Brasil

O batismo de Jorge Jesus no Maracanã não poderia ser mais animador, pelo placar e também pela forma

Domingo de sol, Maracanã cheio, 65 mil torcedores em ebulição. O ambiente para a primeira partida de Jorge Jesus no comando do Flamengo dentro do Rio de Janeiro parecia perfeito. E esse seria o pano de fundo ideal para uma atuação impactante dos rubro-negros. Duas partidas não servem tanto de parâmetro para falar sobre um trabalho que começou há pouco mais de um mês. No entanto, vai ser difícil encontrar um flamenguista que não se empolgou com a vitória sobre o Goiás. Que se pese a inferioridade do adversário, a questão não se restringe ao placar de 6 a 1. Tem muito mais a ver com a vontade do Fla, que em nenhum momento se sentiu saciado com o resultado. Também conta a atuação de Arrascaeta, sobretudo, a melhor desde que o clube investiu alto em sua transferência.

É bom ponderar que, apesar dos cinco gols de diferença na contagem, a partida não seria tão fácil assim para o Flamengo durante o primeiro tempo. O começo do time foi ótimo, é verdade. Os rubro-negros não davam trégua ao Goiás, com uma marcação intensa e trocas de passes rápidas. Depois de uma grande defesa do goleiro Tadeu (a primeira de muitas), o Fla abriu o placar aos cinco minutos. A equipe roubou a bola na frente e avançou em aceleração máxima, até que Arrascaeta marcasse o seu primeiro. O posicionamento adiantado, entretanto, o deixava exposto. Não demorou para que os esmeraldinos encaixassem os contragolpes. Rodrigo Caio falhou feio e permitiu o empate de Kayke aos 11, enquanto Michael fez Rafinha comer poeira e quase virou em bomba na trave logo depois. Diego Alves precisava se manter atento à sobra e também chegou a sair da área para intervir.

Eis, então, que surgiu o primeiro grande mérito do Flamengo. O time não se desesperou diante das falhas e do risco gigantesco de virada. Continuou fazendo o seu jogo, postado no ataque e pressionando a defesa do Goiás. Há uma diferença de confiança, neste ponto. As chances voltaram a surgir, com a boa movimentação e os passes rápidos criando os espaços. O final do primeiro tempo seria cabal à goleada. A partir dos 43 minutos, os esmeraldinos sofreram um apagão e viram o Fla balançar as redes três vezes antes do intervalo. Arrascaeta fez a jogada para Trauco, no que garantiu um tento meio enroscado de Bruno Henrique. Depois, o uruguaio completou sua tripleta, primeiro aproveitando passe de Gabigol, antes de mandar um cruzamento venenoso que, sem muita intenção, acabou direto nas redes.

A formação do Flamengo ainda depende de um encaixe ideal. William Arão estava um tanto quanto perdido no papel de volante único no 4-1-3-2 (em posto que deveria ser inquestionável de Cuéllar) e as deficiências do Goiás não colocaram totalmente à prova a leitura de jogo defensiva do time, algo fundamental diante do posicionamento avançado. De qualquer maneira, as transições do trio de meias ajudavam demais, unindo criatividade e poder de definição. Enquanto isso, Bruno Henrique e Gabigol tinham liberdade, principalmente o segundo, assumindo um papel de garçom.

Se a goleada ao final do primeiro tempo soava um pouco exagerada pelas circunstâncias, o segundo tempo ficou devendo bolas nas redes. Contra um adversário já abatido, o Flamengo não deixou de ter fome. Empurrava o Goiás contra a parede e ia gerando chances de gol. As trocas de passes envolviam a defesa adversária. Gabigol anotou o seu primeiro aos 11, agora com assistência de Arrascaeta, numa bonita jogada coletiva. Jorge Jesus logo tirou Rafinha (muito aplaudido) e Arão para as entradas de Cuéllar e Rodinei, o que não mudou tanto a superioridade do Fla. Diante das muitas chegadas, o sexto gol saiu aos 35, com soluções parecidas. De novo com jogada encadeada, de novo com passe de Arrascaeta, de novo com conclusão de Gabigol.

Por fim, o maior deleite do Flamengo aconteceu mesmo nos minutos finais. Não saíram mais gols, mas os rubro-negros não sossegavam enquanto o 7 a 1 não viesse. Gabigol pode ter desagradado um pouco pelos desperdícios. Mesmo assim, o grande responsável por evitar um placar mais elástico foi o goleiro Tadeu – que, apesar dos pesares, saiu como um dos melhores do Goiás. O arqueiro acumulou milagres, em especial diante de uma bicicleta de Diego. Ao apito final, não restou aos torcedores no Maracanã outra escolha senão aplaudir de pé o time.

Ao longo dos últimos anos, seja pelos investimentos ou pela mentalidade dos treinadores, o Flamengo geralmente montou equipes ofensivas. Eram times que prezavam pela posse de bola e rondavam a área do adversário, ainda que nem sempre as coisas fossem tão boas além disso. É aí que mora a diferença ao que se viu no Maracanã. Mais do que volume, a equipe teve ímpeto. Dominou e criou um número imenso de chances para aproveitar este domínio. Com 73% de posse de bola, o Fla teve 29 finalizações, 16 delas no alvo. Diante das ponderações necessárias por conta do risco inicial e do nível do adversário, o passeio poderia até ser maior. Entre os jogadores que não se acomodaram e o time que os empurrou para frente, a sensação do que se viu se torna mais importante do que o placar. Jorge Jesus tem um caminho longo pela frente, mas a impressão inicial da torcida não poderia ser mais promissora.

*****

Estamos também no YouTube! Confira nosso último vídeo e se inscreva no canal para fortalecer o jornalismo esportivo independente em mais um meio:

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
Botão Voltar ao topo