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O Botafogo compreendeu a Libertadores em sua essência, e o prêmio vem com a ótima campanha

O Botafogo atravessou um longo inverno, ausente da Copa Libertadores. Quando voltou pela primeira vez desde então, teve dificuldades. Ficou pelo caminho na fase de grupos, diante da outra milagrosa classificação do San Lorenzo. Mas há um princípio básico para qualquer time que ambiciona a taça. Estar acostumado ao torneio nem sempre é suficiente. A Libertadores não é um emprego onde a promoção vem de forma compulsória pelo tempo de casa. Necessita-se fazer valer a sua presença. Ter gana. E não só possuir o tal “espírito de Libertadores”, tão propagado, mas que muitas vezes descamba para o descontrole. Compreender o ambiente vale bem mais para a copa que “mira y no se toca”. Para mirá-la e, de fato, tocá-la. E os alvinegros mostram total entendimento em uma campanha que permite sonhar. Que o permitiu eliminar o atual campeão, com a vitória por 1 a 0 sobre o Atlético Nacional, e confirmar a classificação à próxima fase.

Peso da camisa não vem sendo problema para um Botafogo que redescobriu quantas toneladas tem a sua. Depois de derrubarem Colo-Colo e Olimpia, os alvinegros colocam abaixo o grupo dificílimo. Venceram Estudiantes e o Atlético Nacional fora de casa. Vacilaram contra o Barcelona de Guayaquil, é verdade, mas não tiveram problemas para se refazer nesta quinta. Em um momento de pressão. E, precisando derrotar os verdolagas não só para avançar aos mata-matas, como também para evitar a ressurreição dos atuais campeões, tiveram uma atuação de manual de Libertadores. De quem entendeu completamente a postura que faz a diferença em um torneio completamente imprevisível e no qual a falta de brio custa seu preço.

O primeiro ponto do sucesso do Botafogo não está nem em campo. Vê-se do lado de fora, a cada partida no Estádio Nilton Santos. A reforma recente do estádio, dando uma cara que ressalta quem é seu dono, parece ter ajudado na atmosfera. Apesar da distância entre arquibancadas e gramado, a casa de Engenho de Dentro não tem nada de fria. Muito porque seus torcedores desejam encurtar as centenas de quilômetros que separam cada canto da América do Sul. O clamor dos botafoguenses pesa, principalmente na entrada dos times em campo, a cada espetáculo. E que certamente dá uma injeção de moral no time de Jair Ventura.

Assim, o Botafogo iniciou o duelo desta quinta ligado em alta voltagem. Logo aos dois minutos, um contra-ataque impressionante, de área a área, que terminou com Roger carimbando a trave. O Atlético Nacional, outro que leu o manual de instruções da Libertadores inteirinho, obviamente não seria um visitante tão digerível. Precisando do resultado urgentemente, logo os verdolagas tentariam se impor no campo de ataque com volume de jogo e ameaçariam, parando em boa defesa de Gatito Fernández. Mas os cariocas eram diretos, estavam sedentos. A velocidade na transição atormentava. E quase resultou em gol aos 14 minutos, em lance anulado pela arbitragem por impedimento, apesar do chute de Rodrigo Lindoso no cantinho. Os posicionamento adiantado no ataque, aliás, minou as melhores chances dos botafoguenses na sequência da primeira etapa.

O jogo era tenso, como tantas vezes na Libertadores. Era disputadíssimo, como sempre se espera na competição. E aí se colocava outra virtude do Botafogo: o suor derramado a cada bola. Quando o Atlético Nacional ampliou seu domínio da posse de bola, os alvinegros dependeram da entrega de seus jogadores e do esforço coletivo para proteger sua meta. Ao contrário do que acontecera na rodada anterior, contra o Barcelona, a solidez defensiva era imensa, ajudados pelas boas atuações de Lindoso e Bruno Silva. Os colombianos até conseguiam criar um espaço ou outro. Mas não era simples romper as linhas de marcação dos cariocas. Vendo a postura do time, a torcida se inflamou. Uma retroalimentação que mantinha a equipe cada vez mais ligada.

jair ventura

Já no início do segundo tempo, o ímpeto do Botafogo em resolver logo fez a diferença. Lindoso deu uma belíssima enfiada de bola e encontrou Rodrigo Pimpão invadindo a área, se livrando da marcação para chutar cruzado, tirando de Franco Armani, abrindo o placar aos cinco minutos. Justamente o jogador que vem entendendo melhor a Libertadores e parece conhecer os seus atalhos. Que fez a diferença em outras fases e, nada mais justo, sele a classificação. Tanto pelo empenho quanto pela intensidade.

A partir de então, o Botafogo tinha uma missão clara: segurar o Atlético Nacional. Evitar que o monstro ressurgisse das cinzas. Não seria fácil. E a estratégia do time de Jair Ventura não se limitava a recuar a equipe na defesa. Libertadores se faz iniciativa. Desta maneira, contragolpeando, os cariocas permaneceram criando excelentes oportunidades de ampliar e ameaçando Armani, que realizou boas intervenções. A entrada de Guilherme auxiliou neste sentido, recobrando o gás. Além do mais, era preciso encarar nos olhos os atuais campeões. Em vários momentos os jogadores se estranharam. A rispidez não descambou para a violência. Como tem que ser, gerou mais fome de bola aos alvinegros.

Por fim, o último trunfo do Botafogo esteve em sua concentração. A Libertadores é traiçoeira a quem não a respeita. Seu roteiro manda que se mantenha o alerta além dos 90 minutos, para que o resultado não escape. Exatamente o que os alvinegros fizeram, apesar das investidas finais do Atlético Nacional. Findados os acréscimos, os anfitriões puderam relaxar. Puderam comemorar e desfrutar a classificação às oitavas de final, ao lado do Barcelona de Guayaquil. O que Jair Ventura consegue arrancar deste time é algo para ser acompanhado de perto.

O Botafogo conseguirá, ao menos, mirar a copa mais de perto ou mesmo tocá-la? Sinceramente, não dá para saber, e aí está a graça da Libertadores – a completa imprevisibilidade. Há limitações, inclusive pela falta de profundidade do elenco. No entanto, por aquilo que fez em seus primeiros nove jogos, os alvinegros demonstram total compreensão da competição – acima da maioria absoluta dos participantes até o momento. A energia, a consistência, a intensidade, a solidez: tudo favorece uma campanha memorável até aqui. Resta saber se a equipe terá algo a mais para os mata-matas. A predestinação ao épico, que vem permeando os maiores sucessos das últimas edições.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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