De Gardel a Eronildo, terminou o calvário da torcida do Caxias
Depois de oito anos do rebaixamento e seis eliminações nos mata-matas da Série D, torcida do Caxias comemorou acesso para a Série C do Campeonato Brasileiro

¿Qué importa perderme mil veces la vida?
¿Para qué vivir?
No clássico “Por una cabeza”, Carlos Gardel canta sobre a frustração oriunda de apostar tudo em corridas de cavalo e mulheres. Mas reflete que, sem ambos, a vida não faria sentido.
Torcedor do Caxias, o engenheiro civil Gustavo Zanatta, de 40 anos, se inspira nesta letra para definir o relacionamento com o clube do coração.
Os últimos anos trouxeram muito sofrimento para a torcida grená, com eliminações doídas na Série D do Campeonato Brasileiro. Mas o calvário finalmente chegou ao fim no último sábado (2), com a vitória sobre a Portuguesa-RJ e o tão esperado acesso.
Eliminação atrás de eliminação
Desde o rebaixamento da Série C, em 2015, o Caxias participou de sete edições da Série D. Nas seis anteriores, foi eliminado nos mata-matas, sendo quatro nas quartas de final, que é a última etapa antes do acesso.
- 2016: Inter de Lages (2ª fase)
- 2018: Treze (quartas de final)
- 2019: Manaus (quartas de final)
- 2020: Mirassol (2ª fase)
- 2021: ABC (quartas de final)
- 2022: América-RN (quartas de final)
— Foi muito difícil. Eu estive nos jogos fora em cinco vezes destas seis situações. Em cada uma delas, a gente teve algum ingrediente que, por culpa do Caxias mesmo, de time, direção, comissão técnica, a gente perdia acessos muitas vezes para times que jogavam menos que o Caxias — relembra Gustavo, que faz parte do movimento “Democracia Grená”.
A última das eliminações, em particular, teve requintes de crueldade. Depois da vitória por 1 a 0 no Centenário, o Caxias chegou a abrir o placar no segundo tempo na Arena das Dunas, em Natal. Mas o América-RN buscou o empate, virou aos 43 e marcou o terceiro gol, que eliminou o Grená, aos 48 minutos.

— Isso começou a minar a moral da torcida. As pessoas começaram a desacreditar. Muitas vezes achavam, o que é engraçado, que sua própria influência era ruim para o clube. ‘Eu sou pé frio, então eu deixo de ir que o Caxias vai subir. A hora que subir eu volto' — explica Gustavo.
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Desistir? Jamais
Não foi o caso de Vitor Blauth. O vendedor de 28 anos faz parte do grupo de torcedores “Grená Mafu” .
— Tu fala de boca para fora: ‘ah, eu não venho mais, eu vou cancelar [a associação]. Mas tu escuta o barulho de qualquer jogo, seja até um amistoso, e automaticamente já está no Centenário — conta.
De fato, a torcida do Caxias se fez presente na busca pelo acesso. Tanto que detém a 3ª maior média de público da Série D 2023, atrás somente de Santa Cruz e Maringá. Depois de uma primeira fase morna, até por conta do desempenho oscilante da equipe, os grenás encheram o Centenário nos jogos dos mata-matas.
Público total:
- Caxias 1 x 1 Inter de Limeira (2ª fase – volta): 8.419
- Caxias 0 x 0 Ceilândia (oitavas de final – ida): 7.569
- Caxias 1 x 1 Portuguesa-RJ (quartas de final – ida): 10.305

Mas a definição do acesso ocorreu fora de casa, assim como nas três últimas ocasiões em que o Caxias chegou nas quartas de final, e fracassou. Desta vez a história foi diferente, ainda que tecnicamente o time pudesse ser inferior.
— Em outros anos eu particularmente estava até mais confiante, porque o time era melhor, saía em vantagem. Acabou que a gente ficou pelo caminho. Desta vez a gente sabia que o time não era tão bom quanto outros que já tivemos, mas os jogadores visivelmente tinham mais vontade, respondiam à gente. Pelo menos tentavam fazer algo para melhorar — comenta Vitor.
O Rio de Janeiro ficou mais lindo
Junto com outros grenás, Vitor encarou de ônibus os quase 1.500 quilômetros que separam Caxias do Sul do Rio de Janeiro. Foram cerca de 20 horas de viagem. Após a saída no final da manhã de sexta-feira, chegaram na capital fluminense às 6h de sábado.

— Voltar todos aqueles quilômetros sem o acesso seria algo bem triste. Mas felizmente deu tudo certo. O Eron nos salvou mais uma vez — celebra o torcedor.
Maior artilheiro de uma mesma edição de Série D, Eronildo dos Santos Rocha foi o grande responsável por tirar o Caxias do inferno. O 14º gol do centroavante na competição foi um dos mais importantes da história do clube. Aos 42 minutos do segundo tempo, ele converteu pênalti para dar a vitória por 1 a 0 e iniciar a festa grená no Estádio Luso-Brasileiro, na Ilha do Governador.

— A comemoração foi muito linda. Era criança, começando a trajetória no clube, comemorando. Os mais velhos, que estão mais calejados e mais maltrados pelo clube, sorrindo e chorando — conta Vitor.

O cenário não poderia ser mais simbólico. Era como se a cidade que tem braços abertos num cartão postal, como canta Herbert Vianna, abraçasse os torcedores do Caxias depois de tantos anos de sofrimento.
— A gente teve a possibilidade de comemorar no Rio de Janeiro, com toda aquela situação da vida carioca. Na Serra Gaúcha chove e faz frio, então ninguém fica na rua. É um clima diferente, uma cultura diferente, que a gente viu com muito bons olhos — destaca Gustavo.
A alegria quando transborda em lágrimas é a maior que existe! Difícil descrever esse momento, mas sem dúvida é um dos maiores da minha vida! Agora abriu a porteira, quem venham mais! Obrigado @sercaxias ! pic.twitter.com/SyZdwXxlAU
— Gustavo Zanatta (@gustavo_zanatta) September 2, 2023
Festa, também, em Caxias
Evidentemente, a festa também agitou as ruas de Caxias do Sul. A praça Dante Alighieri, tradicional ponto de celebração da cidade, foi tomada por grenás, que colocaram para fora emoções reprimidas durante anos. No domingo (3), carreata conduziu os jogadores do Aeroporto Hugo Cantergiani até o Centenário.

A expectativa dos torcedores que estavam no Rio de Janeiro, como Vitor e Gustavo, é de comemorar outros momentos assim com os seus, na Serra Gaúcha. Pode acontecer ainda neste ano, já que o Caxias segue na briga pelo título da Série D. Mas o clube já pensa em aproveitar o impulso do acesso para retornar à Série B, a qual disputou pela última vez em 2005. Seria quase o paraíso para quem tanto sofreu, mas seguiu resiliente.