Difícil dizer o que é pior: O vexame do São Paulo ou o malabarismo para negar o vexame

Meus parabéns se você conhece um são-paulino que não ficou enraivecido com o desastroso adeus na Copa Sul-Americana. E mais parabéns se você conhece algum que fechou os olhos, os ouvidos e a boca para negar o caminhão de erros do time no empate por 1 a 1 contra o Defensa y Justicia dentro do Morumbi, que selou a terceira eliminação tricolor neste primeiro semestre. Admitir as falhas evidentes não significa pedir a cabeça de Rogério Ceni. Embora o ídolo insista em um modo desnecessariamente defensivo para tentar proteger o seu trabalho, quando seria muito mais franco não se refugiar em números que todo mundo (ou, ao que parece, quase todo mundo) sabe que significam pouquíssimo diante do peso do placar.
Qualquer um que viu o jogo no Morumbi, mesmo que um pequeno trecho, percebeu a inoperância do São Paulo na noite. A atuação no empate sem gols na Argentina já tinha sido muito ruim. Conseguiram piorar nesta quinta, mesmo com duas semanas livres para trabalhar nos treinamentos. O gol anulado de Lucas Pratto e o chutaço de Thiago Mendes para as redes, logo nos primeiros minutos, serviram apenas para enganar quem tinha a esperança de uma goleada são-paulina. Afinal, não demorou para que o Defensa y Justicia partisse para o ataque e arrancasse o empate. Depois de algumas chances criadas, Jonás Gutiérrez cruzou e o domínio mambembe de Andrés Ríos sobrou para Gonzalo Castellani fuzilar.
A partir de então, foram 80 minutos desesperadores ao São Paulo. A equipe da casa tinha a bola nos pés, mas não fazia absolutamente nada que levasse perigo à meta argentina. E, por mais que a posse fosse tricolor, o Defensa y Justicia vencia na tática, com uma equipe muito mais organizada na marcação e pronta para dar o bote quando tivesse a chance. Não à toa, as melhores oportunidades de marcar seguiram com os visitantes, nos contra-ataques. Renan Ribeiro fez boas defesas para evitar a virada de um adversário inferior na técnica, mas que demonstrava um vigor e uma concentração claramente superiores – aliás, diante dos insistentes erros defensivos dos brasileiros, algo recorrente na temporada.
A impaciência do lado são-paulino ficava evidente em diversos momentos, sem que se construísse as jogadas. As alterações pouco funcionaram. O esquema tático, em teoria ofensivo, não contribuiu em nada para as triangulações quando o jogo parecia um pouco mais aberto, e a mudança na formação não adiantou para o abafa quando a tempestade estava formada. A posse de bola se transformou em estatística negativa, por maior que fosse, pela falta de oportunidades claras. Já o tempo acabou sendo fatal, esfarelando-se rapidamente nas mãos de um time com o controle da bola, mas sem o controle de si e muito menos da partida.
Na saída de campo, muitos jogadores preferiram não falar. Entre os poucos que encararam os microfones, a maioria se protegeu e protegeu Rogério Ceni das críticas que viriam. Uma postura que pode não ser a ideal, mas é compreensível, de quem ainda estava com a cabeça quente e não conseguiria mensurar o furacão de críticas nos próximos dias. Mas o mesmo não pode acontecer com o técnico. O mesmo não pode acontecer com Rogério Ceni, um homem que lidou a vida inteira com os microfones, e precisa ter clareza sobre a situação durante a coletiva de imprensa. Ninguém vai esperar que o treinador achincalhe o próprio time, lógico que não. Mas admitir o que não deu certo não deveria ser problema, especialmente quando todos viram o que aconteceu.
Neste cenário, começou o malabarismo. Mais uma vez, como em outros tropeços neste início de ano, o comandante se apegou a números que podem ser importantes na análise do time para correções de erros nos bastidores, mas dizem pouquíssimo diante dos microfones, após uma eliminação tão retumbante. Especialmente, no retrospecto, que não evitou as três eliminações. Inclusive, ficou mais feio quando citou a queda do Cruzeiro para tentar apaziguar o próprio adeus na competição continental.
A diretoria do São Paulo banca Rogério Ceni. Natural, diante de uma figura que possui toda a sua aura dentro do clube e desfruta da confiança em seu projeto. O técnico diz que a imprensa não vê o seu trabalho nos treinamentos. De fato, podem existir conceitos que ainda estão sendo assimilados – embora sua ironia, para dizer que muitos jornalistas não entenderiam os métodos, saia para culatra quando se pensa que os próprios jogadores não vêm entendendo. Agora, também é fato que as coisas não funciona na hora que realmente está valendo. O time parece caminhar para trás nas últimas semanas, sem se resolver na defesa, sem demonstrar a mesma fartura no ataque. E isso todo mundo está vendo. Por mais que tente se dissimular depois. Por mais que o discurso busque fugir do que está escancarado.
O São Paulo inicia o Campeonato Brasileiro em xeque. O elenco aparece abaixo de outros concorrentes, a diretoria convive com mudanças e as três eliminações cobram uma campanha ao menos razoável, depois da decepção no último ano. Para tanto, os tricolores precisam aprender como o que não deu certo até o momento e olhar para frente. Só que o refúgio nas análises evasivas sinaliza o contrário. Cria mais insegurança na torcida e um ponto de interrogação obre a maneira como os são-paulinos darão a volta por cima na Série A. Rogério Ceni precisa ter a resposta.