Brasil

Os 80 anos de Reyes, ídolo de raça e técnica que virou saudade na zaga do Flamengo

O paraguaio foi o símbolo maior de raça e categoria na zaga do Flamengo em um período difícil da história do clube

Símbolo maior de raça e categoria na zaga do Flamengo em período difícil da história do clube, o paraguaio Francisco Reyes marcou época a ponto de ser incluído em quase todas as seleções de todos os tempos do Fla. Nascido há exatos 80 anos, o carismático guarani que trocou o meio-campo pela defesa durante seu período na Gávea teve destaque no futebol brasileiro na virada da década de 1960 para a de 1970. Sua morte precoce deixou saudade enorme em quem o viu jogar, mas o tornou eterno nos corações rubro-negros.

Os tempos eram duros para o torcedor do Flamengo naqueles fins de anos 1960 e começo dos 1970. O clube amargava um incômodo jejum de títulos cariocas e frequentemente cumpria campanhas medíocres recorrendo a elencos geralmente fracos. Havia, porém, alguns poucos motivos de orgulho para a massa admirar em campo. Um deles, provavelmente o maior, era o futebol de técnica exuberante e valentia incansável de Reyes. Mas até se consagrar, o paraguaio nascido em Assunção custou a engrenar.

Ainda garoto, Francisco Santiago “Kiko” Reyes Villalba começou a jogar como meia-armador no Presidente Hayes, clube modesto, mas de certa tradição no país e situado no bairro de Tacumbú. De lá seguiu para o poderoso Olimpia, pelo qual levantou os títulos paraguaios de 1962 (logo ao chegar) e de 1965, conquistas entremeadas por uma passagem discreta pelo River Plate, por empréstimo. Chegou também à seleção guarani, pela qual atuou sete vezes, incluindo jogos das Eliminatórias das Copas de 1962 e 1966.

Reyes no Olímpia com seu irmão Mario Reyes no Presidente Hayes

Em 1966, cruzou o Atlântico, negociado com o Atlético de Madrid. Mas na Espanha não teve chance: em tempo de portos fechados a estrangeiros no futebol do país, os colchoneros tentaram inscrevê-lo como “oriundo”, mas a federação vetou ao descobrir que ele já havia atuado pela seleção paraguaia. Até aparecer em seu caminho o Flamengo, que já mantinha fortes laços com o futebol guarani em nomes que marcaram época: o técnico Fleitas Solich, o médio Modesto Bria, o goleiro Sinforiano García e o atacante Jorge Benítez.

O começo difícil na Gávea

Naquela metade de 1967, o Flamengo excursionava pela Europa e ensaiava uma reformulação após fazer campanha fraca no Torneio Roberto Gomes Pedrosa: o técnico argentino Armando Renganeschi, campeão carioca dois anos antes, já manifestara desejo de deixar o comando do time, e os dirigentes pretendiam trazer Oto Glória, então no Atlético de Madrid, para seu lugar, além de repatriar o atacante Silva, ídolo na conquista daquele título estadual e que não vinha tendo muita chance de jogar no Barcelona.

Nem Oto e nem Silva vieram para a Gávea, no entanto. Mas os cartolas rubro-negros não ficaram de mãos abanando: conseguiram o empréstimo de Reyes junto ao Atleti para os compromissos finais da excursão. Com ele, o Flamengo disputou o Troféu Ibérico, na cidade espanhola de Badajoz, perdendo para o Sporting Lisboa (1 a 2) e vencendo o Barcelona (1 a 0). Mesmo sem ritmo de jogo, o gringo agradou e foi contratado em definitivo pelo alto valor de 100 mil cruzeiros novos, moeda da época.

Reyes chegou ao clube em agosto, mas demorou mais de um mês para estrear por problemas de documentação e uma gripe insistente que pegou logo ao chegar. Enquanto isso, aparecia muito bem nos treinos, como dizia nota do Jornal do Brasil do dia 10 daquele mês: “O jogador paraguaio tem demonstrado excelentes qualidades nos coletivos e, sobretudo, noção para os lançamentos em profundidade. Reyes bate na bola com muita facilidade e tem boa colocação dentro do campo. Embora ainda não esteja em forma, já demonstrou que tem qualidades para resolver o problema de meio-campo do Flamengo”.

Infelizmente, os problemas do time rubro-negro não se resumiam ao meio-campo. A temporada de 1967 foi uma das piores da história do Flamengo desde a adoção do profissionalismo, em 1933. Basta dizer que pela primeira vez desde aquele ano o time encerrou com mais derrotas (31) que vitórias (22), somando amistosos e jogos de competição. Nem mesmo a chegada em outubro do experiente Aymoré Moreira, técnico da Seleção no título mundial no Chile em 1962, ajudou a melhorar a campanha do time no Carioca.

Reyes assinando com o Flamengo em 1967

Enquanto isso, Reyes sofria em sua adaptação com uma série de problemas físicos, a saudade da esposa e do filho recém-nascido, além do preocupante estado de saúde de seu pai, recém-infartado. Houve, porém, uma grande exibição do paraguaio no primeiro Fla-Flu do campeonato, vencido pelos rubro-negros por 3 a 1: Reyes marcou, deu passes, lançou em profundidade, fez o segundo gol do time pouco depois do empate tricolor e, sobretudo, demonstrou toda a elegância e o dinamismo em campo que a ele atribuíam.

O ano seguinte não começou melhor para o jogador. Logo no início, brigou com Aymoré num treino, por um motivo que mais tarde se relevaria irônico: não queria atuar como zagueiro. Em protesto, Reyes chegou a jogar a camisa de treino no chão com raiva e acabou fora do time titular até a saída do comandante, em março. Ex-médio do clube nos anos 40, Válter Miraglia assumiu o time e utilizou o paraguaio um pouco mais. Mesmo assim, durante todo o ano de 1968, foram só 24 atuações, e apenas dez jogos como titular.

O curioso é que também naquele ano ele acabaria atuando pela primeira vez na posição que o consagraria, numa vitória por 2 a 0 sobre o Guará, de Brasília, no Distrito Federal em 18 de junho. Formou uma zaga estrangeira ao lado do uruguaio Jorge Manicera, ex-Nacional de Montevidéu. Mas, sem ser tão aproveitado, Reyes esteve perto de seguir para Moça Bonita: em setembro, o Fla chegou a propor ao Bangu a troca simples do paraguaio pelo atacante alvirrubro Mário “Tilico”, mas as negociações não avançaram.

Em 1969, suas chances de atuar ficaram ainda mais reduzidas, já que o clube contratou mais dois estrangeiros – o veterano goleiro Rogelio Domínguez (ex-Racing e Real Madrid) e o atacante Narciso Horácio Doval (ex-San Lorenzo), ambos argentinos – ficando com quatro no elenco e podendo utilizar apenas dois por vez, conforme a legislação da época. Com isso, Reyes, o quarto da fila, entrou em campo apenas sete vezes durante toda a temporada, seis delas em amistosos. Como titular, fez apenas dois jogos.

Vivendo o ostracismo na Gávea, treinava entre os reservas na posição que sobrasse (ora lateral, ora ponta). Quase saiu para o futebol mexicano. Quase foi trocado com o Vasco. Mas acabou mesmo emprestado ao Campo Grande no fim de setembro, numa leva com outros rubro-negros encostados. No clube da Zona Oeste, dirigido por Gradim, atuou ao lado de veteranos como Jair Marinho e conquistou o Torneio Otávio Pinto Guimarães, disputado entre equipes menores da Guanabara e as do antigo estado do Rio de Janeiro, pré-fusão.

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A volta por cima

Terminado o empréstimo, ele retornou ao Flamengo, mas era peça quase descartada no elenco para 1970. Caso não houvesse interessados em sua contratação seria devolvido ao Atlético de Madrid, sem honra nem glória, como mais um estrangeiro que fracassara no clube e no futebol brasileiro – ainda que, como tantos outros, subaproveitado. Sua cotação na Gávea estava tão baixa que ele acabou incluído num time misto formado por juvenis e reservas que excursionaria pelo Japão e Coreia do Sul, comandado pelo preparador físico José Roberto Francalacci.

Reyes organiza a defesa do Flamengo em 1970

Foi sua salvação. Ainda que os resultados obtidos pelo time misto não fossem bons, a atuação de Reyes improvisado como quarto-zagueiro recebeu muitos elogios no relatório preparado por Francalacci e pelo chefe da delegação, o ex-presidente rubro-negro Hilton Santos. O documento chegou às mãos do técnico do time principal, Yustrich. Bem recomendado, Reyes então acabou escalado na posição contra o Olaria, pela Taça Guanabara, no lugar do baiano Tinho, ex-Vitória, que se recuperava de lesão.

De início, fez boas atuações, apesar do lance que se tornou folclórico no jogo contra o Bangu, em que o atacante alvirrubro Dé, o “Aranha”, atirou uma pedra de gelo na bola para toma-la do controle do paraguaio e marcar o gol. Mas com a recuperação do antigo titular ficou alguns jogos de fora. Até retornar, na fase final da Taça (conquistada pelo Flamengo), para não sair mais. Na partida que valeu o título – empate em 1 a 1 com o Fluminense no dia 31 de maio – lá estava ele em campo comandando a defesa.

No segundo semestre, manteria o alto nível mesmo no desempenho irregular do Flamengo no Campeonato Carioca. E no Torneio Roberto Gomes Pedrosa, no qual o time enfim faria grande campanha, seu talento apareceria para o país inteiro. Levando toda a categoria de jogador de meio-campo no passe e no trato com a bola para a zaga, e aliando-as às recém-descobertas qualidades talhadas para a nova função, Reyes teve atuações exuberantes com a camisa 6, número reservado na época para a posição.

Num Flamengo que teve uma das defesas menos vazadas da competição e que brigou palmo a palmo pela vaga na fase final (acabaria de fora por um ponto, dividindo o quinto lugar geral com o Internacional), o paraguaio apresentava perfeito senso de antecipação e cobertura. Saía jogando da defesa para o meio com classe e tranquilidade, sem nunca recorrer ao chutão. Iniciava ataques com lançamentos perfeitos. E ainda era bom no jogo aéreo. O meia-armador habilidoso virara de fato um zagueiro completo.

Reyes na vitória sobre o Santos pelo Robertão de 1970

O reconhecimento não tardou a chegar. Naquele ano, a recém-lançada revista Placar instituiu a Bola de Prata, premiando os melhores do Robertão em cada posição – exceto Pelé, hors concours. A cada partida, os jogadores recebiam notas da equipe da publicação. O dono da melhor média final em cada uma das 11 posições era premiado. Na quarta-zaga, Reyes tinha como concorrentes nomes como Luís Carlos (Corinthians), Vantuir (Atlético-MG), Leônidas (Botafogo), Roberto Dias (São Paulo), Djalma Dias (Santos), além de outros que viviam boa fase, como o palmeirense Nélson, o tricolor Assis e o gremista Beto.

Nenhum desses, porém, chegou sequer a ameaçar tirar a Bola do paraguaio: Reyes triunfou por larga margem com média 8,13, mais de um ponto superior ao segundo colocado (Luís Carlos, com 6,70). Para se ter uma ideia do nível de excelência de seu desempenho, basta dizer que só três jogadores, entre todos os avaliados de todas as posições, superaram a nota 8 na média: Tostão (8,06), Paulo César Caju (8,12) e Reyes, o maior de todos. Se a Bola de Ouro – criada apenas em 1973 – já existisse, a primeira teria ficado com o zagueiro rubro-negro.

Nas palavras da publicação: “Francisco Santiago Reyes Villalba, cara de índio, cabelos de índio, às vezes desconfiado como um índio, é o dono da área do Flamengo. Na hora do aperto êle sai com a bola dominada, começa a armar o time. Reyes é um zagueiro que não dá balão, que soma a classe de Leônidas, a valentia de Assis e o amor à camisa de Luís Carlos. Tem mais ainda, porque Reyes é um ex-volante, que sabe como atacar sempre que tem espaço à sua frente”, escreveu Placar em seu perfil dos premiados.

E não era apenas a revista que tinha Reyes em alta conta: o jornal carioca Correio da Manhã incluiu o zagueiro entre seus destaques do torneio. Também uma votação feita entre jornalistas esportivos gaúchos apontou o paraguaio como o melhor da posição na competição. Naquele começo dos anos 1970, em meio a toda a euforia pós-tricampeonato mundial do Brasil, Reyes era sem favor algum o melhor beque pelo lado esquerdo em atividade no país.

Reyes na Bola de Prata de 1970

Até Armando Nogueira rendeu-se em elogios sempre que se referia ao jogador. Em 14 de junho de 1971, quando a Seleção voltou a ser convocada após o título mundial no México, o colunista do Jornal do Brasil lamentava em sua coluna a suposta escassez de merecedores de convocação para a quarta-zaga e, após apontar o corintiano Luís Carlos como talvez o mais indicado, fazia a seguinte ressalva: “Além dêle, jogando futebol em nível de scratch (seleção), naquela posição, só existe, no duro, o paraguaio Reyes, do Flamengo”.

Dentro do Flamengo o jogador já tinha seu talento plenamente reconhecido até pela velha guarda rubro-negra. Em 15 de novembro de 1971, no aniversário do clube, o Jornal do Brasil publicou uma escalação histórica ideal, “O Super Flamengo”, baseada na opinião de antigos técnicos, dirigentes e jogadores do Fla. Em meio a nomes lendários como Domingos da Guia, Leônidas da Silva e Zizinho, Reyes era o único a ter vestido a camisa rubro-negra da década de 1950 em diante presente nesse “time de todos os tempos”.

Naquele ano, como era habitual no período, o time vivia outra fase de vacas magras. Todo o bom momento do ano anterior sob o comando rigoroso de Yustrich se esvaiu nas brigas do intratável treinador com astros do time, como Doval (emprestado ao Huracán por sua ordem) e o próprio Reyes, com quem na temporada passada tinha vivido relação de cumplicidade. Sabe-se lá como, Yustrich resistiu no cargo até o fim de maio de 1971. Mas o Fla era terra arrasada, com elenco esfacelado, física e mentalmente destroçado.

Exceto Reyes, o corpo e a alma do Flamengo. Com sua raça inesgotável e seu talento induscutível, jogava pela defesa, pelo meio-campo, pelo time. Num dia, corria para salvar gols em cima da linha e evitar derrotas após o adversário ter driblado goleiro e tudo, como fez nos 0 a 0 contra o Olaria e o Fluminense no Carioca. No outro, desarmava o atacante rival em sua área, atravessava o meio-campo, driblava e lançava para um companheiro marcar um sofrido gol da vitória, como fez com Arílson diante do Ceará em Fortaleza pelo Brasileiro.

Além das qualidades dentro de campo, fora dele também se destacava: um dos líderes do elenco, era bom companheiro, articulado nas entrevistas, sempre sorridente e brincalhão com todos (era chamado de “o paraguaio pura simpatia”). Em meados do ano, o Botafogo chegou a ambicionar sua contratação. Mas nada o tiraria da Gávea naquele momento. Agora era ídolo.

Fim do jejum estadual e os últimos anos na Gávea

Em 1972, o Flamengo se aprumaria. Com Doval de volta da Argentina, Zanata retornando após fraturar a perna, os reforços do extraclasse Paulo Cézar Caju, do volante Zé Mário e do goleiro Renato, além da recuperação técnica de Arílson, Caio e Rodrigues Neto, o time agora treinado por Zagallo largou muito bem na temporada, vencendo de saída o Torneio de Verão, contra Vasco e Benfica (no qual Fio marcou o gol que o tornou o “Maravilha”) e o Torneio do Povo, superando Bahia, Corinthians, Atlético-MG e Internacional.

Para o paraguaio, no entanto, seria o primeiro ano marcado por problemas físicos frequentes, embora demonstrasse a velha categoria habitual, além de ostentar a braçadeira de capitão. Reyes esteve sempre magnífico nas partidas de ambas as competições. Na conturbada vitória sobre o Corinthians por 2 a 1 dentro do Pacaembu pelo Torneio do Povo, o Jornal do Brasil descreveu assim sua atuação: “Excelente. Dominou todas as jogadas de ataque pelo seu lado e apoiou com muita categoria”.

O Flamengo campeão do Torneio do Povo em 1972

Mas no fim de março, um pisão do botafoguense Roberto Miranda num lance casual provocou inflamação no tendão de Aquiles do pé direito, tirando Reyes de ação por cerca de três meses. De fora da conquista da Taça Guanabara (pela primeira vez disputada como turno do Estadual), o zagueiro só voltaria ao time na reta final do Carioca, ajudando o Rubro-Negro a superar o Vasco de Tostão, Silva e Roberto Dinamite e o Fluminense de Gerson no triangular decisivo e encerrar seu jejum no torneio que vinha desde 1965.

Na decisão do Carioca, porém, mais problemas: Reyes teve de deixar o gramado ainda durante a partida, sofrendo princípio de estiramento na coxa esquerda, que o deixaria de fora por pouco mais de um mês. A rotina de lesões e o calendário massacrante o permitiram disputar só oito das 28 partidas do Fla no Brasileiro. As dores no tendão do pé direito voltaram a incomodá-lo após o jogo contra o América Mineiro em 11 de novembro, e ele desfalcaria o time pelo resto do torneio e ainda por todo o Estadual do ano seguinte.

Ficou ao todo nove meses e cinco dias parado, período em que chegou a engessar o pé direito quatro vezes. Era triste ficar encostado, longe da bola: mesmo sem condições, aparecia com frequência para treinar e precisava ser dissuadido pela comissão técnica. Para piorar, a lesão levou ao aparecimento de outros problemas. Em agosto de 1973, chegou a ser relacionado para a partida contra o Bonsucesso, pelo terceiro turno do Carioca, sem importância para o Fla (já classificado para a fase final), mas crucial para o ânimo de Reyes.

Mas no dia do jogo, ele apareceu no clube com a mão direita muito inchada e foi vetado. Voltou só contra o Comercial-MT, na rodada de abertura do Brasileiro, no dia 26 daquele mês. O Fla venceu por 1 a 0 e Reyes teve grande atuação, compensando com técnica a falta de ritmo de jogo. Mais uma vez, porém, as lesões impediram participação maior do paraguaio na campanha: Reyes entrou em campo só em metade das 28 partidas do Fla naquele torneio, sem conseguir evitar a decepcionante eliminação precoce.

Na ausência do paraguaio, a defesa rubro-negra se tornava muito vulnerável. Mas Reyes manteve atuações dignas até sua última partida pelo Flamengo, uma vitória de 3 a 2 sobre o America em 15 de dezembro de 1973. Quatro dias depois, teria a honra de ser titular no time de estrangeiros que enfrentou a Seleção Brasileira no “Jogo da Gratidão”, que marcaria a despedida definitiva de Garrincha – com quem chegara a atuar no Flamengo entre 1968 e 1969. Novamente teve atuação segura, apesar da derrota do combinado por 2 a 1.

No começo do ano seguinte, em 14 de janeiro, o Flamengo concedia o passe livre ao jogador, que tinha proposta do Olimpia e pretendia voltar a seu país e encerrar a carreira por lá. Apesar de ter cogitado se naturalizar brasileiro no início da década, havia a expectativa de voltar à seleção paraguaia, o que não se concretizou. Antes de partir, ganhou um jogo de despedida. No dia 18, o Fla fez um amistoso contra os iugoslavos do Zeljeznicar no Maracanã, vencendo por 3 a 1 com dois gols de Zico e um de Arílson.

O paraguaio deu o pontapé inicial e uma volta olímpica pelo gramado, saudado pelos torcedores. Recebeu duas placas de prata e, chorando, afirmou: “Deixar o Brasil é uma coisa que sinto muito, mas saber que não vou mais usar esta camisa e ouvir os gritos desta torcida doerá muito mais ainda”. Ao contrário do que era praxe em jogos assim, quando a renda da partida fica para o homenageado, Reyes abriu mão do dinheiro, deixando-o para o clube “fazer o que quiser”.

Reyes em seu último time, o Olímpia de 1975

Em outubro de 1975, uma notícia causou comoção no meio esportivo carioca: Reyes tinha sido diagnosticado com leucemia, uma espécie de câncer no sangue, e teria apenas mais dois ou três meses de vida. Trazido pelos dirigentes rubro-negros para o Rio de Janeiro, ficou sob tratamento no Hospital dos Servidores do Estado. Quando melhorou, voltou para Assunção, mas lá teve nova recaída, da qual não se recuperou. Faleceu na capital paraguaia na madrugada de 31 de julho de 1976, aos recém-completados 35 anos.

No dia seguinte, no Fla-Flu válido pelo terceiro turno do Campeonato Carioca, foi respeitado um emocionante minuto de silêncio em sua memória. Os rubro-negros – que sofreriam ainda naquele ano as perdas do talento promissor Geraldo e do histórico chefe de torcida Jaime de Carvalho – despediram-se de quem nunca se esqueceriam. Em seu país, “Kiko” Reyes é lembrado até hoje não só pelo Olimpia, onde marcou época, como também pelo Presidente Hayes. Neste, com a honra de batizar uma das arquibancadas de seu estádio.

Em 1982, na eleição promovida pela Placar entre jornalistas, ex-jogadores e personalidades rubro-negras, Reyes formou com Domingos da Guia a dupla de zagueiros do maior Flamengo de todos os tempos, a exemplo da mesma enquete realizada pelo Jornal do Brasil 11 anos antes. Muitos que o viram jogar ainda o colocam entre os melhores. E sentem saudade de ver aquele indiozinho sorridente, mas lutador em campo, limpar a jogada na área rubro-negra e sair com a bola colada ao pé, levando o Mengo à frente.

Foto de Emmanuel do Valle

Emmanuel do Valle

Além de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas.
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