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Ricardo Teixeira assumia a CBF há 25 anos e muita gente achava que isso era uma boa notícia

O futebol brasileiro estava entrnado em uma nova era. Saía a direção antiquada e decadente que levou a CBF ao buraco e chegava Ricardo Teixeira. Foi há exatos 25 anos e, para a maioria que acompanhava o dia a dia da confederação na época, a expectativa para a gestão do genro de João Havelange era exatamente essa: de que haveria evolução. Se hoje existe a chance de olhar para trás e ter uma perspectiva histórica sobre o que o ex-presidente fez de ruim, em janeiro de 1989 a situação era bastante diferente. Havia quem realmente visse aquele momento como promissor.

Já na época, o grande rótulo de Ricardo Teixeira era ser genro de Havelange. A falta de conhecimento sobre o resto de sua trajetória ou de sua personalidade permitia interpretações das mais diversas. Mais do que alguém sem experiência no meio do futebol, ele era credenciado por uma carreira supostamente bem sucedida como administrador. Por não ser tão inserido no meio, Teixeira era visto como alguém para tirar força das relações políticas e fazer a CBF funcionar como uma empresa. A segunda ideia ele conseguiu cumprir ao capitalizar a entidade, o que não significa que tenha sido o melhor para o futebol brasileiro como um todo.

O concorrente de Ricardo Teixeira no pleito era Nabi Abi Chedid. O paulista era vice do então presidente Otávio Pinto Guimarães, portanto, candidato da situação. E apenas o fato de que o genro de Havelange não representava o poder estabelecido na CBF já lhe era uma ajuda enorme. Uma gestão acusada de abusar dos favores políticos e de tirar proveito do dinheiro da CBF para uso pessoal. E que, principalmente, negligenciou cuidados ao Brasileirão, no processo que resultou na criação do Clube dos 13 e do qual a própria CBF se apossou tempos depois.

Para se eleger todo-poderoso do futebol brasileiro, porém, nunca bastou ter apenas uma boa imagem. Isso, aliás, é o de menos para quem participa da votação da entidade. Desde aquela época, era preciso ter laços firmes com as federações e distribuir benefícios aos Estados. Algo que Ricardo Teixeira passou a cultivar pelo menos três anos antes de vencer o pleito, quando passou a viajar o país e fazer seus contatos – a bordo principalmente de um jatinho cedido pelo então presidente da Federação Goiana, Luiz Miguel Estevão de Oliveira (irmão do ex-senador Luiz Estevão, cujo nome completo é Luiz Estevão de Oliveira Neto).

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Em outubro de 1987, tentando fazer sua candidatura decolar, Teixeira concedeu sua primeira entrevista à Revista Placar, assinada por Geraldo Mainenti. Perguntado sobre os interesses em largar a vida de empresário e assumir uma posição tão conturbada, respondeu: “É um envolvimento. Veja só: que interesse teria o empresário Antônio Ermírio de Moraes em ser o governador de São Paulo? Muito simples – os amigos vão cercando, conversando, convencendo. ‘Será que a gente não pode fazer alguma coisa por São Paulo?’, pergunta um. Chega outra pessoa de suas relações e o entusiasma de alguma maneira diferente. E por aí a gente vai se envolvendo, cedendo…”.

Além disso, o candidato não fazia questão de esconder o lobby que o faria chegar à presidência: “Quem eu represento? As federações foram as primeiras a incentivar minha candidatura. Não é segredo para ninguém que trabalhei arduamente por Medrado Dias, na última eleição da CBF. Naquela ocasião, fiz muitas amizades entre os dirigentes de Federações. Alguns têm ligações antigas de apreço com meu sogro e comigo”.

O procedimento de Teixeira para manter a amizade com as federações era simples: ele ajudava a bancar os custos de seus futuros eleitores no pleito da CBF com dinheiro de sua própria empresa. Na própria entrevista à Placar, o candidato afirmou que já tinha ajudado sete federações – “ou melhor, os clubes dessas federações”, ponderou. E que, para ele, não havia nenhuma irregularidade na atitude, já que não estava comprando votos, mas apenas auxiliando as entidades que o apoiavam antes.

No entanto, a entrevista também deixava transparecer alguns pontos positivos que endossavam aqueles que tinham esperanças em relação a Teixeira. Por exemplo, o cartola se colocou contra a terceira reeleição como presidente da CBF. Também indicou implementar um projeto de marketing à seleção, como Havelange havia feito com a Fifa. E também prometia uma melhor organização do Campeonato Brasileiro, o maior entrave interno à época.

As alianças políticas crescentes fizeram com que a vitória de Teixeira se consumasse em janeiro de 1989. E o mais interessante é que alguns traços que marcariam sua longa passagem pela presidência na CBF seriam evidenciados logo naqueles primeiros dias de poder. Indagado pela reportagem da Placar sobre o favorecimento financeiro às federações, o dirigente responde de maneira truculenta, em uma prévia sobre como seria sua relação com a imprensa nos anos posteriores.

“Ninguém o acusou de corrupto – pode até ser que em seu coração repousem as mais singelas intenções com relação ao esporte preferido do país. Merece o voto de confiança de todos os torcedores brasileiros. Mas é fato indiscutível que sua caminhada até a Rua da Alfândega, 70 – onde está instalado o edifício da CBF –, passou por um derrame de favores materializados em artigos esportivos e consideráveis quantidades de dinheiro”, declara a matéria especial sobre a eleição, que ainda diz que Teixeira “arranhou sua imagem de forma definitiva” ao nomear Eurico Miranda como diretor de futebol da CBF.

E a reportagem, sobretudo, destacava essa novo momento que se propunha com Teixeira: “Diante do desastre que foram as administrações de Otávio e Nabi, Teixeira se transformou no mais novo salvador da pátria. Alçado pelo carisma de seu sogro, João Havelange, Ricardo Teixeira soube costurar, com a eficiência típica dos brasileiros para esses casos, suas propostas de salvação nacional com o assistencialismo caça-votos”.

Em seu discurso de posse, Teixeira ainda bradou: “Somos depositários de sonhos e esperanças. Não vamos decepcionar”. Sonhos e esperanças esses que se dissiparam, decepcionando rapidamente aquela parcela que confiava na mudança. Em campo, o time voltou a levantar uma taça depois de 19 anos, com a Copa América de 1989, enquanto a situação também era favorável, com novos contratos de patrocínio. O problema é que os desmandos políticos não demoraram a aparecer.

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Em poucos meses, Ricardo Teixeira começou a se aproveitar das artimanhas políticas para se reeleger, esquecendo-se daquele velho discurso que pararia no segundo mandato. Depois, o cartola permitiu a primeira virada de mesa de sua gestão. Em 1993, começava a receber as primeiras denúncias de corrupção: teria recebido dinheiro de empreiteiros para que a seleção fizesse parte de sua preparação à Copa de 1990 na cidade de Gubbio, na Itália, e teria faturado por fora no acordo de patrocínio com a Pepsi. Depois, vieram ainda o ‘Voo da muamba’, a ‘CPI da Nike’, a ‘CPI do Futebol’ e tantos outros processos contra Teixeira.

Em 2012, 23 anos depois de sua chegada à presidência, Teixeira concluiu a derrocada que acabou com sua renúncia – em um processo complexo que inclui a ameaça de CPI, o racha com o governo, a disputa de poder na Fifa, as acusações de corrupção ligadas à ISL e à Ailanto, o contrato suspeito com a TAM, as investigações da Polícia Federal sobre lavagem de dinheiro. Com o cartola no poder, o Brasil conquistou duas Copas do Mundo e a CBF passou a ter lucros exorbitantes, é verdade. Mas a que custo? Certamente, uma nova era bem pior do que previam em janeiro de 1989.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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