aço.
Ele foi enfático. Todo mundo quer jogar no meio do campo, ele falou. Ninguém quer jogar como centroavante porque não tem espaço, você está operando sempre dentro de um funil, numa luta física — e também mental — com os zagueiros rivais.
Ele enxergou a arte dele em termos de um boxeador — não em relação à violência, mas porque estava frisando a necessidade de precisão e velocidade, de antever a oportunidade e finalizar de primeira.
O grande Vavá, então, estava dizendo que nunca foi fácil achar bons centroavantes. Mas parece que ficou mais difícil nos últimos tempos — especialmente em comparação com os atacantes no lado do campo, posição que virou especialidade do futebol brasileiro.
Acho que tem a ver com a maneira que se joga no Brasil. Estamos vendo mudanças, mas durante muito tempo as linhas da defesa operaram muito perto do próprio gol. Aí facilitou a vida do ponta — muito espaço para pegar na bola, acelerar, definir a jogada. E o coitado de centroavante muito isolado lá na frente.
A virada de 4-4-2 para 4-2-3-1 e afins não tem sido fácil para quem joga no ataque — e com tantos pontas invertidos hoje em dia, às vezes até faltam bons cruzamentos para o sofredor que veste a nove.
O centroavante agoniza — mas nunca morre. A função é importante demais. Poucos times têm a capacidade de atuar com um ‘falso 9.’ A maioria precisa de uma referência com a força de Sansão, a técnica de Michelangelo e a astúcia de Maquiavel. Nenhuma surpresa, então, não é fácil achar.