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O dia que o São Caetano quase virou campeão da América apoiado por várias torcidas

O Pacaembu vibrava. Vestia uma cor que raramente se via: o azul. Não tinha o preto e branco de Corinthians e Santos; o verde e branco do Palmeiras; o vermelho, branco e preto do São Paulo. Sequer o rubro-verde da Portuguesa. Era o azul do São Caetano, que se aproximava de um feito: a conquista do título mais desejado da América, a Copa Libertadores. E não era sobre um time qualquer: o adversário era o Olimpia, de duas taças continentais na história. Um sonho que foi abraçado por mais que seus próprios torcedores: adeptos de diversas camisas torciam pelo Azulão naquela noite. O 31 de julho marcou o apogeu do clube.

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São Caetano tinha virado uma sensação. O pequeno time do ABC paulista vinha surpreendendo ano após ano desde 2000. Foi o time que mais se beneficiou de uma bagunça que resultou na Taça João Havelange (leia mais no nosso Top 10 viradas de mesa). Foi o segundo colocado do Módulo Amarelo, perdendo a decisão para o Paraná. Três times do grupo da segunda divisão ia para a fase final, assim como um time dos Módulos Verde e Branco. No mata-mata, o São Caetano bateu Fluminense, Palmeiras, Grêmio e acabou derrotado na final pelo Vasco. Mesmo assim, foi à Libertadores como vice-campeão.

Na sua primeira competição continental, o São Caetano não fez feio: chegou às oitavas de final e acabou eliminado pelo Palmeiras. O destaque de 2001 para o Azulão veio no Brasileiro. Mais uma vez, o time surpreendeu. Se classificou em primeiro lugar na primeira fase e superou Bahia e Atlético Mineiro para voltar à final. Desta vez, o rival foi o Atlético Paranaense. E o Furacão fez valer a sua boa fase e venceu os dois jogos. Mais uma vez, o time do ABC iria para a Libertadores como vice-campeão.

Então veio 2002. Naquele ano, os estaduais não foram disputados pelos melhores times de cada estado, que integraram os regionais. No caso do São Caetano, o Rio-São Paulo. O Azulão fez bonito ao conseguir a última das quatro vagas à semifinal, terminando a fase de classificação à frente de times grandes como Fluminense, Vasco, Botafogo, Santos e Flamengo. Os mata-matas seriam só entre paulistas: São Caetano x Corinthians e São Paulo x Palmeiras. Depois de empatar por 1 a 1 em casa, o time de Jair Picerni foi eliminado com uma derrota por 3 a 1.

Era na Libertadores que o São Caetano faria história. Em um grupo com Cobreloa, Cerro Porteño e Alianza Lima, conseguiu o primeiro lugar com 12 pontos. Terminou a primeira fase com a quarta melhor campanha. Enfrentou a Universidad Católica, do Chile, nas oitavas de final. O sofrimento já começou ali: dois empates por 1 a 1, que levaram a uma decisão por pênaltis. Vitória por 4 a 2, em casa, para avançar.

Nas quartas de final, mais uma vez os pênaltis. Diante do Peñarol, o time perdeu fora de casa por 1 a 0 e venceu em casa por 2 a 1. Como não havia critério de gol fora de casa na época, a decisão foi para a marca da cal. Brilhou a estrela do Azulão, que venceu a disputa por 3 a 1. A semifinal já era muito para o pequeno São Caetano, mas o time não se intimidou. Venceu o América do México por 2 a 0 em casa, gols de Somália e Adãozinho, e na casa do adversário empatou por 1 a 1. Na sua segunda Libertadores, o São Caetano chegava à decisão. O Olimpia era o adversário, depois de eliminar o Grêmio. No jogo de ida, no Defensores del Chaco, vitória pro 1 a 0, gol de Aílton. Tudo encaminhado para uma zebra histórica: o Azulão vinha do nada para ganhar uma Libertadores.

O jogo de volta foi no Pacaembu, para atender à regra da Conmebol que exigia um estádio com 40 mil lugares. A cidade de São Paulo, então, seria a casa do São Caetano naquela noite de 31 de julho. Em certa medida, lembrava o que acontecera há pouco menos de seis anos antes, quando a Portuguesa jogou no Morumbi a fase final do Campeonato Brasileiro. Torcedores de outras cores aderiram à Lusa e povoaram o estádio para apoiar o time paulista.

O São Caetano viveu algo parecido. Um time pequeno, com uma torcida pequena, viu milhares de vozes o apoiarem naquela decisão. Claro que não passava nem perto de ser uma unanimidade. Alguns não queriam ver o Azulão ser campeão. Alguns corintianos não queriam que o time do ABC vencesse uma Libertadores, quando o Corinthians ainda não tinha a sua taça continental. Torcedores de outros clubes também não nutriam muita simpatia pelo clube – parte dos palmeirenses lembrava da eliminação na Copa João Havelange, por exemplo, mesmo tendo eliminado o próprio São Caetano na Libertadores de 2001. Além disso, havia um claro interesse em atender o projeto político-econômico de seus dirigentes, ligados à prefeitura e a empresários de futebol, o que gradativamente se escancarou com o passar dos anos – dando ao clube uma cara artificial e fazendo simpatizantes desertarem.

De maneira geral, porém, naquele momento o São Caetano foi abraçado por muito mais gente do que seus poucos verdadeiros torcedores. Naquela noite, muito mais vozes gritaram pelo nome do time, em uma atitude muito típica dos brasileiros e que ficaria clara anos depois, na Copa do Mundo: a paixão por uma zebra. Torcer pelo time aparentemente mais fraco quando o seu clube não está na disputa é uma tentação que nem todo mundo resiste.

Com 12 anos de fundação, o São Caetano se aproximava de uma glória que poucos times tinham conquistado. Se em jogos de um time grande brasileiro já aparece a história de “tal time é Brasil”, imagine quando é um time pequeno como o São Caetano, que tem pouca torcida contra. Na transmissão da Globo, Cléber Machado ressaltou: “Boa sorte ao São Caetano, boa sorte ao futebol brasileiro”. Era uma história com traços de conto de fadas, um azarão inacreditável.

Parecia mesmo que a zebra se concretizaria com o gol de Aílton, ainda no primeiro tempo, aos 31 minutos. A história com tantos elementos felizes começou a ganhar traços dramáticos pouco antes do intervalo, quando o técnico Jair Picerni foi expulso em uma confusão. O time teve a ida aos vestiários para se acalmar, mas o Olimpia voltou fungando no cangote do Azulão e arrancou o empate logo aos quatro minutos, com Córdoba, em um chute cruzado.

O Decano tinha o peso da camisa, duas taças Libertadores no currículo, dois Mundiais, histórico em finais – aquela era a sexta do time paraguaio. Os jogadores eram experientes. Tinha o goleiro Ricardo Tavarelli e outros nomes tarimbados como Julio Enciso, Sergio Órteman e Richard Baez. E os visitantes conseguiriam a virada, aos 14 minutos. Em um cruzamento, Baez cabeceou estranho, mas a bola encobriu Silvio Luiz e entrou: 2 a 1 para os paraguaios.

O Pacaembu povoado com diversas torcidas paulistas viu o duelo ficar nervoso. Um jogador do Olimpia acabou expulso aos 40 minutos, mas o placar não se alterou mais. A torcida, vestida de azul, cantava. O árbitro encerrou o embate aos 48 minutos do segundo tempo e a decisão iria para os pênaltis. Os jogadores do Olimpia comemoraram, se abraçando. Reverteram uma derrota em casa vencendo fora, afinal.

A Avenida Goiás, em São Caetano, vibrava em um telão. Os torcedores no Pacaembu gritavam, apoiando. A tortura psicológica dos pênaltis definiu o destino daquele título. Marlon, que entrou no final do jogo, mandou para fora. Serginho, outro que entrou durante a partida, chutou forte, por cima, e errou a cobrança. O Olimpia não desperdiçou: Caballero marcou e cravou um 4 a 2 no placar das penalidades. O time paraguaio manteve a sua tradição: conquistou a Copa Libertadores pela terceira vez, impedindo que o São Caetano levantasse a taça, da qual não passaria mais perto.

O pequeno gigante ainda ganharia um título de expressão, o Campeonato Paulista de 2004, que contava com o técnico Muricy Ramalho, o volante Mineiro e o camisa 10 Douglas, atualmente no Grêmio. Viveu o drama da morte de Serginho, naquele ano mesmo de 2004, uma tragédia humana, acima de tudo.

Além disso, o clube acabaria sofrendo. Fazia uma campanha excelente, o que impediu o seu rebaixamento mesmo com a perda de 24 pontos como punição pelo caso. Em 2005, escapou do Z-4 por pouco. Em 2006, a queda veio. Caiu para a Série A-2 do Paulista e para a Série C do Brasileiro em 2013. Em 2014, foi parar na irremediável a Série D. Não conseguiu mais voltar em termos nacionais. Em 2017, conquistou o acesso à Série A-1 do Paulistão, que voltará a disputar em 2018. Muito longe do fenômeno daquele início de anos 2000.

No Mais Cinco Minutos, o São Caetano já foi assunto. Assista:

Abaixo, os melhores momentos daquela final no dia 31 de julho de 2002:

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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