Brasil

Os 80 anos de Manga, o gigante de três esquadrões, o responsável pelo ‘Dia do Goleiro’

Em 26 de abril, comemora-se no Brasil o “Dia do Goleiro”. E a escolha da data não é nada aleatória. O costume se iniciou durante a década de 1970, para exaltar um dos maiores paredões que o futebol sul-americano já viu: Manga, idolatrado em tantos clubes por sua imensa história. Revelado pelo Sport, o pernambucano tem o prazer de ser considerado por muitos como o melhor arqueiro que já defendeu as metas de Botafogo e Internacional. Mesmo ao lado de tantos craques, foi uma das referências no esquadrão alvinegro dos anos 1960 e também no colorado dos anos 1970. Entre um clube e outro, ainda teve tempo de ajudar o Nacional de Montevidéu a conquistar sua primeira Libertadores. Um gigante, que não contou com a mesma sorte na Seleção, mas merece todas as homenagens no dia em que completa 80 anos. Em seu dia do goleiro.

Nascido em Recife, Manga teve uma infância humilde. Precisou superar uma varíola, doença que deixou marcas evidentes em seu rosto. Cresceu vendendo água e apanhando mangas, o que lhe rendeu o apelido. No entanto, não demorou para ganhar fama graças ao seu futebol. O garoto esguio era uma atração à parte nas peladas da Ilha do Leite. Chamava mais atenção que os atacantes, por sua coragem. Não tinha bola perdida para o goleiro, que se jogava em qualquer terreno, encarava qualquer pancada. Nesta época, pegou o hábito de agarrar sem luvas. Acostumou-se também com a dor dos dedos fraturados com constância. Como chaga de sua vocação, ficaria com os mindinhos completamente tortos.

Não demorou para que Manga atraísse os olheiros em Recife. Mais esperto foi o Sport, que em 1954 acertou a contratação do prodígio e logo começou a se destacar nos juvenis. Pois o acaso sempre costuma facilitar o caminho aos grandes arqueiros. E assim aconteceu com o pernambucano. Em 1957, durante uma excursão dos rubro-negros à Europa, o titular Osvaldo Baliza se lesionou. O jovem ganhou uma oportunidade, ao lado do reserva Carijó. Pegou muito e se firmou entre os profissionais. No ano seguinte, viveu o seu melhor momento na Ilha do Retiro, um dos protagonistas na conquista do Campeonato Pernambucano. A deixa para que chamasse a atenção mais ao sul do país, levado pelo poderoso Botafogo. Dava a volta por cima, após ter sido reprovado em testes no Vasco durante o ano de 1956.

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No Botafogo, Manga logo se firmou como um fenômeno. O titular da meta alvinegra, Ernâni, chegara a ser pré-convocado à Copa do Mundo de 1958. Não demoraria a esquentar o banco. O novato não gostava de sofrer gols nem mesmo nos treinamentos, e olha que a exigência era grande, no timaço de Garrincha, Quarentinha, Amarildo, Nilton Santos, Zagallo, Didi e tantos outros craques. Assim, o sucesso nas partidas oficiais refletiam o trabalho incessante. O camisa 1 primava por sua segurança sob as traves e as saídas arrojadas de gol. Seus milagres eram frequentes, e proporcionavam grandes glórias aos botafoguenses.

Manga não se cansou de ser campeão com o Botafogo. Faturou quatro vezes o Carioca, três o Rio-São Paulo. Brilhou em diversas excursões para fora do país. Amadureceu e melhorou ainda mais na década de 1960, a ponto de receber as suas primeiras chances na seleção brasileira a partir de 1965. A concorrência era duríssima, com Gylmar referendado pelo bicampeonato mundial. Ainda assim, o pernambucano passou a atuar com mais frequência às vésperas da Copa de 1966. O titular no início da competição seria mesmo Gylmar. Entretanto, o botafoguense teve uma chance justamente na partida decisiva da fase de grupos, diante de Portugal. Caiu numa pilha de nervos e não foi bem. Falhou justamente no primeiro tempo da Seleção das Quinas, que venceu por 3 a 1 e eliminou o Brasil. Triste passagem pela Seleção a quem fez tanto nos clubes. Depois disso, só entraria em campo mais uma vez pela equipe nacional.

Logo seu ambiente no Botafogo também se estragaria. Acusado de vender o estadual de 1967, apesar do título,Manga  se envolveu em enorme entrevero com o então cronista João Saldanha, em episódio no qual houve até tiros. Meses depois, deixaria os alvinegros. Contratado pelo Nacional de Montevidéu, encararia um novo desafio no futebol uruguaio. A começar na própria disputa pela titularidade, com a concorrência de Rogélio Domínguez, de passagens marcantes por Racing e Real Madrid. Nada que impedisse Manga de tomar a posição.

No Campeonato Uruguaio, havia o duelo particular entre dois gigantes na meta: Manga e Ladislao Mazurkiewicz, do Peñarol. Todavia, o pernambucano chegou ao Gran Parque Central em um momento no qual os tricolores ocupavam a lacuna deixada pelo grande time dos carboneros que se desmanchava. Conquistou quatro vezes o título nacional e a sonhada Copa Libertadores, para que o Bolso se equiparasse aos maiores rivais. O camisa 1 foi estupendo ao longo daquela campanha em 1971, sofrendo apenas quatro gols. Na decisão, o Nacional derrotou o Estudiantes, dono dos três títulos anteriores. De certa maneira, serviu de revanche ao vice em 1969.

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Titular absoluto em Montevidéu, sem sequer dar brechas aos reservas em jogos menores, Manga permaneceu no Nacional até 1974. Depois da Copa do Mundo, voltou ao futebol brasileiro. Chegou a ser sondado pelo Corinthians, mas assinou mesmo com o Internacional. Para viver outro momento primoroso no timaço de Rubens Minelli. Conquistou três títulos gaúchos, atuando até com o dedo quebrado no Gre-Nal decisivo de 1976. Entretanto, sua lenda colorada se afirmou no bicampeonato nacional.

O pernambucano parecia intransponível naquelas campanhas históricas no Brasileirão, ao lado de feras como Figueroa, Falcão e Carpegiani. Em 1975, segurou o Cruzeiro, com direito a uma defesa célebre em falta cheia de curva de Nelinho. Incluindo a terceira fase e os mata-matas, buscou a bola no fundo das redes apenas três vezes nos últimos nove jogos. No ano seguinte, seria a vez de parar o Corinthians, após a épica semifinal contra o Atlético Mineiro. A gratidão no Beira-Rio ao veterano, às vésperas de completar 40 anos, era enorme. Somando as duas campanhas, o arqueiro sofreu apenas 25 gols em 53 partidas disputadas.

A partir de 1977, quando deixou o Inter, Manga se transformou em andarilho da bola. Isso não o impediu de fazer história no Operário. Campeão sul-mato-grossense, levaria o time às semifinais do Brasileirão, eliminado pelo campeão São Paulo. Levantou estaduais ainda no Coritiba (1978) e no Grêmio (1979), deixando claras suas rusgas com a diretoria colorada. Por fim, viveu os últimos dias de sua carreira no Barcelona de Guayaquil. Também conquistou o Campeonato Equatoriano, antes de se aposentar aos 45 anos. Permaneceu nos Canários, onde ainda trabalharia como preparador de goleiros. Entre seus aprendizes, José Francisco Cevallos foi o que chegou mais longe.

A lacuna de uma trajetória mais consistente na Seleção não atrapalha o reconhecimento de Manga. O pernambucano teve as suas próprias seleções no Rio de Janeiro, em Montevidéu e em Porto Alegre, craque em todas elas. E se o seu gênio não era dos mais fáceis de lidar, o camisa 1 deixava para trás quaisquer problemas com suas atuações monumentais sob as traves. Dono de um instinto apuradíssimo, invertia os papéis diante dos adversários: eram os atacantes que o temiam, e não o contrário. Assim, construiu tamanho respeito ao redor do seu nome.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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