Brasil

A escolha de Paulo Pezzolano pelo Cruzeiro valoriza bola e campo, mas dependerá de respaldo às ideias do uruguaio

Pezzolano possui uma carreira curta como treinador, mas de momentos marcantes e uma ideia de jogo que privilegia o trato com a bola

O Cruzeiro é mais um clube brasileiro a confiar num técnico estrangeiro para 2022. A missão na Toca da Raposa não é das mais simples, considerando o terceiro ano consecutivo na Série B, mas há um sopro de esperança com a mudança de comando e a chegada de Ronaldo – apesar também das muitas indagações sobre o projeto de clube-empresa. E outra nova face neste momento celeste é também o técnico Paulo Pezzolano, que chega com boas credenciais a Minais Gerais. O uruguaio conquistou o acesso com o Torque e viveu momentos históricos com o Liverpool em seu país, antes de ser reconhecido pelo futebol apresentado no México com o Pachuca. Lidará com uma pressão inédita em sua carreira, mas, por bola e campo, se supõe como uma escolha interessante.

Pezzolano teve uma carreira rodada em seus tempos de meia. O uruguaio atuou em diversos clubes do seu país, incluindo o Peñarol, embora a relação mais forte tenha sido construída no Liverpool. Além disso, vivenciou experiências no exterior com Mallorca e Necaxa, assim como atuou por seis meses no Athletico Paranaense em 2006. Foi o que serviu de ponte rumo ao Cruzeiro, através do ex-companheiro Paulo André, que trabalha como executivo no Valladolid e o aproximou de Ronaldo nas negociações mais recentes.

Aos 38 anos, Pezzolano possui uma carreira breve como treinador, mas vitoriosa. O meia pendurou as chuteiras em 2016, quando defendia o Torque, para assumir a equipe na segunda divisão do Campeonato Uruguaio. Em uma temporada, conquistou o acesso para a elite e abriu o caminho para que a agremiação fosse adquirida pelo City Group. De qualquer forma, o comandante tomaria outros rumos na primeira divisão. Assumiu já em 2019 o Liverpool, com o qual tinha acumulado três passagens em sua trajetória como jogador.

O sucesso de Pezzolano no Liverpool também seria rápido. A equipe terminou o Apertura de 2018 num honroso quinto lugar, posição também repetida no Clausura. Com a pontuação acumulada, os negriazules se classificaram à Copa Sul-Americana de 2019 e encerraram um hiato de sete anos fora das competições continentais. A participação no torneio da Conmebol seria breve, mas com a classificação sobre o Bahia, antes da queda para o Caracas. Ainda assim, o momento mais importante ocorreu mesmo no próprio Campeonato Uruguaio, com o primeiro troféu de elite erguido em Belvedere.

O Liverpool terminou novamente em quinto no Apertura de 2019. Já no Torneio Intermédio, os negriazules conquistaram o título. Numa decisão de clubes de bairro, contra o River Plate dirigido por Jorge Fossati, o time de Paulo Pezzolano conseguiu a vitória nos pênaltis. Seria o ápice de uma equipe que representava um rompimento no futebol uruguaio, por seu jogo cadenciado e de ênfase nos passes. Em sétimo no Clausura, o Liverpool se classificou novamente para a Sul-Americana. Foi quando Pezzolano aceitou uma proposta de fora e deixou os negriazules, que ainda seguiriam em alta com a conquista do Clausura de 2021, com Marcelo Méndez.

Pezzolano desembarcou no Pachuca em 2020, após a demissão de Martín Palermo, e tinha a missão de preencher a lacuna deixada tempos antes por Diego Alonso, que levou o clube à conquista do Campeonato Mexicano e da Concachampions. O novo técnico não faturou títulos, mas registrou boas campanhas em 2020/21. Alcançou as quartas de final no Apertura, quando foi eliminado pelo Pumas UNAM, e depois só sucumbiu nas semifinais do Clausura, para o futuro campeão Cruz Azul. E mesmo que as quedas fossem amargas, os Tuzos conseguiram superar nos mata-matas adversários de peso como Santos Laguna, Chivas Guadalajara e América. A situação desandou apenas no Apertura de 2021, quando o Pachuca não avançou aos mata-matas. Depois de cinco partidas sem vencer, Pezzolano acabou demitido em novembro, depois de dois anos no cargo.

Dentro de campo, Paulo Pezzolano possui um estilo de jogo propositivo. É um treinador que gosta de ver seu time como protagonista das ações, administrando a posse de bola e pressionando alto nas recuperações. Além disso, costuma privilegiar um 4-3-3 em que aproveita bastante as combinações pelos lados do campo e também as subidas dos zagueiros e volantes como elementos surpresa. Na teoria, a expectativa é boa se conseguir implementar tal padrão no Cruzeiro. Na prática, a margem de manobra não é tão grande, considerando a realidade do futebol brasileiro.

Um dos pilares do sucesso de Pezzolano no Liverpool, depois levado para o Pachuca, foi o goleiro Óscar Ustari. Rodado na Europa e em grandes clubes da Argentina, ele explicou que foi exatamente a ideia de jogo que o atraiu. “Sempre fui detalhista em jogar com os pés. Por essa razão, o estilo que Paulo adota me convenceu a vir para o Uruguai, porque ia me sentir parte importante no jogo”, declarou, após o título do Intermédio. “Somos protagonistas com a bola no pé. É difícil sustentar essa proposta, ouvimos os torcedores. Mas, se você analisa a forma de jogo que temos, foi isso que levou o Liverpool ao sucesso, porque nada é improvisado. Tudo se trabalha. Jogue quem jogar, quando é necessário entrar, sabe o que deve fazer. Há uma credibilidade no elenco, que nos faz jogar com tranquilidade. Quando o mais fácil seria dar um chutão, para nós essa é a última opção”.

Já Pezzolano afirmaria sobre seu padrão, ao jornal El Observador: “Creio que o Liverpool e o torcedor do Liverpool merecem esse estilo de jogo, que estou convencido que é o que vai levar às conquistas. Nós, uruguaios, somos fechados e nos custa mudar. Custa quando queremos sair jogando, porque pensam que queremos fazer isso para que pareça lindo. E não queremos fazer nada para ser bonito, mas para abrir a defesa adversária. Há que entender o jogo, que entender o entorno, o dia a dia”.

Pezzolano, de qualquer forma, ressalta a importância de se adaptar ao elenco e ao estilo do futebol local, algo que aconteceu no Pachuca. “Gosto de levar o time à zona alta, ter a posse, espaço para buscar o gol, mas no México encontramos um campeonato de transições e tínhamos que ser mais verticais. Isso é o que incorporamos, sermos mais verticais quando precisávamos. Haviam espaços para ser mais vertical. Eu quero um futebol de maior posse, mas se o rival me permite conseguir o gol rápido, vou fazer”, afirmou, ao jornal El País. “Não tive a sorte de ser campeão, fico com essa bronca interna, porque gosto de jogar um futebol de posse e toque, um estilo que o jogador gosta, mas também gosto de ganhar e isso nos faltou”.

No Cruzeiro, Paulo Pezzolano provavelmente lidará com as cobranças precoces que costumam surgir no Brasil, num calendário que não oferece muito tempo para respirar. Também trabalhará com um elenco que possui suas limitações, diante da maneira como o Cruzeiro precisa fincar seus pés no chão durante a reconstrução. E vai enfrentar um campeonato duro como a Série B, no qual a maioria dos adversários adota uma postura mais pragmática para obter sucesso. E isso tudo sem muita experiência no país. Dependerá principalmente do apoio oferecido pelos celestes no departamento de futebol, já que os humores no Brasil costumam ser voláteis.

O próprio Cruzeiro precisou lidar com mudanças de comando constantes nos últimos três anos, desde a campanha do rebaixamento na Série A. A Raposa experimentou de tudo em sua casamata, de medalhões como Felipão e Luxemburgo a apostas como Felipe Conceição e Mozart, passando ainda por nomes rodados nas divisões de acesso, a exemplo de Enderson Moreira e Ney Franco. Pezzolano será o primeiro estrangeiro no clube desde 2016, quando Paulo Bento não deixou muitas saudades. Chega respaldado pela direção e também bem recebido por muitos torcedores. Mas, até por suas ideias, dependerá de uma paciência que os problemas do Cruzeiro nem sempre oferecem.

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Sobre Pezzolano, vale ainda conferir o podcast The Pitch Invaders, gravado pelos amigos do Footure com o treinador uruguaio:

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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