As incursões de Pelé na música, outra enorme paixão do Rei
Não bastasse o significado eterno que tem nos campos, em nenhuma outra área Pelé insistiu tanto quanto na música
Felipe dos Santos Souza
30/12/2022 - 11:30
4 minutos de leitura
* Texto publicado originalmente em outubro de 2017
Poucas áreas do entretenimento tiveram Pelé mais presente do que a música. É certo que, com a imagem que tem, o Rei já apareceu em incontáveis outras manifestações artísticas. O “Pelezinho” desenhado por Mauricio de Sousa para os quadrinhos, nele inspirado, fez fama entre os anos 1970 e 1980, graças ao personagem principal e aos coadjuvantes também, como Bonga e Frangão. Pelé ainda participou da filmes, por exemplo – e em todos virou mais motivo daquela gostosa chacota do que de respeito. Como esquecer o “Não, eu sou o Jô Soares, sua piranha!” proferido pelo próprio em “Os trombadinhas” (1979)? E sua atuação como goleiro em “Os Trapalhões e o Rei do Futebol” (1986)?
Se mesmo na música Pelé também não fez coisas, digamos, inesquecíveis, nela também apareceu por mais tempo, fora do futebol. E isso começou com um respaldo nada desprezível: o de Elis Regina. Em 1969, a cantora gravou com o luminar santista o compacto simples “Tabelinha Elis x Pelé”, contendo duas canções de autoria do jogador: “Vexamão” (de letra até metalinguística, citando a vergonha que um personagem passou ao ter de tocar e cantar violão à força) e “Perdão, não tem”, uma canção de amor. Na época, Elis foi simpática e até defendeu Pelé das críticas: “Pelé para mim é Dico, um grande amigo. E quando um grande amigo me pede uma coisa, eu não sei recusar”. Tempos depois, soube-se que a cantora teve lá seus aborrecimentos com a insistência. Teria até falado: “O chato é que eu não quero ser jogadora do Santos e o Pelé quer ser cantor…” Seja como for, tiveram relação cordial até a morte de Elis, em 1982.
Depois da primeira incursão com Elis Regina, Pelé seguiu próximo do meio musical. Durante a preparação para a Copa de 1970, o jogador esteve muito perto de uma sumidade daqueles tempos: Wilson Simonal, então em pleno sucesso antes da polêmica que prejudicaria sua carreira. Simonal até protagonizou divertida história, relembrada por Pelé em 2010, à TV Globo:
Entretanto, só a partir dos anos 1980 ele voltaria a colocar sua voz e suas canções a serviço de amigos. Em 1981, uma composição sua rendeu sucesso a Jair Rodrigues (1939-2014): a toada saudosa “Cidade grande (Abre a porteira)”, dueto dos dois lançado no disco “Alegria de um povo” (e repetido num trabalho ao vivo de Jair, em 2009). Abaixo, o videoclipe da canção para o programa “Fantástico”, da TV Globo:
Mais três anos, e a colaboração de Pelé foi para a música infantil. Em 1984, Luciano Nascimento (hoje, Luciano Nassyn) e Patrícia (hoje, Patrícia Marx), que logo fariam parte do Trem da Alegria, participavam do “Clube da Criança”, programa da TV Manchete. E gravaram um LP com incursões de adultos como Xuxa – apresentadora do programa – e… o então namorado desta, Pelé. Que compôs e cantou “Recado à criança”:
Mas se a questão era se colocar nas questões infantis a partir da música, nenhum serviço de Pelé foi tão “inesquecível” quanto o prestado a partir de 1985. Gravado no primeiro LP oficial do já citado Trem da Alegria, “ABC do Bicho Papão” era canção incentivando a alfabetização escolar – retribuída pela homenagem do grupo infantil, “O atleta do século”, obra de Michael Sullivan e Paulo Massadas, onipresente dupla de compositores daquele tempo. “ABC do Bicho Papão” despontou para o anonimato da história… até que Pelé reabilitou a canção, com letra alterada, para uma campanha de alfabetização do Ministério da Educação, em 1998. Nascia um clássico da “cultura de almanaque” brasileira:
Por sinal, “Recado à criança” motivou mais uma incursão musical de Pelé. Usada durante as imitações do amigo Beto Hora para o ex-jogador no programa “Na Geral” (na época, transmitido pela Rádio Bandeirantes – atualmente, na 105 FM), ela fez com que o próprio decidisse homenagear o programa, compondo uma canção que virou o encerramento de cada edição do “Na Geral”:
Na década de 2000, as colaborações de Pelé ficaram mais… adultas. Em 2002, para celebrar a Copa daquele ano, o próprio gravou a marcha “Em busca do penta” – até cantada por ele, em participação na novela “O Clone”, da TV Globo, indo ao Bar da Dona Jura, personagem da atriz Solange Couto:
Depois, em 2004, como trilha sonora de “Pelé Eterno”, um dos melhores documentários sobre seus feitos nos campos, Pelé recebeu outra homenagem: “O nome do rei é Pelé”, de Jorge Ben Jor. Em 2005, ao participar da edição de estreia de “La noche del Diez”, programa de entrevistas de Diego Maradona, ainda fez fama ao cantar “Quem sou eu”. Outro momento inesquecível do Rei:
“Quem sou eu” ficou prometida para um álbum que sairia em 2009, sob supervisão do maestro Ruriá Duprat, com uma miríade variada de convidados (prometia-se de Bono Vox a Gilberto Gil). O álbum ficou nos projetos. Mas Pelé seguiu cantando. Com inspirações como a arquiteta portuguesa Teresa Myre Dores, cujo projeto para uma casa de praia do dito cujo o agradou tanto que rendeu o fado “Teresa”:
Em 2016, a realização dos Jogos Olímpicos – e a controvérsia em torno deles – renderam a última incursão de Pelé pela música: “Esperança”. Como quase todas, não recebeu tanto respeito. Sem problemas. Até porque as façanhas em campo foram merecedoras de tanta reverência.