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O adeus a Roberto Dinamite, o gigante cruzmaltino que foi símbolo e sinônimo de Vasco

Por mais de 20 anos, e por todo o depois e para sempre, Dinamite foi, é e será o Vasco.

É difícil dizer que o Vasco se despede neste domingo de Roberto Dinamite porque um jogador que de tão grande se tornou sinônimo do clube que defendeu com tanto brilho e garra, e um profissional que de tão carismático inspirava respeito e admiração até nos adversários, é eterno. O clube de São Januário foi sua vida, simbolizada não só pelos recordes de jogos e gols como pelo vínculo indissociável com a torcida, mesmo com saídas pontuais do clube em sua extensa carreira. Atacante completo, gigante do futebol brasileiro, Roberto faleceu neste domingo aos 68 anos, após longa batalha contra um câncer no intestino.

O início

Roberto Dinamite comemora pelo Vasco (Foto: Divulgação/CBF)

“Vasco escala o garôto-dinamite”. Assim, ainda com o acento diferencial vigente naquele tempo, destacava o Jornal dos Sports na manchete de sua edição de sábado, 20 de novembro de 1971, o ótimo treino feito pelo jovem Roberto, destaque dos juvenis do Vasco de apenas 17 anos, entre os profissionais que se preparavam para enfrentar o Atlético Mineiro em Belo Horizonte pelo Brasileiro. O apelido, cunhado pelo repórter Eliomario Valente, que por muitas décadas cobriu o clube, foi bancado pelo editor do “cor-de-rosa”, Aparício Pires.

Naquele treino, comandado pelo então técnico vascaíno Admildo Chirol e curiosamente realizado na Gávea, Roberto foi o destaque ao marcar dois gols e demonstrar desenvoltura e entrosamento com os atacantes Dé e Luís Carlos. “Roberto, chamado agora de Garôto Dinamite, não recebeu aplausos apenas pelos gols, mas pelas ótimas jogadas que fez. No segundo gol, principalmente, mostrou bastante categoria: recebeu o passe de Dé, deu um lençol em Joel e encobriu o goleiro Élcio quando saiu do gol no desespero”, dizia a nota sobre a atividade.

Aquelas linhas relatavam o nascimento de uma lenda cruzmaltina: o garoto era Carlos Roberto de Oliveira, nascido em 13 de abril de 1954 em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Roberto, na verdade, já havia estreado pelo time de cima do Vasco antes do apelido, entrando no intervalo na derrota por 1 a 0 para o Bahia na Fonte Nova seis dias antes da manchete profética. O atacante havia chegado à escolinha do clube aos 15 anos e logo promovido aos juvenis pelo técnico Célio de Souza, sendo o artilheiro do Estadual da categoria em 1971.

Roberto teve atuação discreta tanto contra o Bahia quanto contra o Atlético. Porém, dentro de alguns dias, faria o tradicional JS estampar outra manchete, que se tornaria ainda mais célebre, em sua primeira página, na edição de 26 de novembro, sexta-feira. Na noite anterior, o Vasco enfrentava o Internacional no Maracanã e vencia por 1 a 0, gol de Buglê, quando Chirol decidiu dar nova chance ao garoto promissor dos juvenis, colocando-o em campo no lugar do ponteiro Gílson Nunes. Bastaria uma bola para Roberto virar notícia.

Logo em sua primeira jogada, aos 27 minutos da etapa final, ele recebeu a bola quase no meio-campo, driblou três adversários e ganhou na corrida do zagueiro Pontes. Ao entrar na área, cortou para a direita e mandou um chute fortíssimo – atributo que já chamara a atenção nos treinos e que lhe rendera o apelido – para as redes, bem no ângulo do goleiro Gainete, selando a vitória cruzmaltina por 2 a 0. O golaço foi o lance mais comentado da rodada. E, naturalmente, a deixa para o Jornal dos Sports manchetear: “Garôto-Dinamite explodiu”.

“Foi a noite mais alegre da minha vida. Nunca pensei que um garoto de Caxias pudesse receber tantos aplausos. Quando estou sozinho, chego a me perguntar se sou mesmo o Roberto, que jogava pelada no São Bento, sempre o primeiro a ser escolhido por causa do 1,81 metros de altura”, exultava o garoto no dia seguinte, quando o jornal cobria a repercussão do primeiro gol, o qual Roberto dedicou aos pais, que assistiam à partida do estádio. O garoto também confessava sua idolatria por Pelé, de quem não perdia um jogo no Maracanã.

Roberto entraria nos quatro jogos seguintes do Vasco no Brasileiro, mas os resultados contiveram a empolgação: o time parou em empates em casa com Santos (0 a 0) e Atlético Mineiro (1 a 1) e sofreu derrotas pesadas nas visitas ao Internacional (3 a 0) e ao Santos (4 a 0). Os cruzmaltinos acabariam eliminados naquela segunda fase do Brasileirão. No ano seguinte, o atacante seguiria no elenco, mas veria seu espaço diminuir sensivelmente com a chegada de dois nomes de peso a São Januário para aquela temporada de 1972.

Um retornava de empréstimo ao Botafogo: era Silva “Batuta”, jogador que se fizera ídolo no rival Flamengo, mas que se consagraria também na Colina ao se tornar o grande condutor do time no título carioca de 1970, encerrando um jejum de 12 anos dos vascaínos na competição. O outro era a contratação mais badalada do futebol do país na temporada: Tostão, comprado do Cruzeiro pelo valor recorde de transferências entre clubes brasileiros e que pararia a cidade do Rio de Janeiro em sua recepção, em meados de abril daquele ano.

O trio chegaria até a jogar junto, como na estreia de Tostão, o empate em 2 a 2 com o Flamengo pela abertura do returno do Campeonato Carioca, mas Roberto logo seria devolvido aos juvenis para completar sua formação. No estadual da categoria, o Vasco decidiria o título com os rubro-negros, e Roberto se veria diante de um garoto de trajetória até ali bastante semelhante à sua e que viria a ser, em campo, um de seus grandes adversários e, fora dele, um dos maiores amigos até o fim de sua vida: Zico, camisa 10 do Flamengo.

Roberto abriria o placar na vitória vascaína por 2 a 0 em São Januário no primeiro jogo da decisão. No segundo, transferido ao Maracanã como preliminar do clássico entre os times principais, seria vencido pelos rubro-negros por 1 a 0, o que forçaria a realização de uma partida extra na Gávea. Nela, o Flamengo acabou vencendo por 2 a 0, com Zico marcando o segundo gol, e conquistando o título. Promovido de volta aos profissionais em 1973, Roberto faria daquele ano um ensaio para a grande consagração que viria na temporada seguinte.

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O grande salto

O Vasco não aparecia entre os favoritos à conquista do Brasileiro de 1974 – disputado no primeiro semestre daquele ano, emendando com a edição de 1973, que invadira a temporada seguinte – embora tivesse um goleiro experiente no argentino Andrada; uma defesa vigorosa com Fidélis, Miguel, Moisés e Alfinete; um meio-campo talentoso e dinâmico em Alcir e Zanata (com o auxílio providencial de Luís Carlos como ponta recuado); a velocidade de Jorginho Carvoeiro e os gols de Roberto na frente; e o comando tranquilo de Mário Travaglini.

A campanha na primeira fase, quando os 40 clubes eram divididos em dois grandes grupos de 20, também não havia sido impressionante: os cruzmaltinos terminaram apenas em sétimo na sua chave, com sete vitórias, oito empates e quatro derrotas. Roberto, porém, já vinha balançando as redes com frequência. Foi assim, por exemplo, no empate em 1 a 1 com o Flamengo (Zico fez o tento rubro-negro), e na importante vitória por 3 a 1 sobre o Internacional na última rodada, quando Dinamite anotou os três gols vascaínos.

Na segunda, num grupo de seis que classificaria o primeiro colocado ao quadrangular final, o time começou a mostrar as garras, com Roberto marcando nas três vitórias: 2 a 0 no Atlético dentro do Mineirão, 2 a 0 no Corinthians e 3 a 0 no Operário em casa. Até ali, no entanto, o goleador do campeonato vinha de outro clube carioca: era a revelação Luisinho, do America, com 15 gols. Os rubros, porém, se despediriam naquela fase. Roberto, que tinha 14, anotaria seu 15º na vitória de 2 a 1 sobre o Santos de Pelé na abertura do quadrangular.

Na última rodada, em 28 de julho, o Vasco levantaria a taça caso derrotasse o Internacional no Maracanã. Roberto, mais uma vez, anotaria um gol emblemático sobre os colorados, abrindo o placar com o tento que lhe valeria a artilharia isolada da competição. Zanata ainda ampliaria, mas os gaúchos buscariam o 2 a 2, frustrando os mais de 118 mil torcedores no estádio. O resultado forçaria uma decisão entre Vasco e Cruzeiro no dia 1º de agosto, vencida pelos cruzmaltinos por 2 a 1. Assim, o Garoto Dinamite se sagrava campeão e artilheiro.

A temporada 1975 do Vasco, porém, se revelaria um anticlímax: o time foi mal na Libertadores, bateu na trave pelo título carioca, que ficou com o Fluminense (no fim do ano anterior já havia amargado o vice para o Flamengo) e decepcionou no Brasileiro sendo eliminado precocemente. Roberto ainda se veria na situação inversa a 1974 quanto à artilharia do torneio nacional ao ficar só um gol atrás do colorado Flávio. Mas levaria o Vasco a uma vitória marcante de virada sobre o Flamengo por 3 a 2 no Estadual. E chegaria à seleção.

O ciclo canarinho após o fracasso na Copa do Mundo da Alemanha Ocidental começaria com a disputa da Copa América, novo nome para o velho Campeonato Sul-Americano. O veterano Oswaldo Brandão substituía Zagallo dirigindo inicialmente um escrete essencialmente mineiro, mas incrementado aos poucos por “forasteiros”. Um deles – ao lado dos zagueiros Amaral (bugrino), Luís Pereira (palmeirense) e Miguel (também vascaíno) e do meia flamenguista Geraldo “Assoviador” – era Roberto, que estrearia nas semifinais contra o Peru.

O Brasil cairia naquela etapa, no sorteio, após uma vitória para cada lado (os peruanos venceriam no Mineirão e os brasileiros em Lima). Mas o nome de Roberto continuaria na lista do técnico para 1976. E se firmaria após o bom desempenho na disputa do Torneio Bicentenário, nos Estados Unidos, em maio daquele ano. Na estreia, contra a Inglaterra, ele entraria no intervalo no lugar do gremista Neca e anotaria o gol da vitória por 1 a 0 no último minuto. Na decisão contra a Itália, ele fecharia o placar de 4 a 1, com Gil (dois) e Zico também marcando.

Com a titularidade conquistada, ele seguiria balançando as redes – e de dois em dois: ainda na sequência da excursão, marcou duas vezes nas vitórias sobre a UNAM (4 a 3) e sobre a seleção do México (3 a 0). Na volta ao Brasil, mais dois nos 3 a 1 sobre o Paraguai pela Taça do Atlântico. A afirmação na seleção era acompanhada por um momento especial de Roberto no clube. Duas semanas antes de seu primeiro gol pelo escrete, o da já citada vitória sobre a Inglaterra, ele havia marcado um gol antológico pelo Vasco, talvez o mais lembrado de sua carreira.

Brigando palmo a palmo pelo título da Taça Guanabara, o Vasco chegava para o clássico diante do Botafogo em 9 de maio pressionado a vencer, já que, mais cedo, o líder Flamengo havia batido o Bangu em Moça Bonita. Para piorar, foi para o intervalo em desvantagem, com Ademir Vicente abrindo o placar para o adversário. Mas aos 17 minutos da etapa final, num lance de oportunismo e quase sem ângulo, Roberto empataria para o Vasco e recolocaria a equipe no jogo. Mas o 1 a 1 seguiria inflexível até perto da última volta do ponteiro.

A 30 segundos do fim, Luís Carlos puxou o contra-ataque e entregou a Roberto pela esquerda. O camisa 10 cortou para dentro e tentou a tabela com Dé, mas a defesa botafoguense afastou, e a bola voltou a Roberto, que acionou Zanata na meia-lua. O armador tentou invadir a área, mas parou, girou e cruzou alto. Roberto amorteceu a bola no peito, chapelou o zagueiro Osmar Guarnelli e, sem deixar cair, emendou um quase voleio fortíssimo, fuzilando Wendell. O Vasco vencia o jogo e o Maracanã ganhava um gol eterno para sua história.

Aquela Taça Guanabara também terminaria em jogo extra, entre Vasco e Flamengo. No tempo normal, Roberto marcaria de pênalti no empate em 1 a 1. A decisão foi então para as penalidades, e o camisa 10 cruzmaltino converteu o seu na vitória por 4 a 3, levando o troféu para São Januário. O Vasco acabaria perdendo o Carioca daquele ano para o Fluminense, em mais uma decisão extra, graças a um gol do argentino Doval no último minuto da prorrogação. Mas no ano seguinte se redimiria com uma campanha espetacular.

Na Taça Guanabara, o time do “Titio” Orlando Fantoni venceria 13 dos 14 jogos, perdendo apenas para o America. No segundo turno, terminaria empatado com o Flamengo somando 12 vitórias e dois empates, mas registrou um feito impressionante: não levou nenhum gol ao longo de toda a etapa. Assim como não levaria no jogo extra – mais um – que decidiria o turno e, por tabela, o campeonato: o 0 a 0 com o Flamengo levou de novo a decisão aos pênaltis. Tita perdeu para o Fla, Roberto converteu o último do Vasco e conquistou seu primeiro Estadual.

Explodindo na primeira Copa

Dinamite com a camisa da seleção (Foto: Divulgaçao/CBF)

A concorrência pela camisa 9 da seleção, porém, se acirrava: Roberto começara bem com a era Cláudio Coutinho, jogando bem e fazendo gols. Mas o atleticano Reinaldo fazia uma temporada brilhante e pedia passagem, de olho na Copa da Argentina, no ano seguinte. Perto do Mundial, já em 1978, o Brasil faria uma excursão à Europa e nela outro nome despontaria: Nunes, do Santa Cruz, autor do gol da vitória brasileira por 1 a 0 sobre a Alemanha Ocidental num amistoso em Hamburgo. Roberto era então o terceiro nome da fila.

Na antevéspera do último jogo do Brasil antes do embarque para a Argentina, o destino começou a conspirar a favor do centroavante vascaíno. Num treino, Nunes torceu o tornozelo e foi cortado. Roberto seguiria para o Mundial como reserva de Reinaldo, que, no entanto, era um dos vários jogadores da seleção que chegavam à Copa em estado físico precário, assim como Zico e Rivelino. O que também não ajudava em nada a seleção era o péssimo gramado do estádio de Mar del Plata, que receberia as partidas do Brasil na primeira fase.

Sofrendo com as placas de grama que se descolavam e prejudicavam o toque de bola, a seleção parou em empates com a Suécia (1 a 1) e a Espanha (0 a 0) – e, na estreia, ainda viu o gol de Zico que seria o da vitória ser invalidado pelo árbitro galês Clive Thomas, que encerrou a partida em meio a uma cobrança de escanteio com a bola no ar, a caminho da área. O jogo da última rodada contra a Áustria, que havia vencido suas duas partidas, ganhava ares dramáticos, em que só a vitória afastaria a chance de uma eliminação precoce.

A história que o anedotário do futebol brasileiro consagrou fala em pressão do então presidente da antiga CBD, o almirante Heleno Nunes, torcedor vascaíno declarado, sobre a comissão técnica em favor da escalação de Roberto. Entretanto, a caminho dos vestiários após o empate diante da Espanha, o técnico Cláudio Coutinho já havia antecipado a repórteres que, nas condições em que o gramado se apresentava, a única saída era tentar explorar o jogo aéreo: Zico e Reinaldo dariam lugar aos altos e fortes Jorge Mendonça e Roberto Dinamite.

E seria exatamente assim que o Brasil chegaria à vitória por 1 a 0: cruzamento de Gil pelo alto que Roberto dominou e finalizou, com a bola ainda desviando no zagueiro Bruno Pezzey e saindo do alcance do goleiro Friedrich Koncilia. Na segunda fase, o Brasil estrearia com boa vitória sobre o Peru por 3 a 0, com dois gols de Dirceu e um de Zico. Mas seguia assombrado pelo fantasma das lesões: agora além de Zico, Reinaldo e Rivelino, era o próprio Roberto que reclamava de uma contusão sofrida contra a Áustria. Mas seguiria no time.

No dia do jogo contra a Argentina, Roberto acordou melhor da contusão no joelho e foi aprovado no teste físico. Com o descarte de Reinaldo, ainda em tratamento, ele começaria jogando. O plano de Coutinho era colocar Zico e Rivelino durante a partida, mas a lesão de Rodrigues Neto ainda no primeiro tempo acabou forçando-o a abrir mão da entrada do segundo. Mesmo assim, o Brasil esteve perto da vitória: Roberto foi duas vezes acionado por Zico, mas, cara a cara com Ubaldo Fillol, acabou desperdiçando as chances, e o 0 a 0 prevaleceu.

Na última rodada o Brasil enfrentaria a Polônia e venceria por 3 a 1, com Roberto marcando duas vezes na etapa final depois que Nelinho e Lato haviam balançado as redes no primeiro tempo. A seleção, satisfeita com o placar, acabou se poupando durante a partida. Mas não contaria com a vitória de 6 a 0 da Argentina sobre o Peru, horas depois. O Brasil terminaria em terceiro, invicto, ao bater a Itália por 2 a 1 com Roberto de titular. Mas depois daquela Copa, o atacante vascaíno amargaria um período de poucas chances no escrete canarinho.

Na volta do Mundial, Roberto se sagraria pela primeira vez artilheiro do Campeonato Carioca, empatado com os rubro-negros Zico e Cláudio Adão com 19 gols. Mas uma desatenção do próprio atacante, responsável por marcar o zagueiro Rondinelli nas bolas paradas, viria a custar o título estadual, com o beque flamenguista avançando livre para a área onde cabecearia o gol do título, que viraria bi e tricampeonato no ano seguinte, com o time da Gávea vencendo os dois estaduais organizados naquela longa e confusa temporada.

Nem mesmo a segunda tripleta de Roberto sobre os rubro-negros, numa vitória do Vasco por 4 a 2 pelo segundo turno do segundo certame (a primeira viera em outro 4 a 2 pelo Brasileiro de 1975) minimizaria a frustração daquela temporada, encerrada com o vice-campeonato também no Brasileiro, quando os cruzmaltinos foram derrotados pelo Internacional em ambas as partidas decisivas sem oferecer muita resistência. Só pouco depois se saberia que aquela final seria um primeiro adeus do atacante ao clube de São Januário.

Após a frustração no Barça, a volta triunfal

Nos primeiros dias de 1980 surgia a notícia de que o Barcelona e o Manchester United haviam demonstrado interesse na contratação do jogador. Eurico Miranda, coordenador da chapa União Vascaína, vitoriosa no pleito que elegeu Alberto Pires Ribeiro presidente do clube em dezembro do ano anterior, afirmava que o artilheiro não sairia por menos de um milhão de dólares. No dia 3 de janeiro, o negócio com os catalães era fechado com o Vasco recebendo um pouco menos que isso à vista: US$ 800 mil, mais uma cota por amistosos.

Roberto chegava ao Barcelona para substituir um jogador o qual havia enfrentado na Copa de 1978, o austríaco Hans Krankl, que saíra descontente com o clube. E sua estreia seria auspiciosa, marcando os dois gols da vitória de 2 a 0 sobre o Almería pelo Campeonato Espanhol, no dia 20. Já o resto de sua curta passagem pela Catalunha, nem tanto: nas dez partidas seguintes, ele faria apenas um gol, no empate em 1 a 1 como Nottingham Forest no Camp Nou pela Supercopa da Europa (os ingleses haviam vencido na ida por 1 a 0).

O Barça, que já vinha mal e ocupava apenas a 11ª colocação antes da chegada do atacante, só venceu três das dez partidas em que o técnico Joaquín Rifé escalou Roberto. Perdeu outras três, entre elas o Superclássico diante do Real Madrid dentro do Camp Nou por 2 a 0, no dia 10 de fevereiro. O treinador seria demitido na primeira semana de março, após o penúltimo jogo do brasileiro pelos azulgrenás, um empate em 1 a 1 na visita ao Hércules. O veterano Helenio Herrera assumiria o posto, mas para Roberto seria o fim da linha.

Seu retorno ao Brasil, depois dos dois meses, 11 jogos e três gols de sua aventura barcelonista, esteve perto de ser surpreendente: o Flamengo, cujo presidente Márcio Braga viajou à Catalunha, era quem negociava sua contratação – e o Dinamite, aliviado com a perspectiva do fim de seu calvário na Espanha e feliz pela possibilidade de atuar ao lado do amigo Zico, se mostrava otimista com a negociação. Até que o Vasco, apavorado com a ideia de ver o velho ídolo defender o rival, bateu à porta do Barcelona e saiu de lá com Roberto.

O argumento era simples: como o clube catalão ainda devia ao Vasco algumas parcelas da compra do atacante, os brasileiros se viam no direito de desfazer o negócio, apenas ressarcindo o que o Barcelona já havia desembolsado com o jogador. E assim foi feito, para o imenso alívio da massa cruzmaltina. Que seria brindada com uma atuação absolutamente antológica de seu camisa 10 na reestreia, contra o Corinthians pelo Brasileiro, numa rodada dupla no Maracanã que teria um Flamengo x Bangu na preliminar, no dia 4 de maio.

O Corinthians abriu o placar aos 11 minutos com uma bomba de Caçapava. Mas dois minutos depois, Roberto aproveitou uma bola roubada no ataque e empatou. A fera estava solta. Só no primeiro tempo, ele marcaria mais três vezes, aos 27, 37 e 39 minutos. Pouco antes do intervalo, Sócrates diminuiu de pênalti. Mas o dia e o show eram mesmo de Roberto, que fez o quinto na etapa final, aos 27 minutos, fechando o placar em 5 a 2. Poucos reencontros de um ídolo com sua torcida foram tão arrebatadores na história do futebol.

“A comemoração aí [no quinto gol] foi mais empolgante. Estávamos atacando para o lado direito das tribunas, onde ficam os vascaínos tradicionalmente. Pude vê-los de frente e festejar junto a eles, pela primeira vez depois de meu retorno do Barcelona”, relembrou o artilheiro em relato à revista Placar em 1993. Naquela tarde, ele entraria para o grupo seleto de jogadores que haviam marcado cinco gols numa mesma partida do Brasileiro – feito que só seria superado pelos seis gols de Edmundo pelo Vasco contra o União São João em 1997.

Porém, aquele ano de 1980 e o seguinte não seriam marcados por conquistas com o Vasco. No segundo, pelo menos, Roberto viveria momentos para sempre lembrados nos jogos que decidiram o Estadual contra o Flamengo. Por ter vencido dois dos três turnos e somado o maior número de pontos ao longo do certame, o rival havia entrado com enorme vantagem nas finais. Mas Roberto trataria de encurtá-la. No primeiro jogo, com os rubro-negros de luto pela morte de Cláudio Coutinho, o atacante faria os dois gols da vitória vascaína por 2 a 0.

Já o segundo – disputado numa noite de quarta-feira em que um dilúvio desabou sobre o Rio de Janeiro, deixando a cidade em estado de calamidade – seria decidido por um gol anedótico aos 43 minutos do segundo tempo, quando os rubro-negros já celebravam o empate em 0 a 0 que os daria o título: com o gramado encharcado, Mozer não conseguiu rebater um cruzamento para a área, e a bola parou numa poça d’água, bem à frente de Roberto, que encheu o pé e fez o gol da vitória, dando início a um balé dos guarda-chuvas na geral do Maracanã.

Os rubro-negros acabariam faturando o título no terceiro jogo, vencendo por 2 a 1. Mas o Vasco e Roberto dariam o troco no ano seguinte, pondo fim à sequência de vice-campeonatos. Antes, porém, o atacante seguiria para sua segunda Copa do Mundo. Roberto voltara à seleção com Telê no amistoso contra a Bulgária em Porto Alegre, em outubro de 1981, após uma ausência de dois anos e três meses. Abriu o placar na vitória por 3 a 0 e se manteve entre os titulares nas duas partidas seguintes do escrete, já no início de 1982.

Na segunda destas, o empate em 1 a 1 com a Tchecoslováquia no Morumbi, Roberto foi vaiado pelo público – provavelmente por ocupar o lugar o qual os torcedores são-paulinos acreditavam ser de Serginho – e teve atuação ruim, a exemplo do time de modo geral. Foi a deixa para que Telê o descartasse naquela reta final da preparação, levando o bugrino Careca e o centroavante do tricolor paulista para a Espanha. Como em 1978, porém, uma reviravolta acabaria conduzindo Roberto ao Mundial: Careca se lesionou e foi cortado.

Telê não teve alternativa a não ser chamar Roberto de volta. Contudo, ao contrário de Coutinho em 1978, não daria ao artilheiro do Vasco nenhuma chance de jogar na Espanha: Serginho era o titular e Roberto sequer ficava no banco. A marca de 500 gols na carreira, alcançada no empate do Vasco com o Campo Grande no fim de outubro, e o título carioca levantado em dezembro ajudaram a amenizar a tristeza e a mágoa. No ano seguinte, Roberto Dinamite voltaria à seleção chamado por Carlos Alberto Parreira para a Copa América.

O drama pessoal

Embora tenha anotado três gols no torneio de seleções (marca modesta, mas suficiente para lhe valer a artilharia ao lado do argentino Jorge Burruchaga e do uruguaio Carlos Aguilera), Roberto não vivia a melhor de suas fases, desmotivado em um Vasco que fazia campanha desastrosa no Estadual – terminaria em sétimo lugar, sendo incluído no Brasileiro do ano seguinte apenas por um convite da CBF, fora do critério técnico. Era o reflexo de um drama que sofria na vida familiar: sua esposa Jurema lutava contra uma grave doença renal.

A temporada 1984, porém, parecia promissora com a chegada do técnico Edu Antunes Coimbra, irmão de Zico, que vinha de ótimo trabalho no America e trazia consigo o lateral Aírton e o volante Pires, mais dois reforços do Bangu: os meias Mário e Arturzinho. A equipe ultraofensiva disparou várias goleadas. Fez 9 a 0 na Tuna Luso e 6 a 0 no Joinville em São Januário. No Castelão, aplicou 5 a 1 no Fortaleza. Nas quartas, fez 5 a 2 e 4 a 3 na Portuguesa. E na semifinal contra o Grêmio, devolveu a derrota por 1 a 0 no Olímpico com um 3 a 0 no Maracanã.

Na decisão, o ataque vascaíno – de longe, o mais positivo da competição, com 51 gols – pararia na defesa do Fluminense – a menos vazada com apenas 13 gols sofridos em 26 jogos. A Roberto, restaria o consolo de mais uma artilharia, com 16 tentos. Em junho, ele faria suas duas últimas partidas pela seleção, durante o breve período em que o mesmo Edu que o dirigia no clube (e com quem havia jogado no Vasco em 1975) também comandou o escrete. O empate sem gols com a Argentina no Morumbi encerraria sua carreira com a canarinho.

Mas o maior baque viria em setembro, com a morte de Jurema devido a complicações de uma hemodiálise. Os dois haviam se conhecido em 1972, num ônibus da linha Caxias-Praça Mauá. Viúva, seis anos mais velha que Roberto (na época com 18) e mãe de um garoto, Jurema mudaria completamente a vida da jovem promessa do Vasco, que enfrentou a reprovação da própria família e de torcedores vascaínos para viver o relacionamento. Jurema era sua esposa, parceira e empresária, sempre firme nas negociações contratuais.

“Vou continuar jogando. Jurema nunca aceitaria o contrário”, afirmou Roberto, deixando de lado as especulações sobre seu futuro no futebol. Por falar em futuro, durante a temporada seguinte ele ganharia um novo companheiro de ataque, vindo das categorias de base cruzmaltinas: um certo Romário, que estreou nos profissionais em fevereiro daquele ano. O Vasco não teria um ano marcante, com campanhas discretas no Brasileiro, Libertadores e Estadual. Roberto, porém, seria pela terceira (e última) vez o artilheiro do Carioca, com 12 gols.

A dupla com Romário seguiria embalada para 1986 e conquistaria a Taça Guanabara logo de saída, mas perderia o pique e o título estadual para o Flamengo em agosto. Pior mesmo, só o jejum de gols enfrentado no início do Brasileiro daquele ano, que custou o cargo do técnico Cláudio Garcia. A temporada 1987, por outro lado, marcaria a reinvenção de Roberto, que passaria a atuar mais recuado, explorando a velocidade de Mauricinho e Romário no ataque. O resultado seria o título carioca, conquistado diante do Flamengo em agosto.

Não foi, no entanto, um ano livre de turbulências: em outubro, na derrota para o Cruzeiro por 3 a 0 no Mineirão, pela Copa União, Roberto foi substituído por motivos técnicos pela primeira vez na carreira, o que gerou uma crise no clube. Eurico Miranda, que mais tarde se tornaria desafeto político no Vasco, detonou o treinador Sebastião Lazaroni: “Se ele pensa que Roberto é um jogador como outro qualquer, está muito enganado”, bradou o vice-presidente cruzmaltino. “Todo jogador pode entrar e sair do time. Roberto não”.

Na reta final da carreira, novas experiências

Montagem divulgada pelo Vasco (Foto: Reprodução)

Aquele movimento, no entanto, deixava entrever que Roberto, prestes a completar 34 anos, vivia o começo do período final da carreira. Tanto que, na temporada seguinte, atuaria em apenas três partidas da campanha do bicampeonato carioca. Em 1989, ele jogaria um pouco mais e inclusive marcaria na vitória por 2 a 1 sobre o Flamengo pela Taça Rio, que impediria o título rubro-negro antecipado e colocaria o Botafogo – clube pelo qual Dinamite sempre confessou torcer quando garoto – nas finais do Estadual, que acabaria conquistando.

Aquele seria seu 27º e último gol no Clássico dos Milhões, o qual disputou 69 vezes e do qual ainda hoje é o maior artilheiro. E também encerraria sua segunda passagem pelo Vasco antes de Roberto pegar a Ponte Aérea e se juntar à Portuguesa para a disputa do Brasileirão. A experiência foi como uma lufada de ar fresco à sua carreira: num time que mesclava veteranos como ele e Biro-Biro a nomes em alta como Capitão, Toninho, Jorginho e Lê, Dinamite anotou nove gols e conduziu a Lusa à melhor campanha de sua história no torneio até ali.

O empréstimo à Portuguesa, porém, fez com que ele ficasse de fora da segunda conquista do Vasco no Brasileirão. E depois de uma nova passagem de um ano e meio pela Colina entre 1990 e meados de 1991, ele viveria experiência semelhante à da Lusa no Campo Grande, que apostou na experiência de Roberto e de outros veteranos como Elói e Claudio Adão, além do técnico Edu, para fazer uma boa campanha no Carioca. O Campusca “dos velhinhos” terminou em quinto lugar nos dois turnos e na classificação geral, só atrás dos quatro grandes.

A quarta passagem por São Januário seria a derradeira como jogador. O Vasco chegou a preparar uma festa de despedida antes do empate em 0 a 0 com o Santos pela última rodada da primeira fase do Brasileiro, em 31 de maio. Mas Roberto decidiu estender mais um pouco a carreira, mesmo dividindo o tempo com a campanha para vereador pelo PSDB. Foi uma decisão acertada: sairia com o título estadual invicto, no qual participou de 19 dos 24 jogos do time e marcou nove gols, sendo o vice-artilheiro cruzmaltino na campanha.

Em fevereiro do ano seguinte viria a despedida oficial, num amistoso entre o Vasco e o Deportivo La Coruña no Maracanã, que contou inclusive com a presença do velho amigo Zico vestindo a camisa cruzmaltina. Roberto se despedia de uma carreira repleta de recordes: maior artilheiro dos Brasileirões (com 190 gols em 328 jogos), dos Cariocas (com 284 tentos), de todos os três clássicos da cidade (sendo 27 contra o Flamengo, 25 contra o Botafogo e 36 contra o Fluminense) e do estádio de São Januário, com 184 gols.

E naturalmente, o maior artilheiro da história do Vasco, com 708 gols em 1110 partidas. Mas sua trajetória não se traduz só em números: por mais de 20 anos e por todo o depois e para sempre, Dinamite foi, é e será o Vasco.

Foto de Emmanuel do Valle

Emmanuel do Valle

Além de colaborações periódicas, quinzenalmente o jornalista Emmanuel do Valle publica na Trivela a coluna ‘Azarões Eternos’, rememorando times fora dos holofotes que protagonizaram campanhas históricas.
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