Zagueiro ex-São Paulo alega abandono do São Caetano e tenta retomar carreira na Itália
Matheus Vieira já deixou Beraldo no banco e agora atua na Quinta Divisão da Itália após drama com lesão
Matheus Vieira acorda às 8h da manhã e só tem tempo de tomar café e se vestir antes de sair para pegar o ônibus das 9h rumo à estação ferroviária de Fano. De lá, parte no primeiro dos dois trens que o levam até a pequena cidade de Monte San Giusto a tempo de chegar para o treino das 15h. O brasileiro participa da atividade ao lado dos companheiros de Sangiustese, clube da Quinta Divisão do Campeonato Italiano, e depois ainda lhe resta percorrer toda esta saga no caminho inverso. Já passam das 21h quando ele chega de volta a sua casa — quando não há atrasos no transporte público. Apenas para dormir e repetir tudo isso no dia seguinte.
Esta é a rotina do zagueiro, que passou pelas categorias de base do São Paulo e do Cruzeiro, desde o início do ano. Sinônimo de sucesso para muitos jogadores que deixam o Brasil cedo após breves passagens por seus clubes formadores, o futebol europeu é a chance de um renascimento para o jovem de 22 anos.
As pessoas acham que só porque está na Europa, saiu do Brasil, que a gente tem uma vida boa. E não é desse jeito. Eu vim no intuito de estar recomeçando. Eu estou recomeçando. Fazendo o caminho inverso. Eu sou grato de poder ter essa oportunidade. De estar jogando aqui” (Matheus Vieira)
Para o zagueiro que já deixou Lucas Beraldo no banco de reservas do time sub-20 do São Paulo, a quinta divisão da Itália é a grande oportunidade da vida. Uma chance, aliás, que ele achou que nunca mais iria receber após viver um 2023 traumático. Muito antes de chegar ao Velho Continente para batalhar por seu espaço, Matheus Vieira teve de lidar com o abandono do São Caetano no ano passado.
Zagueiro alega abandono do São Caetano
O clube do ABCD paulista buscou a contratação do defensor em novembro de 2022, como reforço para a disputa da Série A2 do Campeonato Paulista do ano seguinte. Matheus iniciou os treinamentos pelo Azulão no mês seguinte, mesmo antes de assinar contrato com a equipe. Trata-se de uma prática comum de times de divisões menores em estaduais, que costumam firmar vínculo com atletas apenas às vésperas do início da competição.
Por ironia do destino, o zagueiro sofreu uma grave lesão no joelho na semana anterior à estreia na Série A2, após uma dividida durante um treinamento. Foi a partir daí que a esperança do jovem de fazer uma boa competição pelo São Caetano deu lugar ao drama que acabou com a sua temporada em 2023. O clube decidiu não assinar o contrato com o defensor para não perder uma vaga de atleta inscrito na competição. Era apenas o início de uma avalanche de problemas.
Matheus recebia apenas o dinheiro da condução para ir de Santos a São Caetano Sul diariamente fazer alguns exercícios de fisioterapia e fortalecimento necessários para realizar a cirurgia no joelho na dependência do clube. Este foi o único suporte que o atleta recebeu do clube após a lesão.
— Quando eu machuquei, eu fui lá para receber, para saber se ia conseguir receber o que tinham prometido antes de assinar o contrato. Nisso, eles só falaram para mim que iam continuar pagando o transporte. Só que quando eu machuquei, chegava o momento do pagamento, e eles falavam que iam pagar depois. Para os outros, eles tinham pagado, e para mim, nunca chegava. E aí, acabei deixado de mão. Eu recebi só uma vez desde que cheguei ao São Caetano, e eu ainda tinha ficado no clube depois da cirurgia para desinchar e fazer o pós-operatório — conta Matheus, em entrevista exclusiva à Trivela.
“Foi um processo muito desgastante que eu imaginei que nunca ia passar, por um clube que já disputou final de Libertadores. Teve uma história antes. Nunca imaginei que pudesse passar isso pelo São Caetano. Na época, eu acredito que deveria ter tido mais suporte”. (Matheus Vieira)
Matheus teve de realizar cirurgia pelo SUS
A falta de pagamento foi apenas uma das camadas do descaso alegado por Matheus. Além de não receber, o zagueiro diz ter vivido dias de indefinição e apreensão enquanto esperava uma decisão do clube sobre a cirurgia. Sem o aval e o suporte do São Caetano para arcar com os custos do procedimento em um hospital particular, o jogador teve de recorrer ao Sistema Único de Saúde (SUS) para passar pela intervenção cirúrgica.
— Foram acontecendo algumas coisas muito desgastantes de poder tratar o joelho, de ter possibilidade de fazer cirurgia. Só que era muita indecisão, tanto da diretoria que não me dava uma resposta. Eu não sabia se ia operar ou não. E acabou operando por conta de um médico, o médico do clube, que tem contato com o hospital de Jabaquara, que é do SUS. E acabou me passando na frente para eu poder estar operando depois de dois, três meses — conta Matheus.
Após tanto descaso, Matheus decidiu entrar com uma ação contra o clube na Justiça do Trabalho para reinvidicar seus direitos. O processo segue sem resolução nos tribunais. Procurado pela reportagem da Trivela, o empresário Jorge Machado, atual presidente do São Caetano, disse não saber “quem é este jogador”.
— Foi pelos meus direitos. Não tenho nada contra o clube, contra a história. Contra o pessoal que trabalha lá. Eu tenho um carinho lá por eles, porque fiquei bastante tempo lá quando fiz a cirurgia. Mas eu fui buscar meus direitos. Até quando machuquei, a diretoria não veio conversar comigo sobre a minha situação. Eles não falaram nada para mim. Então fui buscar meus direitos. Eu só quero aquilo que eles deviam ter feito por mim na época, porque prejudicar minha carreira — diz Matheus.
Zagueiro fez recuperação sozinho antes de viver sonho na Itália
Matheus teve de realizar todo o processo de recuperação sozinho, sem o apoio do São Caetano. O zagueiro recorreu à ajuda de profissionais de fisioterapia e preparação física com quem ele trabalhou nas categorias de base do São Paulo e do Cruzeiro para saber que exercícios e procedimentos deveria adotar durante o tratamento. Foi um período tão difícil que o atleta cogitou abandonar a carreira por não saber se conseguiria readquirir a condição física necessária para atuar.
— Eu fiquei indeciso daquilo que eu queria mesmo para mim. Eu não sabia o que ia acontecer comigo depois. Achava que meu processo de recuperação não ia ser aquele que depois eu poderia jogar novamente. Fui tirando dúvidas com fisioterapeutas que tive no São Paulo, e eles já me passaram alguns trabalhos para fazer na academia. Eu fui fazer meu processo. Sempre confiante que ia voltar a jogar. Meu filho me ajudou, minha namorada me ajudou, a família dela — ressalta Matheus.
“Bateu, bateu (o desespero). Tinha dia que o meu joelho falseava, sabe? Eu ficava: será que um dia eu vou voltar a jogar? Eu não sabia se era normal no processo de recuperação. Por isso que falava com os fisioterapeutas, que me deixava tranquilo e falavam que era o processo normal para jogar”. (Matheus Vieira)
A mudança para a Itália já estava nos planos da família e virou realidade graças à indicação de um ex-companheiro de São Paulo a um agente de jogadores italiano. O empresário o colocou no Sangiustese para disputar a Quinta Divisão.
— (Voltar a jogar) É uma emoção diferente. De dar alegria para a minha família. Muito importante isso. Eu sei que não estou ainda 100%, como antes, quando estava no Cruzeiro. Mas sei como eu posso chegar. Ainda sei do meu potencial. Meu objetivo é terminar bem a competição e como titular. E poder estar subindo de divisão, indo para uma Série D, Série C. Quem sabe receber oportunidade na Série B, Série A. Ou até, em outro país, como a Inglaterra. Tenho certeza que tenho esse potencial para atingir — afirma o sonhador Matheus Vieira.
Zagueiro já deixou Beraldo na reserva pelo São Paulo
Considerado um zagueiro promissor tanto no São Paulo quanto no Cruzeiro, Matheus Vieira foi titular durante boa parte de sua passagem pelas categorias de base dos dois clubes. O defensor chegou a colocar Lucas Beraldo na reserva do time sub-20 Tricolor e foi chamado por Fernando Diniz para alguns treinamentos no CT da Barra Funda.
A Raposa buscou a contratação do jogador em 2021. Naquele mesmo ano, Matheus foi relacionado por Vanderlei Luxemburgo para um jogo da Série B. A estreia como profissional parecia mera questão de tempo, mas a chegada de Ronaldo Fenômeno para transformar o Cruzeiro em SAF e reformular toda a estrutura do clube resultou em sua saída. O atleta ainda defendeu o Moto Clube em 2022, antes de ser contratado pelo São Caetano.