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Brasil joga mal, perde, mas mais que isso é preciso responder: para que serve o Mundial Sub-20?

Elenco atende muito mais às demandas dos clubes e dos projetos pessoais que a formação de um time ou a lapidação de talentos para a equipe principal

A seleção estreou no Mundial Sub-20 com um elenco que é menos uma escolha da comissão técnica da CBF e mais um resultado das definições dos principais clubes do futebol brasileiro. Isso não é exclusividade da equipe do Brasil nem responde totalmente à atuação tão ruim diante da Itália, mas é preciso ser levado em conta quando o público assiste a um elenco que atende muito mais às demandas dos clubes e dos projetos pessoais que a formação de um time ou a lapidação de talentos para a equipe principal.

O bloco de anotações de Ramon Menezes possivelmente tem mais cortes do que certezas. Existe uma turma que já não foi liberada nem para o Sul-Americano do início do ano, como Beraldo, zagueiro que se firmou como titular do São Paulo, ou a dupla Victor Hugo e Matheus França, importantes num novo momento do Flamengo. Tem quem jogou o torneio continental, mas não ficou disponível para a Copa do Mundo, como Vitor Roque, do Athletico-PR.

Há casos como o de Pedrinho, do Corinthians, que participou do time campeão em fevereiro, voltou ao clube com moral e acabou vetado da convocação de abril, mas participou só de dois jogos no Brasileirão – Geovane e Guilherme Biro foram. No Palmeiras, uma inversão curiosa: liberou Geovani, que havia sido desconvocado em janeiro, mas segurou Luis Guilherme, que estava no Sul-Americano e tem entrado nos jogos do atual campeão brasileiro nas últimas semanas. Sobre Endrick, Ramon provavelmente já sabia do veto, mas neste caso ele precisou trabalhar com o jogador que Abel Ferreira topou oferecer à vitrine no momento.

Marcos Leonardo, em entrevista às vésperas da estreia, foi mais explícito. “Posso, sim, arrebentar nesse Mundial e não voltar para o Santos”. Ele não havia sido liberado para o Sul-Americano no início do ano, e passado o Campeonato Paulista o Peixe mudou a estratégia sobre o jogador ­– é evidente que não surpreenderá se chegar uma boa proposta e o jovem for negociado no verão europeu.

Andrey Santos é um caso ainda mais peculiar. Foi vendido para o Chelsea, que topou emprestá-lo de volta ao Vasco sob a condição de deixá-lo disputar o Mundial Sub-20. Acontece que há também uma crise entre jogador e clube por conta da negociação, relacionada a comissões, valores e repasses do acordo com o futebol inglês. Como o time carioca quis usá-lo até o limite, ele, o capitão do time, foi o último a se apresentar para perder o menor número possível de jogos do Brasileiro. E agora pode nem voltar, já que tem contrato apenas até 30 de junho depois de retornar ao Brasil apenas por conta de não ter o visto de trabalho aprovado na Premier League. Ou seja: ele joga por ser do Chelsea (seria liberado se fosse jogador do Vasco?), para ser do Chelsea a partir de julho e por um combinado que passou pela exigência do… Chelsea. Uma convocação de véspera, à margem da decisão técnica, ainda que, claro, neste caso, Andrey tenha bola e campo para estar na lista como um dos principais nomes do elenco.

Do jogo contra a Itália, além do vascaíno, outros jogadores já fizeram essa primeira transferência à Europa. Arthur está fechado com o Bayer Leverkusen, Robert Renan já vem atuando com destaque pelo Zenit, Matheus Martins virou o ano já como atleta do Watford, Marquinhos é jogador do Arsenal emprestado ao Norwich, e Sávio trocou o Atlético-MG pelo PSV há alguns meses. Os demais sabem que o desempenho na Argentina está completamente ligado ao seu futuro a partir do mês que vem, de forma mais clara e direta do que nunca, inclusive sob risco de, em caso de eliminação precoce e mau futebol, serem taxados como desvalorizados para o mercado profissional europeu, mesmo dando ainda os primeiros passos da vida adulta.

Alguém vai dizer que foi sempre assim. Mais ou menos. Ronaldinho Gaúcho foi campeão estadual em junho de 1999, aquele confronto dos dribles em Dunga no Grenal, em torneio em que ele desfalcou o time em abril, quando foi jogar o Mundial Sub-20 na Nigéria. Depois jogou a Copa América e a Copa das Confederações do mesmo ano pela seleção principal, o pré-Olímpico de 2000 em janeiro e os Jogos em Sidney em setembro, tudo em tempo de voltar e arrebentar na Copa João Havelange do mesmo ano, quando chegou às semifinais.

Neymar, titular absoluto da seleção brasileira principal no segundo semestre de 2010, foi ao Sul-Americano de base no início de 2011. Não jogou o Mundial, no meio do ano, porque foi convocado (assim como Lucas, do São Paulo) para a Copa América. Semanas antes, ganhou a Libertadores da América pelo Santos que, com sondagens e propostas dos maiores times do mundo, anunciou o fico do seu grande craque em novembro daquele ano. No fim o grande nome daquela Copa do Mundo Sub-20 foi Oscar, que era titular do Internacional no início de Brasileirão e nem por isso deixou de jogar o Mundial da categoria.

Na última campanha do Brasil, o vice-campeonato em 2015, Gabriel Jesus ainda não era protagonista no Palmeiras, mas depois de ser usado várias vezes como substituto no Paulistão tinha acabado de ser titular pela primeira vez, no Brasileiro. Malcom, que seria campeão brasileiro pelo Corinthians meses depois, era titular da equipe de Tite nas semanas antes de viajar à Austrália, onde foi reserva do time de Micale. Jogadores bem importantes em clubes grandes do país.

Cada caso é um caso, e ninguém está isoladamente certo ou errado nessa história. O calendário é implacável e os técnicos dos clubes têm todo direito de planejar a temporada contando com seus atletas formados em casa, ainda mais na agenda atual em que o torneio pega Brasileiro, Copa do Brasil e Libertadores ou Sul-Americana. Também precisam cuidar dos contratos e da carreira de seus pupilos. Mas a situação chegou no limite. A seleção brasileira não deveria ser tratada como um estorvo ou um plano B. Os torcedores de futebol não deveriam nutrir pela camisa amarela o sentimento de que ela atrapalha seus respectivos times ou quebra a sequência de suas promessas. Os jogadores deveriam ter melhor respaldo sobre o privilégio de defender o time nacional, grande sonho de dez entre dez meninos que querem viver de jogar bola, sem que isso seja uma mera contingência de mercado. E as equipes de formação poderiam ser mais leves, menos especulativas, do que um chamado que já carrega o fardo inevitável de estar liberado à prateleira pelo seu clube formador.

A estreia

O Brasil fez um primeiro tempo bastante ruim. Não só ofereceu muitos espaços ao time da Itália como não conseguiu a aproximação dos seus jogadores de frente. Perdia as principais disputas e principalmente não mostrou a concentração coletiva que o nível do jogo exigia. Os europeus nem precisaram ser brilhantes para abrir larga vantagem no placar.

No primeiro gol, por cima, a recomposição brasileira só assistiu ao ataque italiano, que ganhou a primeira bola de cabeça com Casadei, jogador do Chelsea que disputou a última Championship pelo Reading, e marcou na segunda trave com Prati, outro talentoso jogador de divisão de acesso, que acaba de jogar a Série B de seu país pelo SPAL.

Pouco depois, o goleiro Mykael saiu mal em cobrança de escanteio, a Itália foi novamente mais inteira na disputa área e ampliou com o Casadei. Na sequência ele sofreu um pênalti de Arthur e bateu para fazer o terceiro. O Brasil perdia de muito aos 35 minutos do primeiro tempo e era evidente uma necessidade de mudar a postura, sendo um time pouco competitivo e desatento demais até ali.

Ramon voltou com mudança na ponta-direita, trocando Giovani por Savinho, e também tirou o camisa 10, Matheus Martins, que deu lugar a Marquinhos. Na sequência vieram Kevin, na vaga de Guilherme Biro na ponta-esquerda, e Matheus Nascimento, mais um homem de frente, no lugar do volante Marlon Gomes. A partir dali, por volta dos 20 minutos do segundo tempo, pelo menos o time passou a chegar com mais gente e abafar os rivais em busca do gol. Eram praticamente cinco atacantes em campo.

Matheus e Marcos Leonardo fizeram uma tabela (finalmente) e por pouco não diminuíram. Depois um bololô na área terminou num chute mascado que encontrou Marcos Leonardo para fazer o primeiro do Brasil. Já aos 41, cruzamento de Savinho e ótimo cabeceio do atacante do Santos, que marcou o segundo dele no jogo. E foi só: vitória da Itália por 3 a 2. Fica uma sensação de ter evitado o baixo astral de uma goleada, mas não que a seleção também tenha conseguido criar a ponto de empatar. A comemorar apenas o prejuízo menor no placar e no humor do elenco.

No outro jogo do grupo, a Nigéria ganhou da República Dominicana por 2 a 1. É difícil imaginar que o Brasil possa jogar tão mal como a primeira meia hora da estreia no estádio Malvinas Argentinas. Pega quarta os dominicanos, às 18h de Brasília, e sábado os nigerianos, às 15h. “Voltamos melhor, conseguimos fazer dois gols, e agora é aprender com os erros. Não é como começa, é como termina. Vamos ser campeões”, disse um otimista Marcos Leonardo na saída do campo.

Foto de Paulo Junior

Paulo JuniorColaborador

Paulo Junior é jornalista e documentarista, nascido em São Bernardo do Campo (SP) em 1988. Tem trabalhos publicados em diversas redações brasileiras – ESPN, BBC, Central3, CNN, Goal, UOL –, e colabora com a Trivela, em texto ou no podcast, desde 2015. Nas redes sociais: @paulo__junior__.
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