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A despedida nos lembrou de que, antes de ser do Mundo, Pelé é do Santos, e é de Santos

Nascer, viver e no Santos morrer. Pelé teve esse orgulho

Pelé é do futebol brasileiro. Mas não apenas. É uma figura transcendental que rodou o mundo, parou guerra, foi amado, reverenciado e conhecido nos quatro cantos. Seria egoísmo da nossa parte reivindicar posse. Todos têm o direito de tê-lo como ídolo, de se identificar com o garoto negro que tomou a Copa do Mundo de assalto. A torcida do Santos também sabe disso e generosamente o compartilha com todos, porque uma coisa ficou clara durante as últimas 24 horas: antes de ser dos outros, Pelé é do Santos. E Pelé é de Santos.

Até seria apropriado se Pelé fosse velado em outro lugar. Poderia ser no Pacaembu (se não estivesse passando por reformas) ou no Maracanã, estádios com os quais tem uma forte relação. Mas nenhum pareceria mais natural do que a Vila Belmiro. É poesia histórica. Como nos anos sessenta, quando era casa do maior time do mundo, Santos voltou a ser a capital do futebol, mesmo que por apenas um dia.

Os torcedores jovens ocuparam as mesmas ruas onde seus pais e avôs caminharam para vivenciar as memórias que passaram adiante. Esses pais e avôs estavam lá. É curioso porque não há base científica nenhuma, mas existe o rosto de quem viu o Pelé jogar. Como se na feição estivesse exibido o privilégio de ter passado por uma experiência única. A melancolia de quem se lembra do primeiro dia em que atravessou o canal para ver o Rei. Outros nasceram tarde demais, ou não tinham condições de bancar os ingressos na época, mas ainda emanavam o orgulho de ter vivido nas redondezas da História. O orgulho de saber que o mundo voltou os olhos ao seu bairro, à sua cidade.

Torcedor do Santos observa o cortejo (Foto: CAIO GUATELLI/AFP via Getty Images/One Football)

Havia camisas de todos os clubes, mas a maioria esmagadora era do Santos. Um mar alvinegro caminhava para a Vila Belmiro, em certos aspectos como se fosse um jogo normal de campeonato. Em outros, nem tanto, porque o clima era de respeito. Quando o relativo silêncio era quebrado, geralmente a responsável era a torcida santista: “Mil gols, mil gols, só Pelé, só Pelé, que jogou no meu Santos”.

O momento marcante das 24 horas de velório será a Torcida Jovem, no meio da madrugada, no gramado da Vila Belmiro, ao lado do caixão, cantando e torcendo por Pelé como se ele ainda estivesse vivo, correndo, driblando e fazendo gols. As imagens que rodaram o mundo chegaram em preto e branco, não como nas principais fotos e lances do Rei, mas decorando a fila, o luto e o cortejo que atravessou as ruas de Santos nesta terça-feira, escoltado pelos santistas.

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Líderes, delegações estrangeiras, autoridades, personalidades e ex-jogadores compareceram ao velório de Pelé. A ausência de tetracampeões e pentacampeões, por exemplo, foi sentida, e por mais que fosse obrigação deles dar as caras, por respeito, não era isso que tornaria o momento especial. Em um mundo globalizado, em um futebol globalizado, a magia do velório do Pelé foi a exaltação do hiper-local. A protagonista de um evento mundial transmitido a dúzias de países por mais de mil jornalistas foi a torcida do Santos, o povo de Santos, a cidade de Santos.

A imagem a área da Vila Belmiro durante o funeral (Foto: Imagem aérea: Wagner Meier/Getty Images/One Football)

Pelé tem sua responsabilidade nessa ligação. Ele poderia ter se afastado de Santos. Poderia ter se afastado do Santos. Mas não o fez. Nutriu as raízes com a cidade e com o clube que tanto lhe deram. Manteve residência, manteve família e até presença, dentro do possível, mesmo quando já tinha status de lenda, e foi retribuído com uma linda festa de despedida, que primou por proximidade, intimidade e amor.

Porque, afinal, nascer, viver e no Santos morrer. Pelé teve esse orgulho.

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Foto de Bruno Bonsanti

Bruno Bonsanti

Como todo aluno da Cásper Líbero que se preze, passou por Rádio Gazeta, Gazeta Esportiva e Portal Terra antes de aterrissar no site que sempre gostou de ler (acredite, ele está falando da Trivela). Acredita que o futebol tem uma capacidade única de causar alegria e tristeza nas mesmas proporções, o que sempre sentiu na pele com os times para os quais torce.
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