O dia em que o vascaíno lembrou-se de sempre acreditar, e o palmeirense, de como chorar

A década de noventa e o século 20 terminaram com um grande jogo de futebol entre dois dos maiores clubes a que esses dois períodos de tempo assistiram. O resultado, e principalmente a maneira como ele foi alcançado, causou efeitos colaterais distintos aos dois lados daquele 4 a 3 para o Vasco: o vascaíno consolidou a sua crença no “time da virada”, em nunca desistir da partida, acreditar até o fim; o palmeirense lembrou o que era chorar de verdade.
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A final da Copa Mercosul de 2000 foi decidida em 20 de dezembro, na terceira partida, depois que vitórias foram trocadas nos primeiros jogos. O palco era o Palestra Itália, estádio do Palmeiras, que começava a presenciar o ocaso de anos dourados. A torneira de dinheiro da Parmalat estava secando, e o time não era mais tão bom quanto em temporadas anteriores.
O Palmeiras não era estranho às derrotas – havia perdido a final da mesma competição para o Flamengo, no ano anterior, e o Campeonato Brasileiro para o próprio Vasco, em 1997, sem falar na Libertadores daquela mesma temporada, para o Boca Juniors -, mas as circunstâncias daquela virada, depois de estar vencendo por 3 a 0 no intervalo, foram um duro golpe. O prenúncio de tempos difíceis que viriam pela frente.
O Vasco, por outro lado, tinha um esquadrão: Hélton, Juninho Paulista, Juninho Pernambucano, Mauro Galvão, Romário, Euller, entre outros. Havia disputado o Mundial de Clubes em 2000, era campeão da Libertadores de 1998, do Brasileiro de 1997, e estava prestes a conquistar a Copa João Havelange. A confiança estava em alta.
Palmeiras e Vasco haviam travado alguns duelos interessantes naquela época, além da já citada derrota palmeirense na final do Campeonato Brasileiro. A primeira vingança veio na Libertadores de 1999, em que o time de Felipão passou pelos cariocas nas oitavas de final do caminho em direção ao título. A segunda foi no Torneio Rio São-Paulo de 2000, com duas vitórias na decisão que formaram um placar agregado de 6 a 1. O Vasco empataria esse placar naquela noite de dezembro no Palestra Itália.
O que aconteceu no segundo tempo ofuscou a impressionante maneira como o Palmeiras construiu a vantagem de 3 a 0 em um intervalo de nove minutos. O time tinha poucas estrelas e era nada parecido com o que havia conquistado a América 18 meses antes. Sérgio era seguro, Arce tinha a bola parada, Magrão dava raça. Havia Tuta, havia Basílio, havia Galeano. E mais ou menos parava por aí.
A conhecida imprudência de Júnior Baiano resultou em pênalti para o time da casa, que Arce converteu. Tuta recebeu dentro da área e exigiu linda defesa de Hélton, com o biquinho da chuteira. Magrão pegou o rebote e ampliou. Antes do intervalo, Tuta foi esperto para tocar no canto do goleiro vascaíno e fazer o 3 a 0. O palmeirense ainda não estava escaldado pelas tragédias dos anos seguintes. Acreditou que o título já estava ganho. Deixou o antigo Palestra Itália pintado de verde.
O Vasco voltou com Viola e outra atitude. Rapidamente, diminuiu o prejuízo, em dois pênaltis sofridos por Juninho Paulista, um em trança-pé de Fernando, outro em carrinho imprudente de Gilmar, ambos cobrados por Romário. O Palmeiras não se assustou tanto quanto poderia e continuou jogando, segurando o resultado, agarrando-se à vantagem com os dentes. Mas, aos 40 minutos, algo extraordinário aconteceu.
Romário furou. Provavelmente a primeira engrossada do Baixinho no Segundo Milênio. O cruzamento de Euller veio manso, e ele tentou emendar de primeira com a perna direita para o gol de Sérgio, mas errou. A bola bateu na sua canhota e sobrou para Juninho Paulista empatar. Quando o jogo caminhava para os pênaltis, corte daqui, chute dali, e a redonda procurou quem melhor sabia tratá-la naquele estádio: caiu nos pés de Romário.
Não havia tempo para mais nada. O palmeirense poderia ter derramado lágrimas em derrotas anteriores, mesmo entre tantas vitórias, mas aquela foi muito dura. Até porque foi uma das últimas vezes em anos que o Palmeiras disputou títulos. Um rito de passagem para tempos sombrios. O vascaíno comemorou como nunca. Não havia ninguém que pudesse segurá-los, sentimento ratificado pelo título brasileiro, um mês depois. Não sabia que também a sua Era Dourada estava chegando ao fim.