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A demissão de Rogério Ceni era esperada, mas serve como remédio fraco para um São Paulo muito doente

Pela segunda vez, Rogério Ceni é demitido como técnico do São Paulo em um momento de crise técnica no clube que começa na incompetência da diretoria

Rogério Ceni foi demitido como técnico do São Paulo pela segunda vez. O clube anunciou nesta quarta-feira a saída do treinador em um comunicado. A demissão acontece no dia seguinte a uma vitória sobre o Puerto Cabello por 2 a 0 pela Copa Sul-Americana, em um jogo que o time não conseguiu jogar bem. A saída do técnico atende ao pedido de parte da torcida, além de servir como uma forma colocar na conta do técnico os problemas do clube, que vão bem além do campo.

A saída do técnico tem menos a ver com o resultado e mais a ver com um desgaste que acontecia há muito tempo entre o treinador e a diretoria. Ceni deixa o cargo depois de um ano e seis meses, com 106 jogos, 49 vitórias, 28 empates e 29 derrotas. O desempenho do time era ruim e foi dando corpo a uma vontade da diretoria de trocar de técnico, em um ambiente que se tornou quase de guerra. O técnico atacava a diretoria sempre que podia, enquanto o seu trabalho em campo se tornava cada dia mais questionável. A cama foi sendo criada, mas faltava algo para que acontecesse.

O trabalho de Ceni não vinha bem. O time não joga bem e a derrota na final da Sul-Americana pesou mais negativamente pela forma como aconteceu, com o time jogando muito mal. Para 2023, o técnico mexeu muito no elenco, mas não conseguiu trazer os jogadores que gostaria. Mesmo assim, chegaram muitos nomes. O de maior impacto foi Jhegson Méndez, meio-campista equatoriano que estava no Los Angeles FC e fez boa Copa do Mundo.

No total, o goleiro Rafael, o meia Wellington Rato, o zagueiro Alan Franco, o atacante David, o ponta/lateral Caio Paulista, o atacante Marcos Paulo, o atacante Erison, o atacante Pedrinho, o lateral Raí Ramos e o último foi Michel Araújo, meia. Ajudou a moldar as características do elenco ao que queria Ceni. Em campo, porém, as coisas não andaram. O time não conseguiu jogar bem e nunca conseguiu engrenar em 2023.

O campo, porém, serviu como uma desculpa para demitir Ceni. O desempenho era ruim, mas a relação do técnico com a diretoria era pior. As constantes cobranças do treinador por melhoras no clube, das áreas técnicas à infraestrutura, irritavam os dirigentes. As cobranças por reforços também. Episódios como a questão com Marcos Paulo, que virou uma discussão pública, aumentaram o desgaste. Se não com o elenco em sua maioria, ainda mais com a diretoria, que queria uma postura diferente. Tentou até vender a história que os jogadores não gostavam de Ceni, algo que ficou claro que não era o problema. As cobranças públicas de Ceni por reforços, ao mesmo tempo que os jogadores que chegaram não renderam, foram piorando a situação.

As cobranças da torcida, com a mais grave delas sendo a da Independente, fez com que a diretoria tivesse um certo aval para fazer o que já queria. Demitir Ceni era um problema político também. Quebrar o vínculo com Rogério era algo que causaria problema. A partir do momento que uma organizada como a Independente pede a saída do treinador, parece ter dado respaldo a essa decisão. O peso já seria melhor. Afinal, Ceni é um ídolo, continuará sendo.

A volta de Rogério Ceni foi a realização de um desejo do presidente Júlio Casares, que assumiu o clube no começo de 2021, depois de ser eleito no final de 2020. Quando a diretoria assumiu o comando do time, na reta final do Brasileirão 2020 (que só terminou em 2021, em função da pandemia), o time vinha caindo pelas tabelas e a decisão, a cinco rodadas do fim, foi demitir Fernando Diniz. Fez os últimos cinco jogos com o interino Marcos Vizolli, que trabalhava na base do clube.

Quem assumiu o comando da equipe foi Hernán Crespo, o primeiro técnico contratado por essa diretoria. Embora ele tenha conquistado o título Paulista em 2021, a temporada foi muito ruim e, ameaçado de rebaixamento no Campeonato Brasileiro, escolheu demitir o argentino. Foi aí que chegou Rogério Ceni, em outubro de 2021. Inicialmente, ele assinou contrato até dezembro de 2022.

Depois de tirar o time da disputa contra o rebaixamento, Ceni começou a remontar o time. A campanha no Campeonato Paulista foi até a final, quando caiu em uma goleada para o Palmeiras, após vencer o jogo de ida da decisão. No Campeonato Brasileiro, o time teve muitos altos e baixos. Fez boas campanhas na Copa do Brasil, eliminado na semifinal dando muito trabalho ao campeão Flamengo, e foi até a final da Copa Sul-Americana, mas perdeu a decisão para o Independiente del Valle.

A saída do técnico Rogério Ceni do São Paulo é, neste momento, melhor para o ex-goleiro do que para o clube. Os problemas do São Paulo não irão desaparecer com a saída dele. Mesmo que dê para melhorar em alguns aspectos táticos, o teto do time é muito baixo. Vai certamente melhorar a relação da comissão técnica com a diretoria, porque quem for contratado será mais alinhado. Ceni talvez insistisse em algumas coisas que ele não fizesse em outros clubes onde ele não fosse apenas o treinador, mas também uma figura lendária.

O São Paulo, por sua vez, precisará trabalhar muito para melhorar. O trabalho desta gestão de Júlio Casares é ruim, assim como de toda a diretoria. Ceni só tinha o poder que tem porque a diretoria não fazia o seu trabalho. O clube tem uma receita alta e, mesmo assim, vive penúria financeira. Precisará fazer um trabalho de saneamento financeiro que não é fácil. Isso significaria times ainda mais modestos, apostar muito nas categorias de base e deixar esse projeto claro para a torcida. Só que o custo político é alto: times fracos, eventualmente ficando na parte de baixo da tabela. Quem precisa gastar menos precisa trabalhar melhor. E isso essa diretoria não faz.

O que Júlio Casares e Carlos Belmonte, o diretor de futebol, deixam como herança até aqui é a emenda da reeleição, que permitirá ao presidente concorrer mais uma vez ao cargo e se perpetuar no poder – algo que já prejudicou o clube anos atrás, quando Juvenal Juvêncio fez manobra similar, tendo um lastro vencedor por trás. Foi um golpe na fragilíssima democracia que resiste no clube do Morumbi.

A saída de Rogério Ceni resolve mais o problema da diretoria do que do time, ainda que o time estivesse penando e uma troca até possa causar algum efeito positivo, nem que seja no curto prazo. A questão é como essa diretoria irá trabalhar. E a perspectiva é ruim. Se o clube estiver ameaçado, a diretoria não medirá esforços para gastar até o que não tem para tentar evitar o rebaixamento. O que pode ter um custo ainda maior adiante.

Curiosamente, o mais cotado a assumir o cargo é Dorival Júnior, justamente quem substituiu Rogério Ceni em 2017. Ele foi campeão da Libertadores e da Copa do Brasil em 2022, mas acabou demitido por questionamentos sobre o rendimento do time. Em 2017, o treinador não conseguiu fazer um grande trabalho e acabou demitido no ano seguinte. O momento é outro. A diretoria é outra. E nada disso parece melhor.

Foto de Felipe Lobo

Felipe Lobo

Formado em Comunicação e Multimeios na PUC-SP e Jornalismo pela USP, encontrou no jornalismo a melhor forma de unir duas paixões: futebol e escrever. Acha que é um grande técnico no Football Manager e se apaixonou por futebol italiano (Forza Inter!). Saiu da posição de leitor para trabalhar na Trivela em 2009, onde ficou até 2023.
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