Caso Miguelito: Os desdobramentos da acusação de racismo e o que vem a seguir
Jogador do América-MG foi denunciado por Allano, do Operário-PR, e chegou a ser preso em flagrante

O meia Miguelito, emprestado pelo Santos ao América-MG, foi preso em flagrante acusado de injúria racial contra o atacante Allano, do Operário-PR, durante o jogo entre o Coelho e o Fantasma no domingo (4), válido pela Série B do Campeonato Brasileiro.
O placar da partida no Estádio Germano Krüger foi aberto logo aos cinco minutos com Gabriel Boschilia, único gol do duelo. O time da casa controlava a maior parte das ações, porém, aos 30 minutos, o confronto ultrapassou a esfera esportiva e entrou na criminal.
Acusação de injúria racial na Série B: a cronologia das ações
Com meia hora de jogo, Allano afirmou ao árbitro Alisson Sidnei Furtado que sofrera injúria racial de Miguelito. O volante Jacy, do Operário, apoiou a acusação do companheiro de clube. Furtado fez o sinal de braços cruzados na altura do peito para sinalizar o início do protocolo antirracista da Fifa e da Confederação Brasileira de Futebol (CBF).
Foram 15 minutos de paralisação para análise das imagens e, após o período, a partida foi retomada sem nenhuma alteração ou advertência. Allano recebeu um cartão amarelo por falta em Miguelito pouco depois do reinício, e o técnico William Batista optou por substituir o boliviano no intervalo.
O árbitro relatou na súmula a ativação do protocolo antirracista “imediatamente” e forneceu detalhes da denúncia.
— Relato que, aos 30min do primeiro tempo, o atleta numero 29 da equipe mandante, sr. Allano Brendon de Souza Lima, veio até minha direção, alegando ter sido chamado de “preto cagão” pelo atleta Miguel Angel Terceros Acuña, numero 07 da equipe visitante. Informo que nenhum integrante da equipe de arbitragem no campo de jogo viu e/ou ouviu tal incidente.
Alisson Sidnei Furtado informou ainda que Pedro Barcelos, do América-MG, foi atingido por um “líquido não identificado” e recebeu cusparada de um torcedor rival que estava na arquibancada. “Devido a alegação dos jogadores suplentes da equipe visitante de falta de segurança para o retorno ao banco de reservas, foi aguardado a chegada da Polícia Militar, a qual identificou o infrator e o retirou das imediações”, pontuou.

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O que vem a seguir
A Polícia Civil do Paraná informou que Allano, Miguelito e Jacy foram conduzidos a uma subdivisão da Polícia Militar e, após os depoimentos, o meia boliviano recebeu voz de prisão em flagrante.
“Ouviu-se a vítima, e foi relatado com riqueza de detalhes o que teria acontecido. Afirmou categoricamente ter ouvido a ofensa racial proferida pelo jogador Miguelito. Também foi ouvida a testemunha, capitão do Operário, o jogador Jacy. Ele estava próximo ao lance e também afirma que pôde ouvir claramente o que o jogador Miguelito disse”, declarou o delegado Gabriel Munhoz.
— Em que pese as imagens oficiais da transmissão não capitarem o momento em que ele vira e fala, porque estava de costas para a câmera. Tanto a Polícia Civil quanto o advogado do Operário entraram em contato com os canais responsáveis para tentar obter uma imagem de outro ângulo que comprove essa fala sendo dita. Também será averiguado se algum outro torcedor tem outra imagem não oficial para corroborar com o que já se tem.
O inquérito policial deve ser concluído nos próximos dias. Aury Lopes Jr., doutor em Direto Processual Penal e professor da PUC-RS, destacou à Trivela que esta etapa consiste na apuração dos fatos e determina se há provas o suficiente para sustentar a acusação. O crime de injúria racial no Brasil está previsto na Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, e a pena é de dois a cinco anos de reclusão e multa.
O professor disse ser possível aplicar “mecanismos alternativos à pena”, como Acordo de Não Persecução Penal (ANPP). Uma possível sentença, caso haja condenação, também pode ser convertida em prestação de serviços à comunidade, por exemplo.
O Ministério Público do Paraná determinou a soltura de Miguelito nesta segunda-feira (5), e o jogador vai responder em liberdade. Ele alega inocência. A versão do meia, segundo apurou o “UOL”, é que ele teria apenas rebatido xingamentos.
Manifestações oficiais: Allano desabafa, e América apoia Miguelito
O América-MG comunicou que auxilia Miguelito e reafirmou “compromisso inabalável no combate ao racismo”.
“O atleta Miguel Terceros, acusado de injúria racial durante a partida do último domingo (4), contra o Operário, em Ponta Grossa, no Paraná, prestou depoimento e os esclarecimentos necessários junto à autoridade policial, negando a prática do delito, e retorna ainda hoje para Belo Horizonte. O América confia na palavra de seu atleta e está oferecendo todo o suporte para auxiliá-lo neste caso. O Clube reafirma seu compromisso inabalável no combate ao racismo. Esses valores são inegociáveis, e o América Futebol Clube repudia veementemente qualquer ato de preconceito e discriminação.”
Allano usou as redes sociais para comentar o ocorrido.
“Venho, por meio desta nota, me manifestar sobre o episódio lamentável de injúria racial que sofri durante a partida entre Operário e América Mineiro, pelo Campeonato Brasileiro da Série B. Infelizmente, mais uma vez, o racismo mostrou sua face cruel dentro de um espaço que deveria ser de celebração, respeito e igualdade. Ser ofendido pela cor da minha pele é algo doloroso, revoltante e, acima de tudo, inaceitável. Não vou me calar. Não por mim apenas, mas por todos os que já passaram por isso e por aqueles que ainda lutam para que esse tipo de violência acabe de vez. O futebol, como a sociedade, precisa dizer basta ao racismo. Precisamos de justiça, responsabilidade e, sobretudo, empatia. Agradeço ao Operário pelo apoio, aos meus companheiros de equipe, à minha família e a todos que têm se solidarizado comigo neste momento. A luta contra o racismo é de todos nós, e ela não vai parar enquanto houver injustiça.”
O Operário-PR também divulgou nota.
“O Operário Ferroviário Esporte Clube repudia com veemência qualquer ato de racismo. Durante a partida de hoje (04), diante do América-MG, o nosso atleta Allano relatou ter sido vítima de ofensas racistas por parte do jogador Miguelito, da equipe adversária. O clube está buscando as imagens e demais elementos que possam confirmar os fatos e tomará todas as medidas cabíveis diante da gravidade da situação. Reforçamos que o Operário está prestando todo o suporte necessário ao atleta Allano e seguirá firme em seu compromisso com a luta contra o racismo, dentro e fora de campo. Não vamos tolerar nenhuma forma de discriminação.”