Há 60 anos, um dos maiores shows pela Seleção: Os cinco gols de Evaristo contra a Colômbia
Entre tantos craques que passaram pela Seleção, quis o destino que um dos recordes mais notáveis permanecesse com alguém que pouco vestiu a camisa amarela. Evaristo de Macedo foi um dos melhores atacantes de seu tempo. Não à toa, deixou o país quando tinha apenas 24 anos, para compor uma mítica linha de frente no Barcelona ao lado de Kubala, Kocsis, Czibor e Luis Suárez. No entanto, a transferência acabou por minar as suas chances na equipe nacional. Encerrou sua trajetória com excelente média de nove gols em 13 aparições com a canarinho. E uma atuação mágica, que impulsionou sua mudança à Catalunha um mês depois: os cinco gols diante da Colômbia na Copa América de 1957, maior marca estabelecida por um jogador da Seleção em uma só partida.
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A fama de Evaristo o precedia, mesmo tão jovem. Revelado pelo Madureira, fez sua primeira aparição na seleção brasileira em 1952, convocado para os Jogos Olímpicos de Helsinque. Permaneceu no banco durante a campanha até as quartas de final, em ataque que contava com Vavá, Humberto Tozzi e Larry. De volta ao Brasil, o jovem concretizou a transferência ao clube no qual se tornaria ídolo por aqui, o Flamengo. O atacante chegou à Gávea às vésperas de tempos gloriosos, com a conquista do segundo tricampeonato carioca dos rubro-negros. Reserva em um primeiro momento, cavou seu espaço no timaço justamente durante as campanhas, tornando-se inquestionável a partir do segundo dos três títulos, em 1954. Foi o vice-artilheiro da campanha, com 13 tentos.
A ascensão de Evaristo não permitiu que ele disputasse a Copa do Mundo de 1954. Entretanto, em 1955 ele ganhou a primeira oportunidade na seleção principal. Chamado por Zezé Moreira, participou de um amistoso contra o Chile. Ao mesmo tempo, arrebentava no Flamengo. Também foi um dos destaques no Carioca de 1955, que completou o tri do Fla, anotando o gol da vitória em um dos jogos decisivos contra o America. O goleador voltou a ser convocado em abril de 1956. Fez uma excursão com a Seleção para a Europa, em série de amistosos contra sete seleções relevantes do continente. Esteve em campo quatro vezes, mas passou em branco.
No início de 1957, Evaristo deu um impulso significativo a sua fama internacional na famosa excursão do Honvéd pelo Brasil. O atacante foi o grande destaque rubro-negro nos duelos com o esquadrão húngaro, a ponto de marcar mais gols que Ferenc Puskás, nove a oito nas contas pessoais. E a ótima forma valeu a confiança de Osvaldo Brandão, dois meses depois, para participar do Campeonato Sul-Americano, a atual Copa América. Vestiu a camisa 9. Jogador de extrema inteligência, Evaristo podia ser escalado em diferentes funções no ataque, embora costumasse se posicionar de maneira mais centralizada. Além disso, combinava qualidade técnica e um bocado de potência física, letal quando tinha a bola nos pés.
Titular ao lado de feras como Didi, Zizinho e Pepe (Garrincha era reserva do santista e costumava entrar no segundo tempo), Evaristo de Macedo começou a fazer estrago contra o Equador, no segundo jogo da campanha. Balançou as redes três vezes na vitória por 7 a 1. Pois o melhor viria apenas três dias depois, no duelo com a Colômbia no Estádio Nacional de Lima, em 24 de março de 1957 – data que algumas fontes erroneamente apontam como 23 de março, algo refutado pelos jornais da época. Embora tivessem vivido no início da década o ‘El Dorado' em seu campeonato nacional, os Cafeteros eram mero coadjuvantes no continente e tinham causado enorme surpresa com o triunfo por 1 a 0 sobre o Uruguai na segunda rodada. Fogo de palha. O Brasil levou o jogo a sério e estabeleceu aquela que é, ainda hoje, a maior goleada já sofrida pelos colombianos: impiedosos 9 a 0, com apenas craques balançando as redes. O camisa 9 fez os seus cinco, enquanto Pepe, Didi e Zizinho completaram o massacre.
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O primeiro gol do Brasil naquela partida, aliás, até demorou a sair. Aos 26 minutos do primeiro tempo, Pepe abriu o placar. A insaciedade de Evaristo começou aos 40, e precisou de apenas cinco minutos para completar a sua tripleta. Em misto de oportunismo e capacidade nas finalizações, ia causando um rombo na defesa colombiana. No mais bonito, o primeiro, o centroavante recebeu o passe de Didi, girou sobre a marcação e soltou o petardo. Na volta do intervalo, Didi deu classe à humilhação com um gol de letra e outro em grande troca de passes com Zizinho. Até Evaristo encerrar o seu show nos 15 minutos finais. Anotou mais dois, aproveitando a maestria dos passes de Zizinho e Nilton Santos. Além disso, participou da jogada para Mestre Ziza deixar o seu.
“A torcida se limita a observar os brasileiros, em silêncio, maravilhada pela soberba exibição dos nossos patrícios”, escreveu o Jornal do Brasil, em sua edição posterior à goleada. Curiosamente, a publicação perdeu até mesmo a conta sobre o show de Evaristo. Em um trecho do texto introdutório, assinala que o goleador balançou as redes quatro vezes – atribuindo um tento a Joel. No entanto, no relato da partida, são dados os devidos créditos à marca histórica do camisa 9.
Na sequência da competição, Evaristo de Macedo balançou as redes ainda mais uma vez, na derrota por 3 a 2 diante do Uruguai. Já no encontro decisivo da última rodada, que serviria para determinar o campeão, a Argentina bateu os brasileiros sem piedade: 3 a 0 para a Albiceleste, que contava com a respeitabilíssima linha de frente composta por Corbatta, Maschio, Angelillo, Sívori e Cruz. Curiosamente, o camisa 9 da Seleção sequer conseguiu a artilharia do Campeonato Sul-Americano. Com oito gols, ficou atrás de Maschio e do uruguaio Ambrois, ambos com um tento a mais. Restava voltar para o Rio de Janeiro, ainda que não por muito tempo.
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Durante os meses anteriores, Evaristo já vinha sendo assediado pelo Barcelona. A excursão do Honvéd ao Brasil, até mesmo pelo imbróglio no qual estava imersa, atraiu a atenção da imprensa europeia e foi noticiada em seus jornais. Assim, muitos tomaram conhecimento da qualidade do rubro-negro. Mítico atacante do clube nos anos 1920, Josep Samitier se tornara dirigente e já tinha viajado ao Brasil nas semanas anteriores para negociar com o centroavante. O acordo estava apalavrado e, em 9 de Abril, menos de uma semana depois da derrota para a Argentina, os jornais brasileiros anunciavam a transferência. O atacante confirmou a mudança ainda no Peru, após conversa por telefone com Samitier. Aguardava apenas o depósito de sua parte no trato para seguir à Catalunha antes do fim daquele mês.
Evaristo precisou de pouco tempo para conquistar a torcida do Barcelona. Foram cinco temporadas no clube, com cinco títulos conquistados e muitas grandes histórias. Todavia, a transferência minou o seu espaço na Seleção. O jogo contra a Argentina foi o último com a camisa amarela. A comissão técnica de Vicente Feola ainda tentou levar o centroavante à Copa do Mundo de 1958, mas esbarrou na diretoria do Barcelona, que não liberou o craque à preparação, com La Liga em andamento. Além disso, o carioca se recusou a se naturalizar espanhol, ao contrário de outros astros da época, mesmo brilhando posteriormente no Real Madrid. Voltaria à Seleção apenas como técnico, em breve passagem nos anos 1980. Seu recorde, de qualquer forma, permanece inabalável.