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CRÔNICA: O maior legado que Pelé nos deixa são os sentimentos que causa nos apaixonados por futebol

Pelé transformou o futebol e se tornou o seu maior símbolo. As lágrimas enchem nossos olhos hoje, mas os sentimentos que Pelé nos causa serão eternos até a quem nem nasceu ainda

Uma frase que repetimos muito no futebol é que nenhum jogador é maior que o clube que atua. Repetimos porque é verdade. Só que há uma exceção. Pelé é maior do que o gigante Santos. É maior que a seleção brasileira. Por Deus, é maior que o futebol em si. Não existe futebol sem Pelé. Pelo mundo, a morte de Pelé deixa descrições maravilhosas sobre quem é o jogador, o símbolo e o craque que inspirou milhões e tornou o futebol tão gigantesco. Há influência imensa de Pelé no futebol dentro de campo, pelo gênio que foi, fora de campo, revolucionando até o marketing esportivo, mas o seu maior legado é intangível: o sentimento que ele causa em cada um dos milhões de amantes de futebol ao redor do mundo.

Uma das razões de Pelé ter se tornado tão gigantesco é sua capacidade de transcender. Tecnicamente, brilhante. Exibia excelência em todos os fundamentos. Mentalmente, era um gigante. Simbolicamente, era incomparável. Tudo que ele significou pelo que falou, por como agiu e como reforçou a presença e importância de um homem negro, no topo do mundo, referenciado e eternizado. O milésimo gol, em 1969, foi seguido de um pedido: cuidemos das nossas crianças. “Volto à lembrança para as criancinhas pobres, necessitadas de uma roupa usada e de um prato de comida. Ajudem as crianças desafortunadas, que necessitam do pouco de quem tem muito. (…) Pelo amor de Deus, o povo brasileiro não pode perder mais crianças”. Não seguiram teu conselho, Rei.

A forma como Pelé influenciou o futebol supera todas as barreiras. A começar pelo que mais brilha: o campo. “Pelé foi abençoado com uma mistura de atletismo supremo, habilidade e visão tática. Ele podia correr 100 metros em 11 segundos, chutar com as duas pernas e saltar mais alto que defensores mais altos. Sua pura fisicalidade e velocidade foram eletrizantes enquanto ele acertava o gol, ultrapassando ou simplesmente atacando as defesas enquanto conseguia manter a bola sob controle. Mas, incomum para um artilheiro tão prolífico, ele também podia ser um jogador de equipe”, escreve Gavin McOwan, no Guardian.

Pelé nunca jogou na Europa, algo que por vezes é levantado por alguns, especialmente na Europa atual, para diminuir seus feitos. É uma visão torta, porque naquela época não havia a distinção técnica entre a Europa e a América do Sul. Os clubes sul-americanos eram tão fortes quanto os europeus, às vezes até mais. Mas além disso, há um outro aspecto: Pelé nunca jogou na Europa, mas não foi por falta de tentativas. Os europeus queriam muito e fizeram o que era possível para ter o maior de todos nas suas fileiras.

Pelé em 2014 (FRANCK FIFE/AFP via Getty Images)

“Enquanto ele ainda era um adolescente, ricos clubes italianos tentaram convencê-lo a sair do Brasil, oferecendo uma proposta inédita então de US$ 1 milhão ao seu clube, o Santos, para ter a assinatura dele. Mas em 1961, o presidente do Brasil, Jânio Quadros, declarou Pelé como um ‘tesouro nacional não-exportável’, garantindo que ele continuasse no Brasil por quase duas décadas”, continua o texto do Guardian.

Os olhos mais modernos podem olhar para os 1.282 gols em 1.367 jogos com questionamentos típicos do mundo atual, e não da época. O Santos jogou em mais de 60 países, como mostra este mapa. O clube sabia que o modo possível de manter o maior jogador que o Brasil já tinha visto atuando por lá era assim: enchendo os cofres com amistosos por todo o mundo. Aliás, é uma das razões do clube não ter vencido mais títulos continentais: estava excursionando pelo mundo, em contratos que exigiam a presença de Pelé, ávidos por estarem ali para assistir ao maior jogador de futebol daquela e de todas as épocas.

Por vezes se diz que os jogos amistosos não contam, não são jogos oficiais. O jornal Guardian traz uma justificativa melhor. “Esses números são extraordinários por si mesmos, mas o fato que mais de 500 desses jogos terem sido amistosos jogados ao redor do mundo é um testamento da sua popularidade e o apelo de bilheteria”, explica o Guardian.

Explicar a grandeza de Pelé é uma missão ingrata. Como explicar o inexplicável? “A grandeza de Pelé é medida pelo simples fato que ele podia fazer do futebol um espetáculo de graça e beleza naturais tanto quando errava quanto quando marcava gols”, escreveu Phil McNulty, editor-chefe de futebol da BBC.

Em um país que tem Diego Maradona e Lionel Messi, dois dos maiores de todos os tempos, um dos grandes pensadores do futebol argentino – e por consequência, mundial – é César Luis Menotti. Seu veredito sobre o Rei é imenso. “Pelé foi o maior de todos. Para mim, é incomparável. É muito difícil que aparece outro Pelé”, afirmou César Luis Menotti, ao canal Todo Notícias, de Buenos Aires.

João Saldanha, que foi técnico de Pelé na seleção brasileira, descreveu Pelé de uma forma muito marcante. “Me pergunte quem é o melhor lateral direito do Brasil, eu direi Pelé. Me pergunte o melhor lateral esquerdo ou meio-campista ou o melhor centroavante. Sempre direi Pelé. Se ele quiser ser goleiro, será o melhor. Só há um Pelé”.

Pelé deu outro patamar para o marketing esportivo. Assinou um contrato com a Puma, na Copa do Mundo de 1970. Chamou a atenção do mundo ao baixar para amarrar os cadarços da sua chuteira, fazendo o mundo inteiro, pela primeira vez assistindo à Copa do Mundo ao vivo pela TV, olhar para as chuteiras. Isso foi só um pedaço da vida de influenciador, um verdadeiro influenciador, dentro de campo, fora de campo, para quem o viu jogar, para quem não o viu.

Tudo isso para tentar dar um pouco da dimensão do que é Pelé, do tamanho que tem Pelé, por vezes cobrado por coisas que só ele era cobrado, cobrado por maior combate ao racismo, cobrado por combate à ditadura. Pelé fez muito sendo Pelé. Foi enorme. E por isso mesmo, a sua partida deixa uma sensação de perda muito maior do que uma derrota pesada do nosso time.

Estamos há pelo menos um mês nos preparando psicologicamente para perder Edson Arantes do Nascimento. A doença parecia irreversível. Mesmo com a saúde tão comprometida, ninguém duvidava da capacidade de Pelé de também vencer. Por isso, a gente tentou se preparar, mas a verdade é que jamais estaríamos preparados para perder o maior de todos. Nunca estaremos preparados. Para nossa sorte, Pelé é eterno.

As lágrimas vão secar, a tristeza eventualmente será superada, embora nunca esquecida. Pelé seguirá conosco, para sempre. Para quem ama o futebol como amamos, perder Pelé é como perder alguém da nossa família, do círculo próximo. É um golpe fundo no peito, que dilacera e explode em lágrimas que não parecem cessar, ao mesmo tempo que não parecem suficientes para expressar tudo que sentimos.

Só podemos dizer: obrigado, Pelé. Obrigado por tudo, por tanto. Nosso coração está em pedaços, mas as memórias são eternas, os sentimentos ficarão conosco para sempre e isso ninguém nunca irá tirar de nós. Levaremos para a eternidade das nossas existências tudo que você nos trouxe, nos causou, nos fez sentir. E nos fará, ainda, muitas vezes porque a memória é eterna e nos acompanhará. Hoje, as lágrimas nos enchem os olhos. Para sempre, Pelé encherá nossos corações.

Pelé na capa da revista Placar (ADRIAN DENNIS/AFP via Getty Images)
Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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