A inclusão de punições a racismo no Regulamento Geral de Competições é um passo no muito que pode ser feito pela CBF
Demorou para a CBF incluir punições a racismo em seus regulamentos, e a entidade não pode se acomodar apenas neste primeiro ato

Tantas e tantas vezes, os casos de racismo não receberam o rigor necessário no futebol brasileiro. Há episódios emblemáticos nos quais a CBF foi muito branda ou agiu apenas “para inglês ver”. Nos últimos meses, ao menos, a entidade tem lançado iniciativas para discutir o racismo nas competições nacionais e atuar de forma mais contundente. Nesta linha, a confederação estabeleceu nesta terça-feira uma gama de punições para episódios de racismo. As sanções vão desde multa até a perda de pontos. O Regulamento Geral de Competições não era específico sobre penalizações por racismo.
A decisão foi tomada durante o Conselho Técnico da CBF. Caso um clube não tenha sido punido anteriormente por racismo em suas arquibancadas, será apenas multado. O valor não foi divulgado. Já em caso de reincidência, ocorrerá perda de mando ou então jogos com portões fechados. Somente no terceiro episódio de racismo é que acontecerá a perda de pontos na tabela.
Apesar da novidade no Regulamento Geral de Competições, a Justiça Desportiva já previa punições por racismo em seus códigos internos. Jogadores e treinadores estão sujeitos a suspensões de cinco a dez partidas em caso de qualquer tipo de discriminação. Já para os torcedores, caso o ato seja praticado “simultaneamente por considerável número de pessoas”, o clube pode perder pontos ou mesmo ser excluído de mata-matas.
“A luta contra o racismo tem pressa. Medidas vêm sendo discutidas há séculos e nunca colocadas em prática. A CBF está fazendo a sua parte. Decidimos avançar ainda mais nas punições e podemos tirar até um ponto de um clube em uma das nossas competições”, declarou Ednaldo Rodrigues, presidente da CBF. “A discriminação racial é crime e nosso trabalho é jogar luz sobre o tema. A gente espera que realmente possa ter o apoio também de todos os clubes, de todos os torcedores, de todos os segmento da sociedade, de todos da imprensa, para que isso não fique apenas de uma forma decorativa. Além das sanções esportivas, todo e qualquer ato de racismo ou qualquer discriminação, a súmula da partida também será encaminhada para o Ministério Público e à Polícia Civil para que o processo não morra apenas na esferas esportiva. E que os infratores também sejam punidos pela lei”.
A grande dúvida será sobre a efetividade dessas medidas no Regulamento Geral de Competições. A concessão à reincidência não parece ser dura o suficiente e lembra inclusive os inúteis avisos nos alto-falantes que geralmente ocorrem na Europa. Outro ponto que precisa ficar claro é a responsabilização do clube e o grau de comprometimento com as medidas. Agremiações que agirem de maneira conivente com a discriminação não deveriam esperar tanto por sanções mais pesadas. Outra questão central é se haverá uma fiscalização mais efetiva para identificar ataques racistas. Também se não encontrarão um jeito de atenuar os casos. A CBF precisa estabelecer critérios claros para evitar manobras.
É fundamental que a CBF colabore com as autoridades para identificar os agressores e permitir que sejam julgados na esfera criminal. Além disso, precisa existir uma diretriz mais clara de ação em relação aos clubes, para que punições também ocorram aos indivíduos na esfera esportiva, como banimento dos estádios. A CBF se mostra aberta para agir de forma mais profunda contra o racismo, algo que 99% das entidades esportivas não fazem. Entretanto, esse primeiro anúncio só terá efeito quando realmente se notar mais efetividade na prática.
O mérito da decisão do Conselho Técnico é botar no papel as punições para racismo e evitar inclusive qualquer resistência dos clubes, diante dos riscos que correm. É óbvio que demorou para isso acontecer, mas antes tarde do que nunca – e, neste ponto, o presidente Ednaldo Rodrigues tem sido bastante pró-ativo. Cabe agora à CBF não achar que isso é suficiente e ampliar medidas, bem como discussões. Desde o último ano, a entidade promove eventos para debater o racismo. Em conjunto com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, a entidade realizou em agosto o Seminário de Combate ao Racismo e à Violência no Futebol, com vozes importantes para orientar soluções e aprofundar a abordagem.
A caminhada é longa, também para que a CBF vire exemplo ao futebol mundial e se insira de maneira mais forte para pressionar a inação de outras entidades esportivas. Está claro como os jogadores negros do Brasil são vítimas recorrentes de racismo em outros países, e a confederação brasileira precisa ser um elemento de defesa de seus atletas, bem como de cobrança às autoridades estrangeiras. São passos ambiciosos, mas por enquanto o planejamento dentro do país só começa a engatinhar.