Brasil

A lição do mestre do futsal, Fernando Ferretti, que vale para o futebol de campo

Aos 69 anos, Fernando Ferretti morreu em Joinville, cidade que adotou como sua, e deixou inúmera lições para o futsal e para o esporte

Fernando Ferretti é um nome histórico e eterno no esporte brasileiro. O futsal, e o futebol como um todo, terá sempre uma grande lembrança do que o professor, como era chamado, deixou. Ele morreu aos 69 anos nesta quarta-feira, em Joinville, cidade que adotou como sua para a vida depois de trabalhar por lá a primeira vez.

O técnico é o maior campeão da história do futsal brasileiro. São 11 títulos da Taça Brasil de Clubes, além de cinco ligas nacionais. Quatro delas vieram por Jaraguá, justamente o clube da sua vida. Passou por diversos clubes em toda a sua carreira, começada, como ele mesmo contou, em 1976, no Rio de Janeiro, sua terra natal.

Passou por grandes clubes brasileiros, com destaque para Corinthians e Santos, mas é inegável que a sua maior ligação de história e de vida seja mesmo com Joinville e Jaraguá do Sul. Ferretti chegou em Jaraguá em 2001 e ficou 10 anos no comando da equipe. Teria uma segunda passagem pelo clube, em 2018 e 2019.

Título no Mundialito e frustração na Copa pela Seleção

Ferretti atuou também como técnico da seleção brasileira. Em 2001, conquistou um dos seus muitos títulos com o Brasil. Foi no Mundialito de Futsal, realizado em Joinville, e com vitória na final sobre a Argentina. Índio Fininho e Manoel Tobias fizeram os gols naquele torneio. O maior desafio, porém, seria a Copa do Mundo.

Em 2004, a disputa da Copa do Mundo de Futsal aconteceu em Taiwan e o Brasil tentava recuperar o título, depois de perder em 2000 na final para a Espanha. A equipe tinha nomes muito conhecidos, como Manoel Tobias, Falcão e Fininho e fez boa campanha na primeira fase, vencendo seus três jogos contra Ucrânia, Argentina e Estados Unidos.

Nas semifinais, o duelo foi duríssimo: contra a Espanha, então campeã do mundo. Após empate por 2 a 2 no tempo normal, a disputa foi decidida apenas nos pênaltis e a Espanha levou a melhor por 5 a 4.

Foi uma frustração para Ferretti, um técnico que se acostumou a levantar taças na carreira. E depois disso, ficou pública uma desavença entre as duas principais estrelas da equipe, Manoel Tobias e Falcão.

Em 2007, Ferretti foi o técnico da seleção brasileira no Pan-Americano de 2007, quando o futsal foi uma modalidade experimental. O Brasil conquistou a medalha de ouro, em um título que será eternamente assim.

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Professor Ferretti: preocupado em formar treinadores

Nos últimos anos, ele se dedicou a participar da formação de treinadores de futsal, uma das grandes preocupações de toda a sua vida. Ferretti sempre disse que faltava formação, uma formação de fato organizada, para aproveitar ainda mais o talento que sobra no futebol.

Por isso, ele era o coordenador geral das licenças da Escola nacional de Treinadores de Futsal, a ENTF. Uma das suas lutas era para não só ter a formação, mas ter o reconhecimento internacional da Conmebol no âmbito da América do Sul.

Uma lição do mestre: o futsal em movimento

Um dos conceitos mais importantes que Fernando Ferretti espalhou ao longo da sua vida como técnico e como instrutor é o da movimentação como a principal arma para desmobilizar a marcação adversária. E isso passa tanto por quem está sem a bola quanto quem está com a bola. Em seus cursos, ele comentava sobre a importância da movimentação antes de receber a bola:

“(…) para desmarcar-se, tem que correr, mas só correr não é desmarcar-se. O atacante que corre faz o marcador correr e, portanto, desequilibrar-se, e quem marca desequilibrado, marca pior. Se estivermos de acordo até aqui, veremos que a simples ação de correr é muito melhor que jogar parado, facilitando a marcação, mas como já citei, a chave é para onde e como corremos, levando o adversário a um espaço da quadra e quando ele pensa que nos tem sob controle, paramos a corrida, mudamos a direção, e mudamos novamente, e paramos e corremos e fintamos, como num jogo de futsal de gato e rato. Claro que o atacante, enquanto corre está pendente a bola, que a qualquer momento pode receber de seu companheiro, mas enganar o adversário é o que chamamos de saber correr”.

A movimentação específica acima estava referenciada para o jogador sem a bola, mas a instrução sobre estar com a bola e, mais importante, como receber a bola, também é fundamental. Segundo o treinador, um dos aspectos mais importantes para se manter em um bom ataque é nunca receber a bola parado. É um fundamento tático crucial.

Segundo os ensinamentos de Ferretti em seu curso, a movimentação é fundamental no momento antes de estar coma bola, para desmobilizar o adversário, mas também no ponto chave do ataque, o recebimento da bola. Na medida que a movimentação do jogador que vai ao encontro da bola exige um deslocamento ou, no mínimo, a atenção do adversário que o marca, isso inibirá o seu equilíbrio e, portanto, dificulta a marcação.

Esse é um conceito que vemos muito não só no futsal, mas no futebol de campo, adaptado. O domínio direcionado é uma adaptação disso: é preciso receber já em movimento para poder direcionar o próximo movimento como se quer. Ao receber parado, o jogador facilita a marcação e atrasa a jogada do time. É um conceito que passou a ser chamado no futsal por “entrar na bola”, ou seja, o jogador vai ao encontro da bola, nunca a espera no pé. Ele recebe a bola a empurrando na direção desejada, dando fluidez e velocidade ao movimento.

O recebimento é parte do processo, mas a partir do momento que o jogador tem a bola, a movimentação precisa seguir e andar com a bola. Ao se movimentar antes de receber a bola, receber a bola indo ao encontro dela e dar sequência ao movimento imediatamente, a ideia é manter a defesa adversária em um constante desequilíbrio. Afinal, como ele mesmo descreveu acima, quando o marcador está em desequilíbrio, marca pior. Totaliza, assim, a ideia de se movimentar para receber a bola, receber a bola indo ao encontro dela e andar com a bola. O jogo nunca deve estar parado.

Até por isso, o seu conceito defensivo se baseia justamente no equilíbrio, com a ideia de um triângulo, atrás da linha da bola, que tem como base o desarme, acompanhamento, equilíbrio e retomada do equilíbrio. Quanto mais equilibrado você estiver posicionando o adversário dentro da zona que você designou, maior a chance de recuperar a bola.

Essa é apenas uma das muitas lições que o mestre do futsal brasileiro deixou. Quando era técnico do Santos, um dos grandes formadores do futebol de campo do país, em 2011, Ferretti sustentou a ideia que a formação nas categorias de base do futsal é um pilar para o esporte em si, mas também para o futebol de campo. Para ele, o trabalho de formação do Santos nas suas categorias de base de futsal era um dos fatores que ajudava o clube a ser também um grande formador no futebol de campo. Um argumento que faz todo sentido e deve ser olhado com carinho em tempos que temos cada vez mais a formação de base relegada a campos de futebol Society a garotos cada vez mais jovens.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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