Diante da dor, o futebol oferece seu abraço solidário e expõe o seu enorme lado humano

Não há como ignorar a dor do luto. A comoção causada por uma morte, mesmo que alheia, penetra o peito e torna natural se refletir sobre a vida. O luto causado por uma tragédia, por sua vez, gera um baque ainda maior. E acaba sendo inescapável pensar sobre todas aquelas vidas perdidas, sobre todos aqueles sonhos interrompidos, sobre o mundo de destinos que desapareceu. Mais difícil é imaginar o tamanho do desespero sentido por pais, avós, irmãos, companheiros, filhos, amigos. A dor incalculável, infelizmente, se repetiu nesta sexta-feira. Em resposta, ao menos, o futebol oferece a sua face mais solidária. Se o esporte é pretexto e tantas vezes metáfora ao que ocorre na vida, a morte desata uma empatia que raras vezes costuma se notar na humanidade. O futebol, afinal, é uma grande família. Diante da tragédia ocorrida no Ninho do Urubu, os sentimentos vêm de todos os lados.
É impossível permanecer impassível ao que ocorreu no Flamengo. Se em outras fatalidades relacionadas ao esporte muitas vezes se pensa na carreira de um atleta, desta vez fica escancarada a essência do que é um sonho de menino. Garotos, no florescer da adolescência, que ainda tinham muito a viver – sobretudo fora do futebol. Boa parte deles deixaram a família em busca de seu objetivo e se dedicavam completamente a algo que talvez nem desse certo. Talvez poucos ali se tornassem profissionais, mais raros empatainda os que construiriam uma carreira reconhecida. Mas todos eles tinham uma enorme vida pela frente, como futuros futebolistas ou não. Perdem-se não só ambições, perdem-se também sorrisos. Junto a eles, funcionários que trabalhavam para tornar esses desejos possíveis. Que viviam neste ambiente singular, para auxiliar os sonhadores. Eles, que refletiam sorrisos e os concediam, também se foram.
E em meio ao sentimento dos familiares que não cabe descrever ou adjetivar, porque apenas cada um sabe realmente o tamanho das profundezas em que se mergulha, resta o impulso natural de abrir os braços oferecendo o pesar. É o que o futebol faz, através de seus clubes, de seus personagens, de todos aqueles que se colocam no lugar das vítimas ou de quem perdeu uma pessoa importante no incêndio. É na tragédia que o futebol acaba mostrando a sua melhor cara. Mais do que isso, é na tragédia que o futebol se mostra como uma das melhores faces da humanidade, justamente porque não ignora o seu enorme valor humano. É o ambiente que aglutina nas alegrias ou nas tristezas. É o ambiente que deixa de ver cores ou camisas, para estender a mão, num gesto mínimo de alento ao vazio que nunca se preencherá.
O Rio de Janeiro, por si, possui um caráter particular dentro do futebol brasileiro. É o lugar onde as rivalidades são mais escrachadas, onde o senso ao redor das partidas vem da brincadeira, onde a alegria da tarde ensolarada no Maracanã é tão patente. E que nem por isso deixa de olhar sério ao que acontece, transformando os rivais em grandes irmãos. Seria assim que Vasco, Fluminense e Botafogo se posicionariam ao que ocorreu com o Flamengo. Todos declararam o seu lamento. Todos respeitaram o seu minuto de silêncio. Todos se colocaram no lugar do outro.
A atitude mais contundente veio do Fluminense. Os tricolores suspenderam as suas atividades nesta sexta e cancelaram o treinamento. Também publicaram um comunicado pedindo que o clássico não fosse realizado, algo atendido pela FERJ, com o adiamento de todas as partidas marcadas para o final de semana no Rio de Janeiro. Nada mais correto. O Fla-Flu das cores, das bandeiras tremulando e do Maracanã cheio perde totalmente o sentido diante do que aconteceu no Ninho do Urubu. Fla e Flu são mesmo sangue, são irmão do futebol.
A solidariedade, cabe dizer, não se limitou ao Rio de Janeiro. Ao longo desta sexta, clubes de todos os cantos do Brasil manifestaram e continuarão manifestando as condolências por conta da tragédia. Todos os quatro grandes paulistas se posicionaram. O Corinthians aderiu uma imagem negra, em luto. O Santos passou a usar em suas redes sociais uma fita rubro-negra, em que fica ainda mais clara a mensagem. No Rio Grande do Sul, o Internacional fez o mesmo ao substituir o vermelho pelo preto e lamentou o ocorrido, ao lado do Grêmio. Atlético Mineiro e Cruzeiro, que encararam outras dores recentes, se uniram na mesma voz. O Ceará, que compartilha tantos torcedores com o Fla, decretou luto de três dias e viu o pesar se espalhar também por Fortaleza, Bahia, Vitória, Santa Cruz, Náutico, Sport. Qualquer debate relativo ao futebol se torna menor, quando a bola que rola é o menos importante agora.
E não seria diferente com a Chapecoense, que há pouco mais de dois anos recebeu o apoio de todos. Em suas redes sociais, o clube postou uma imagem da camisa verde ao lado da rubro-negra, bem no gramado da Arena Condá. “Força, Flamengo! Estamos muito tristes e abalados com a notícia do incêndio que atingiu o Ninho do Urubu, deixando inúmeras vítimas. Externamos nosso desejo de força aos irmãos do Flamengo e a todos os familiares dos atingidos. Nossos pensamentos e orações estão com vocês”, apontaram os catarinenses. A dor próxima humaniza ainda mais, como havia sido com Torino e Manchester United naquele novembro de 2016.
Ao redor do mundo, o incêndio resultou em outras mensagens. Pep Guardiola se manifestou na coletiva de imprensa do Manchester City: “Sinto muito. As minhas sinceras condolências aos familiares das vítimas da tragédia no incêndio no Flamengo. Enviamos o nosso apoio neste momento difícil e espero que situações deste tipo, jamais voltem a acontecer”. Luto inescapável também a Real Madrid e Milan, novas casas dos outros meninos que serviam de exemplo às vítimas no Ninho do Urubu. Os merengues publicaram uma nota oficial lamentando o episódio. Já o técnico Santiago Solari apontou que Vinícius Júnior ficou abalado. ”Está afetado, evidentemente. É sua casa. São notícias tristes para todos. Enviamos nosso carinho”, afirmou. O atacante, mais do que qualquer outro, se coloca no lugar daqueles garotos.
E se o momento é de pesar, também é de apuração das causas do incêndio, determinando responsabilidades ou as razões da fatalidade. O que se foi na tragédia é irreparável, sobretudo aos familiares, que merecem amplo apoio a partir de agora – e que não pode se esvair com o tempo. De qualquer maneira, eles merecem respostas. O futebol oferece o abraço, mas também precisa dar o maior suporte possível e preservar a memória. Que a empatia e o respeito durem muito além da dor do luto.
Hoje não há clima para treino. As atividades do dia foram canceladas. Jogadores e membros da comissão técnica se solidarizam com as vitimas e familiares da tragédia que aconteceu no Ninho do Urubu. O Fluminense Football Club decretou luto oficial de três dias. #ForçaFlamengo. pic.twitter.com/TLvdyghygq
— Fluminense F.C. (@FluminenseFC) 8 de fevereiro de 2019
#ForçaFlamengo pic.twitter.com/8wXRhZ4gP4
— #AquiÉVasco (@VascodaGama) 8 de fevereiro de 2019
Hoje não tem rivalidade, não tem disputa, não tem vitória. Estamos todos derrotados e a dor é muito grande. Força ao @Flamengo, às vítimas e a todas as famílias das pessoas envolvidas na tragédia do Ninho do Urubu. ??
Imagem do duelo entre as equipes Sub-15. #ForçaFlamengo pic.twitter.com/yOcEVPTqHx
— Botafogo F.R. (@Botafogo) 8 de fevereiro de 2019