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O equívoco do Flamengo com Vítor Pereira teve um custo grande e, desde o início, desnecessário

O Flamengo demite Vítor Pereira, que não provou sua competência nos rubro-negros, embora os erros não se limitem apenas a ele

Estava claro como Vítor Pereira não teria vida longa no Flamengo. Os fracassos se acumularam desde a chegada do treinador, com três oportunidades de conquistar títulos desperdiçadas, e requintes de crueldade em especial pela queda nas semifinais do Mundial de Clubes. As últimas semanas não auxiliaram, sobretudo pela decisão de poupar forças na estreia da Libertadores e perder na visita ao Aucas. Já neste domingo, a óbvia gota d'água aconteceu com a goleada do Fluminense na decisão do Campeonato Carioca, com um show dos rivais no Maracanã. O Fla paga caro, esportivamente e também financeiramente, por uma opção que se mostrou contestável desde o início – e, no fim das contas, se provou desastrosa não só na casamata.

A escolha de Vítor Pereira sempre pareceu corresponder mais por grife do que necessariamente por histórico. O treinador português vinha de um trabalho razoável no Corinthians, em que chegou à final da Copa do Brasil e conquistou a vaga na Libertadores via Brasileirão, mas não era necessariamente algo tão retumbante pelos investimentos dos alvinegros em medalhões. E a maneira como VP deixou os corintianos, justificando a saúde de sua sogra, antes de repentinamente assinar com o Flamengo, criou uma pressão extra sobre o início de trabalho do novo comandante na Gávea.

Como se não bastasse, a forma como o Flamengo agiu com Dorival Júnior também era outro imbróglio. O clube decidiu abrir mão dos serviços de um treinador que botou ordem na casa e tinha ótima relação com o elenco, capaz de elevar o desempenho para conquistar a Libertadores e a Copa do Brasil. É verdade que as últimas semanas de Dorival à frente dos rubro-negros não rendiam mais um futebol tão inspirador. De qualquer maneira, uma mudança drástica de rumos não parecia indicada, especialmente quando o calendário do Fla previa três disputas de título nos primeiros meses da temporada 2023. Mesmo assim, a diretoria resolveu mudar e virou as costas para Dorival.

Os problemas de planejamento do Flamengo são amplos, desde o período de férias em 2022 até a maneira como se conduziu a preparação para o início da temporada. E não que Vítor Pereira tenha ajudado. A derrota na Supercopa do Brasil serviu de aviso, apesar do jogo eletrizante. A queda na semifinal do Mundial, especialmente pela inoperância diante do Al-Hilal, se tornou um golpe ainda mais duro. E a Recopa Sul-Americana perdida diante do Independiente del Valle aumentava os ecos contra o treinador. Não conseguia fazer o time apresentar um futebol minimamente convincente, tomou decisões questionáveis em escalações e substituições, não sacou do time figuras com mais nome que rendimento.

Houve um breve respiro para Vítor Pereira nas últimas semanas, antes do começo da Libertadores e das finais do Campeonato Carioca. Porém, quando o momento decisivo bateu à porta novamente, a decepção se repetiu. O técnico poupou forças contra o Aucas e viu o rendimento do time despencar em Quito no segundo tempo, cedendo uma derrota que aumenta as cobranças para as rodadas seguintes do torneio continental. Já no Maracanã, nada deu certo diante do Fluminense. A superioridade do trabalho coletivo e tático dos tricolores ficou expressa, ainda mais com um placar dilatado como os 4 a 1. A situação de Vítor Pereira era insustentável.

Coube à diretoria do Flamengo admitir o erro e mandar o treinador português embora. Mas não sem custos. A multa rescisória de R$15 milhões é cara, independentemente do orçamento do clube. Soma-se a outros gastos pelos técnicos que não duraram nos últimos anos, desde a saída de Jorge Jesus. De certa maneira, o fracasso na escolha se assemelha ao que ocorreu com Paulo Sousa – que também veio com grife, sem tantas credenciais, e acumulou imbróglios na passagem pela Gávea. A diferença é que, antes de escolher VP, a continuidade de Dorival Júnior não somente era compreensível, mas natural pelas conquistas recentes. O Fla jogou tudo isso pela janela e precisa reajustar sua rota rumo ao Brasileirão.

O nome de Jorge Sampaoli surge forte neste momento, algo até conveniente. É um treinador com experiência no Brasil e que pratica um futebol ofensivo. Também não conseguiu tudo o que prometia em suas passagens anteriores no país, em especial por aquilo que não aconteceu no Atlético Mineiro, e costuma ter um prazo de validade curto, por ser temperamental, bem como por sua voracidade no mercado de transferências. Mas que, neste momento, soa ao alcance depois de flertes mais antigos e também de sua demissão no Sevilla. Se a volta de Jorge Jesus é utópica neste período de reta final na temporada europeia, Sampaoli teoricamente estaria disponível para lidar com clima conturbado desde já.

A questão é sobre o quanto se responsabilizará o departamento de futebol do Flamengo e também a diretoria. Não é de hoje que muitas decisões na parte esportiva são ruins, como se nota em contratações sem efeito e na maneira como se gere o comando técnico. O futebol brasileiro possui sempre o trabalho dos treinadores como muleta para se jogar a culpa, mas desta vez fica bem claro como o sistema acima não auxilia. Vítor Pereira não provou sua competência, é verdade, mas sua própria chegada parte de uma escolha equivocada. Pode até ser que Dorival Júnior também perdesse o fio da meada neste início de temporada, mas a impressão é de que os problemas com ele não chegariam às dimensões que estão sem ele. E nisso há uma grande parte de quem decide. Agora, a esta altura, já não restava nada além do que reconhecer o erro.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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