100 anos de Barbosa, 100 histórias sobre o lendário goleiro – mas nenhuma de 16 de julho de 1950
As histórias sobre Barbosa costumam girar ao redor do mesmo dia, do mesmo jogo, do mesmo chute rente à trave que o goleiro não pôde defender. O veterano seria atormentado por um lance a partir de 1950, e, à medida que os anos se passaram, as menções se tornaram cada vez mais monotemáticas. Ghiggia, Uruguai, Maracanazo. Barbosa não merecia carregar tal peso sobre os ombros e muito menos lidar com as dificuldades no fim da vida. Lamenta-se profundamente. Porém, também não se pode limitar um dos maiores goleiros da história do Brasil apenas ao seu martírio e ao consequente pesar. Barbosa foi muito maior e precisa ser lembrado assim.
Desta maneira, este texto em homenagem ao centenário de Barbosa não falará de 16 de julho de 1950. Ele se concentra na rica trajetória pelos gramados, nas opiniões do craque, nas impressões que ele transmitia a outras pessoas e nos detalhes menos conhecidos de sua vida. É um texto para reconstruir o goleiraço, com suas virtudes e sua personalidade. Para relembrar seus momentos mais reluzentes e outros episódios não tão felizes assim, mesmo que distantes do enredo pesaroso da final da Copa.
Barbosa foi um goleiro à frente de seu tempo. Com ótima capacidade física, por mais que fosse relativamente baixo, e com excelente qualidade técnica. Um precursor da precisão na saída do jogo e um estudioso da posição, que virou exemplo a muita gente. Um protagonista de grandes vitórias, especialmente em decisões. Um exemplo de profissional, por sua dedicação e sua postura. Sobretudo, um exemplo de ser humano, por sua candura e resiliência, mesmo que fosse execrado por muita gente que sequer o tinha visto jogar.
Sobre o 16 de julho de 1950, fica a recomendação ao livro Dossiê 50, um retrato do que sentiu Barbosa e seus demais companheiros. O assunto aqui é outro, com uma extensa pesquisa que resultou em 100 histórias (ou quase isso) da vida e da carreira de Barbosa além do Maracanazo. Elas eram bem mais comuns na imprensa décadas atrás, quando se conhecia melhor o legado do arqueiro e se deixava de lado a derrota para saber mais de suas conquistas. Barbosa é uma lenda do Vasco e do futebol brasileiro que precisa ser mais vezes desvinculado do Maracanazo. Porque, afinal, o enorme personagem está muito acima de sua famosa chaga.
1 – Os irmãos jogadores
Moacyr Barbosa Nascimento nasceu em Campinas, quinto entre 11 filhos, em 27 de março de 1921. Dentro de casa, aliás, outros irmãos tentaram seguir o caminho no futebol. Segundo a Revista do Esporte, um deles, Mário, morreu aos 20 anos em virtude de um acidente na várzea. Armando, o mais velho, foi outro que atuou como ponta esquerda no amador de Campinas. Já Dirceu, o sexto filho, seguiu os passos de Moacyr no gol e chegou a treinar no Vasco, mas desistiu “por querer um sistema de vida menos intenso”. Era “boêmio demais e gostava de farra”, segundo o próprio Barbosa.
2 – Craque de laboratório
Barbosa começou a jogar suas peladas com sete anos. Aluno dedicado, negociava as boas notas com os pais para seguir batendo sua bola. O pai, Emídio, queria que o menino se tornasse marceneiro. Porém, o progenitor viria a falecer em 1935, num acidente na fazenda onde trabalhava. Aos 14 anos, Moacyr largou os estudos e passou a trabalhar para ajudar a mãe, Isaura. Mudou-se para São Paulo, onde morava com uma das irmãs mais velhas, e conseguiu um emprego no Laboratório Paulista de Biologia – que, de certa forma, influenciou sua carreira nos gramados.
3 – O amor de sua vida
Foi no Laboratório Paulista de Biologia que Barbosa conheceu Clotilde, sua companheira por toda vida. Os dois se casaram em 1943, viveram grande parte dos tempos no Rio de Janeiro em Ramos e, já nos anos 1990, se mudaram à cidade de Praia Grande. A esposa acompanhou o ex-goleiro até 1997, quando faleceu por um câncer. Não tiveram filhos, embora tenham adotado uma “filha do coração” no fim da vida, Tereza.
4 – Da ponta ao gol
O Almirante Tamandaré foi o primeiro time de Barbosa, na várzea paulistana. O garoto morava na região da Liberdade e por lá participava das partidas, convidado para jogar na equipe que seu cunhado treinava. Naquela época, o garoto atuava como ponta direita e ganhava notoriedade por sua velocidade. Porém, a ausência do goleiro num jogo mudou a história de Moacyr. Seu cunhado pediu para que o jovem quebrasse um galho sob as traves e, mesmo contrariado, Barbosa fechou o gol. Nascia um dos melhores arqueiros da história.
5 – O voo para o Ypiranga
Barbosa também jogava na equipe do Laboratório Paulista de Biologia, levando o time a ser tricampeão da Liga Comercial. Chegou a ser “chefe do departamento de vinhos medicinais”, mas seu brilho vinha mesmo nos gramados. Nesta época, também fez curso para se tornar piloto de avião, mas abandonou a ideia a pedido da mãe. O futebol, afinal, abria cada vez mais portas. A fama era tanta que Moacyr se tornou arqueiro titular da seleção paulista de amadores e foi bicampeão nacional. Aos 21 anos, então, o camisa 1 recebeu a proposta para se profissionalizar e passou a proteger a meta do Clube Atlético Ypiranga, embora ainda conciliasse os treinos com o trabalho no laboratório.
6 – Reserva na seleção paulista
O tradicional Ypiranga não brigava pelo título paulista no início da década de 1940, mas fazia bons papéis entre os primeiros colocados. Barbosa logo se tornou um dos destaques da equipe e começou a ser convocado à seleção paulista. Era reserva do não menos lendário Oberdan Cattani, do Palmeiras, que se tornaria seu companheiro na seleção brasileira.
7 – A ajuda de Domingos da Guia
Barbosa se tornaria alvo dos principais clubes paulistas – em especial do Corinthians, do São Paulo e da Portuguesa. O Ypiranga, no entanto, não queria reforçar um potencial adversário do estadual. Seria Domingos da Guia o responsável por indicar Barbosa ao Vasco em 1944. Ondino Viera, treinador uruguaio que já tinha feito fama à frente do Fluminense, conferiu a informação e bancou o negócio. O comandante começava a dar forma ao futuro Expresso da Vitória com uma série de contratações certeiras. Barbosa garantiria proteção ao timaço que, aos poucos, juntava também Ademir, Jair, Lelé, Chico, Maneca, Ely e outras feras.
8 – O desejo de desistir
Quando chegou ao Vasco, Barbosa precisou ser forte mentalmente, não apenas pela concorrência na posição. O goleiro sofreu seguidas lesões que o impediam de atuar – na mão, na coxa e depois no ombro. Segundo o colunista Geraldo Romualdo Silva, do Jornal dos Sports, o jovem pensou em desistir do clube e foi a São Paulo pedir para que o Ypiranga desfizesse o negócio. No clube paulista, todavia, aconselharam-no a persistir e perseverar. Acabaria fazendo história em São Januário.
9 – As virtudes de Barbosa
Duarte Gralheiro descreveu assim as virtudes de Barbosa, ao Jornal dos Sports, em 1974: “Lembro-me dele quando chegou ao Vasco. Novinho, magro, ágil. Parecia mais atacante. Os goleiros quase sempre são grandalhões e impressionam pela massa física. Ele próprio disputou a posição contra dois caras troncudos. Mas Barbosa era goleiro nato. Seu estilo impressionou mesmo os argentinos, que sabem tudo da posição. Alcançou um grau superior de apuro técnico, chegando a dominar integralmente o seu ofício. Exato, ao adiantar-se para fechar o ângulo. Incomparável na devolução da bola. Engenhoso, na utilização do tapinha e da ponta dos dedos. E também era o melhor e o mais empolgante nos mergulhos e nas pontes. Estava imóvel, no centro do gol, e ao mesmo tempo era um relâmpago. Descrevia no ar um salto felino e, com o corpo na horizontal, formava a paralela e dava a parada. A bola estava nas suas mãos e o lance morria”.
10 – O Carioca de 1945
O primeiro título de Barbosa no Vasco veio em 1945, com a conquista do Campeonato Carioca invicto – uma taça essencial à consagração do Expresso da Vitória. Por causa das lesões, sua única atuação foi exatamente na partida que valeu o troféu, com uma goleada por 4 a 0 sobre o Madureira. “Barbosa, aquele goal-keeper do Vasco, de quem dizem elogios colossais, passou um ano todo sem sorte, sempre machucado e afinal com fratura dos dedos”, descrevia Vargas Netto, no Jornal dos Sports. Falta de sorte esta que logo mudaria.
11 – A estreia na Seleção
A estreia de Barbosa pela Seleção aconteceu ainda em 1945, nos últimos dias do ano, encarando a Argentina pela Copa Roca. Num amistoso preparatório da equipe nacional contra o Vasco, Barbosa chamou atenção do técnico Flávio Costa. Dias antes da partida, acabou convocado, já que Ary (Botafogo) se adoeceu e Oberdan (Palmeiras) voltava de lesão. O cruzmaltino seria inclusive titular, mas não fez uma boa partida. Falhou nos gols de Adolfo Pedernera e Mario Boyé, substituído por Oberdan. O palestrino também não brilhou e a Argentina ganhou por 4 a 3. O Brasil ainda levou a taça naquela edição da Copa Roca. Com Ary na meta, venceu por 6 a 2 o segundo duelo em São Januário e ratificou o título no desempate com triunfo por 3 a 1.
12 – Campeão brasileiro
Barbosa ganhou a posição no Vasco em 1946, quando conquistou o Torneio Relâmpago e o Torneio Municipal. Os cruzmaltinos fizeram uma campanha abaixo da crítica no Campeonato Carioca, quando terminaram em quinto, numa edição que teve os quatro primeiros empatados e que forçou um quadrangular extra. Assim, o reconhecimento a Barbosa veio por linhas tortas. O Vasco cedeu seu time para o Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais e eliminou Minas Gerais na semifinal. Com a equipe do então Distrito Federal completa para a final, Barbosa participaria da conquista em cima de São Paulo, em março de 1947, ainda que reserva de Luiz Borracha.
13 – O Carioca de 1947
A reconquista do Campeonato Carioca veio em 1947, em outra campanha invicta do Vasco. Barbosa foi o goleiro menos vazado do certame e teve grande atuação no jogo decisivo, um empate por 0 a 0 contra o Botafogo. Terminou eleito pelo Jornal dos Sports como o terceiro melhor jogador da competição. E aquele título seria particularmente importante aos vascaínos, já que garantiu a participação do clube no Campeonato Sul-Americano de 1948.
14 – O Sul-Americano de Clubes Campeões
O Campeonato Sul-Americano de Clubes Campeões, precursor da Libertadores, reuniu sete campeões de diferentes países do continente. O torneio foi disputado de fevereiro a março de 1948, no Chile. Durante a estreia, Barbosa já teria uma atuação decisiva no triunfo por 2 a 1 sobre El Litoral, da Bolívia. Na segunda rodada, o goleiro seria menos exigido nos 4 a 1 sobre o Nacional de Montevidéu, assim como nos 4 a 0 em cima dos peruanos do Deportivo Municipal. Com Barbosa bem protegido, o Vasco derrotou o Emelec por 1 a 0 na sequência. Já na penúltima rodada, quando os cruzmaltinos poderiam ser campeões por antecipação, o empate por 1 a 1 contra o Colo-Colo deixou a definição para o jogo final. Um duelo lendário contra o River Plate.
15 – Barbosa contra Labruna
Barbosa não era o goleiro mais ameaçado do Sul-Americano de 1948. Entretanto, seu grande momento no torneio veio exatamente na decisão, contra a famosa “Máquina” do River Plate. O arqueiro fez a diferença no empate por 0 a 0, que deu o título ao Vasco. Embora Alfredo Di Stéfano e José Manuel Moreno também estivessem do outro lado, Barbosa travou um duelo particular contra Ángel Labruna. Acumulou seus primeiros milagres na etapa inicial, parando o craque millonario duas vezes.
16 – O maior pênalti de Barbosa
Já o segundo tempo teve sua dose de confusão, com um gol cruzmaltino anulado sob protestos e uma expulsão para cada lado. No lance cabal, a 15 minutos do fim, o River ganhou um penal. Labruna cobrou. Barbosa pegou, garantindo o empate e a consagração – sua e dos brasileiros. “Para significar que a vitória bem poderia ser do River Plate, Barbosa se converteu por momentos na figura de sua equipe, a ponto tal que quando se aclamava o gol nas tribunas, saía milagrosamente com a ball nas mãos. Se perderam assim alguns gols feitos”, descreveria a Revista River, conforme matéria do Futebol Portenho.
17 – A arte nas reposições
Além do jogo contra o River, Barbosa ficaria famoso também por suas ótimas reposições, que renderam inclusive gols ao Vasco. Assim escrevia o Globo Sportivo: “Os seus goal-kicks, cobrados por ele próprio e não pelos zagueiros, assombraram o público pela potencialidade do chute. Porém não é só. Poucos foram os que observaram o inteligente trabalho de Barbosa, que, mais ainda que com suas defesas, produzia angústia nas fileiras adversárias com esses tiros largos e potentes. É questão de observar-se um pouco para dar-se conta de que esses serviços de larga trajetória nunca os faz Barbosa sem um perfeito controle. Ao contrário, ele sempre procura um dianteiro do seu quadro que esteja bem colocado, que não esteja bem marcado. E até poderíamos citar o caso de alguns goals que saíram de um passe do arqueiro. Goals ou perigo de goals em todos os jogos”.
18 – O gol de Barbosa
Barbosa tinha tanta potência na perna que chegou a balançar as redes – num lance não validado pelo árbitro. Contou essa história ao Jornal dos Sports, em 1958: “Marquei um gol. E não estou contando vantagem. Autêntico. Foi numa partida que disputamos com o Madureira. O keeper do lado de lá era o Veliz. Mandei o pé na bola, ela viajou pelo espaço e desceu sobre o arco adversário. Veliz não levou a coisa a sério. Quis brincar. Facilitou. Ela entrou. Atrapalhado com o abuso, Veliz ainda teve tempo de puxá-la para fora. O juiz estava longe. Não acreditou. Não deu a passagem da linha. Mas as fotografias provaram o contrário”.
19 – O primeiro encontro com o Uruguai
O sucesso no Sul-Americano levou Barbosa de volta ao arco da Seleção em abril de 1948. Sua segunda partida como titular aconteceu pela Copa Rio Branco, no Estádio Centenário, contra o Uruguai. Obdulio Varela e outros campeões de 1950 figuravam na Celeste. O Brasil empatou por 1 a 1, mas a sorte não esteve ao lado de Barbosa: o goleiro foi um dos melhores em campo, mesmo errando no lance do gol, mas sofreu uma torção. Sequer jogou no reencontro uma semana depois, com vitória uruguaia por 4 a 2 e o troféu aos anfitriões em Montevidéu.
20 – O pênalti contra o Flu
O Vasco seria vice-campeão do Carioca de 1948, perdendo a taça na última rodada contra o Botafogo. Porém, no penúltimo compromisso, Barbosa teve uma atuação memorável contra o Fluminense. Os cruzmaltinos venceram por 2 a 0 e até penal ele pegou. O técnico do Flu na época era Ondino Viera, e o velho mestre mandou o atacante Santo Cristo, também antigo atleta do Vasco, atazanar Barbosa. O adversário acertou o tornozelo do arqueiro. Na hora do revide, todavia, o árbitro pegou Barbosa no flagra: pênalti, por sorte sem expulsão. Na marca da cal, Rodrigues costumava mandar bombas com os dois pés. Soltou seu balaço. O camisa 1 salvou de maneira incrível. “Ele chutou pra me quebrar, mas não me quebrou. Peguei o impossível”, relembrou, ao Jornal dos Sports, em 1964.
21 – Fama no México
O Vasco iniciou 1949 com uma turnê pelo México. O clube teria enorme sucesso na viagem, ao permanecer invicto e conquistar oito vitórias em dez compromissos. Ao Sport Illustrado, Jaime Moreira Filho, locutor que acompanhou a equipe, citou Barbosa como grande figura da excursão: “Barbosa foi um espetáculo, mas seus companheiros de trio final, Augusto e Wilson, seguiram-no de perto, impressionando muito bem”. Além da fama internacional, Barbosa também guardaria boas lembranças daquela turnê, elogiando a receptividade dos mexicanos em diferentes oportunidades.
22 – O Sul-Americano de 1949
Em abril de 1949, Barbosa voltou a ser campeão sul-americano. Desta vez, com a seleção brasileira, em seu principal título pelo escrete nacional. Durante o torneio, o Globo Sportivo destacava a forma do camisa 1: “O famoso goleiro é titular, merecidamente. Não importa a idade que possa ter. O que importa é que atravessa o período áureo de sua carreira esportiva. Elástico, arrojado, seguro, dificilmente é vazado”.
23 – Espectador de luxo
A campanha arrasadora da Seleção em 1949 impressiona pelos números do ataque. Nas duas primeiras partidas, Barbosa foi espectador privilegiado nos 9 a 1 sobre o Equador e nos 10 a 1 sobre a Bolívia. Depois, os 2 a 1 sobre o Chile só foram tão apertados porque Sergio Livingstone teve grande atuação na outra meta. Na sequência, 5×0 na Colômbia, 7×1 no Peru e 5×1 no Uruguai – que veio ao torneio com um quadro praticamente juvenil, em meio à greve que vivia o futebol local. Os treinos eram mais desafiantes a Barbosa, que precisou lidar com uma lesão no tornozelo durante a competição.
24 – Triturando o Paraguai
O grande adversário do Brasil no Sul-Americano de 1949 foi o Paraguai. E a equipe treinada por Manuel Fleitas Solich colocou água no chope brasileiro na rodada final, quando os anfitriões só precisavam de um empate em São Januário para comemorar o título. Barbosa não teve uma atuação tão magistral quanto Sinforiano García, arqueiro guarani que colecionou defesaças para segurar a surpreendente vitória por 2 a 1 para a Albirroja. No reencontro quatro dias depois, no entanto, o Brasil não teve piedade: 7 a 0 no marcador. Barbosa ainda realizou uma grande defesa para manter sua meta invicta. Acabaria como um coadjuvante na campanha arrasadora de Ademir, Zizinho, Jair, Tesourinha e companhia.
25 – Gigante contra o Arsenal
Barbosa viveria outra partida internacional de destaque em maio de 1949, durante uma excursão do Arsenal pelo Brasil. Os Gunners tinham seu cartaz, campeões ingleses no ano anterior. E o triunfo por 1 a 0 dos vascaínos viu Barbosa se agigantar, com ótimas defesas e uma dose de sorte por uma bola na trave. “Barbosa atuou muito bem, esteve seguríssimo nas pegadas e perfeito na colocação”, descrevia o Sport Illustrado. Dois anos depois, os londrinos voltaram ao Rio e sofreram uma derrota bem mais amarga contra o Vasco, por 4 a 0.
26 – O Carioca de 1949
Pela terceira vez na década, o Vasco faturou o Campeonato Carioca de maneira invicta. O título de 1949 é o mais famoso do Expresso da Vitória. Os cruzmaltinos venceram 18 das 20 partidas, com 84 gols marcados e apenas 24 sofridos. Durante o primeiro turno, teve 11×0 no São Cristóvão, 6×0 no Canto do Rio, 5×3 no Fluminense, 8×2 no America e um notável 5×2 em cima do Flamengo. Os rubro-negros abriram dois gols de vantagem e o ex-vascaíno Jair poderia ter feito o terceiro, sozinho diante de Barbosa, mas desperdiçou uma chance incrível. Então, o Vasco renasceu não apenas para virar, como também para golear. Aquela derrota foi tão pesada que Jajá de Barra Mansa acabaria multado e afastado pelo Flamengo por uma suposta postura displicente. Dias depois seria vendido ao Palmeiras.
27 – Herói no Brasileiro
O Campeonato Brasileiro de Seleções Estaduais voltou a ser organizado nos primeiros meses de 1950. O Distrito Federal reconquistou o troféu na decisão contra São Paulo. A figura do jogo? Barbosa. Em 22 de março de 1950, as duas equipes empataram por 1 a 1 no Pacaembu, resultado suficiente depois dos 4 a 0 em São Januário. E quem segurou o ímpeto dos paulistas foi o arqueiro vascaíno. “Barbosa foi a figura predominante da equipe vencedora. Barbosa sustentou durante o período de inspiração dos paulistas um duelo verdadeiramente sensacional. As suas defesas foram impressionantes, salvando momentos críticos”, salientava o Jornal dos Sports.
28 – A prévia contra o Uruguai
O Brasil enfrentou o Uruguai pela Copa Rio Branco em maio de 1950, um mês antes da Copa do Mundo. Duelos que entraram para os anais, mas com título brasileiro. No primeiro jogo, dentro do Pacaembu, Barbosa não se saiu bem. A Celeste venceu por 4 a 3 e o goleiro falhou em dois tentos, embora tenha feito boas defesas. Uma semana depois, o reencontro aconteceu em São Januário. O Brasil deu o troco com o triunfo por 3 a 2 e o goleiro se redimiu. Não começou com tanta confiança, mas cresceu depois de uma grande defesa em cabeçada de Juan Schiaffino e permitiu que o placar se preservasse. Por fim, a Seleção ficou com a taça ao ganhar também o terceiro jogo, por 1 a 0. Todo o sistema defensivo prevaleceu. “Barbosa, o grande keeper, tão infeliz no primeiro jogo, surgiu como o maravilhoso goleiro do último Campeonato Brasileiro. Firme, amplo de recursos, elástico, o esplêndido guardião mereceu os aplausos que mui justamente o público lhe tributou”, apontou o Sport Illustrado.
29 – A Copa do Mundo de 1950
As atuações de Barbosa pela Seleção podiam não ser impecáveis, mas o goleiro chegou à Copa do Mundo respaldado por Flávio Costa e reconhecido como um dos melhores do planeta – incluindo comentários positivos da exigente imprensa inglesa. O camisa 1 podia não ser tão alto, com apenas 1,74 m, mas era reconhecido por sua extrema agilidade e por seu senso de posicionamento. Costumava se antecipar aos lances e simplificar as defesas. Tal intuição acabaria se tornando um pecado, mas ajudou Barbosa a crescer jogo a jogo durante a Copa.
30 – Brasil x México
Na estreia, o Brasil encarou o México. Goleou por 4 a 0, numa vitória ainda avaliada como insuficiente pelos desperdícios do ataque. Barbosa mal seria exigido, mas deu conta do recado quando precisou aparecer. O Diário de Notícias assim avaliava: “Foi uma figura decorativa em campo. Apenas defendeu três ou quatro sem precisar esforçar-se. Na única defesa que fez no segundo tempo, deixou a bola fugir, cometendo escanteio, após ameaçar de gol contra”.
31 – Brasil x Suíça
O Brasil faria sua pior partida na fase de grupos contra a Suíça, no Pacaembu. Flávio Costa realizou alterações no time para atender o público paulista e, sem que a Seleção jogasse bem, as vaias soaram do mesmo jeito. O empate por 2 a 2 viu Barbosa fazer defesas importantes, mas também sofrer momentos de instabilidade. Um dos gols, inclusive, resultaria numa dificuldade para se entender com Juvenal.
32 – Brasil x Iugoslávia
A partida mais difícil do Brasil na fase de classificação aconteceu contra a Iugoslávia, um adversário com ótimos jogadores e que dependia apenas do empate para avançar ao quadrangular final. Exatamente nesse jogo a Seleção exibiu seu melhor, ganhando por 2 a 0 e garantindo a passagem. Barbosa foi um diferencial, especialmente para segurar as pontas quando o time caiu de ritmo. O Diário de Notícias descrevia “várias defesas sensacionais” em dez minutos mornos dos brasileiros, em que os iugoslavos incomodaram. O Correio da Manhã sublinhava: “Mais empenhado no primeiro do que no segundo tempo, o goleiro nacional neste período atuou soberbamente. Preciso nas saídas do arco e seguro nas intervenções, garantiu a invencibilidade da nossa meta”.
33 – Brasil x Suécia
O triunfo sobre a Iugoslávia transformou a Seleção. O resultado disso se notou bem na abertura do quadrangular final, com a goleada por 7 a 1 sobre a Suécia. As manchetes, obviamente, destacavam a linha ofensiva. Mas não que Barbosa passasse despercebido. O Diário de Notícias, por exemplo, avaliava: “Muito bom nas poucas, porém excelentes, intervenções que praticou. Uma única vez sua meta foi vazada. Para tal ser conseguido, foi necessário transformar-se uma falta fora da área em penalidade máxima”. Já o Correio da Manhã endossava a visão: “Embora pouco empenhado, mostrou-se seguro nas intervenções que praticou, constituindo-se um dos pontos altos da nossa retaguarda”.
34 – Brasil x Espanha
A Espanha tinha uma equipe melhor que a Suécia e era colocada por alguns analistas da época como a principal ameaça ao Brasil. Ameaça esta trucidada de maneira incrível no Maracanã. Sob a melodia de ‘Touradas em Madri' cantada pela galera, os brasileiros atropelaram a Fúria por 6 a 1. Barbosa de novo não era o primeiro a ser comentado. Ainda assim, os jornais compartilhavam os elogios. “Apesar de ter sido pouco empenhado, atuou impecavelmente. A sua maior intervenção foi quando faltavam poucos minutos para o encerramento do prélio. Basora recolheu a bola a poucos metros do arco e se preparava para atirar, Barbosa num salto felino arrojou-se aos seus pés impedindo desta forma a consignação do tento”, escrevia o Correio da Manhã. Ao passo que o Diário de Notícias constatava: “Sempre que Barbosa foi chamado a intervir o fez com grande segurança. A bola espanhola que deixou entrar era indefensável”.
35 – A confiança de Flávio Costa
Quase 30 anos depois do Brasil 1×2 Uruguai, o técnico Flávio Costa assim elogiou Barbosa, ao Jornal dos Sports: “Barbosa era o mais completo. Podia cair em inatividade que logo voltava sem se comprometer e comprometer o time. Tinha excepcional sentido de colocação, reflexos perfeitos, absoluta segurança, irrepreensível serenidade nos instantes de abafa e precisão nas saídas. Além de contar com um tiro de meta inigualável. Um tiro de meta tão possante e tão bem orientado no sentido da melhor direção dos companheiros de frente que se traduzia sempre por um novo ataque. Daí a minha preferência insuspeita por ele. Apesar de todas as injustiças de que foi vítima, o melhor e o de maior categoria internacional entre os que já tivemos. Antes e depois do profissionalismo”.
36 – O melhor da Copa
Depois da Copa, a revista Mundo Esportivo ainda escolheu Barbosa como o melhor da posição no torneio: “Quatro goleiros, justamente os quatro das finais, arregimentam credenciais para ocupar o primeiro lugar. Todavia, Barbosa é o mais capacitado. Falhou uma única vez durante todo o certame. Sua conduta contra a Iugoslávia foi soberba. Nunca se perturbou com os tiros mais traiçoeiros dos adversários. Sustentou sua cidadela com incomparável segurança. Não permitiu muito sucesso dos avantes que enfrentou. Barbosa, com justiça, é escolhido, mercê de seus predicados que o distinguem como arqueiro do campeonato. Para a reserva, indico Máspoli só pelo que fez contra o Brasil”.
37 – Belfort Duarte
Barbosa seria condecorado com o Prêmio Belfort Duarte em 1950, por sua disciplina em campo, ao nunca ter sido expulso. “Nunca tomei sequer advertência, seja de clube, entidade ou tribunais. Tenho uma folha corrida, graças a Deus, limpa. Pelo contrário: no meu depósito só tenho documentos valiosos de agradecimento pela contribuição prestada a quem servi. Sou humilde de formação, mas gostarei de bater no peito e gritar que o Prêmio Belfort que recebi foi merecido, justo”, diria ao Jornal dos Sports, em 1958.
38 – O Carioca de 1950
Seis meses depois da final da Copa de 1950, Barbosa dava sua primeira volta olímpica no Maracanã. O Vasco não seria tão arrasador quanto em 1949, mas se sagrou bicampeão carioca em janeiro de 1951. Foram 17 vitórias e três derrotas em 20 rodadas, com o título garantido diante do America. Mais de 120 mil pessoas viram a vitória cruzmaltina, com dois gols de Ademir para o placar de 2 a 1. Barbosa, por sua vez, recebeu nota 10 do Jornal dos Sports pela atuação e realizou uma defesa “banksiana” durante o primeiro tempo. “Vencia o Vasco por 1 a 0 quando se verificou um dos lances mais emocionantes da batalha de domingo. Recolhendo um centro de cabeça, Maneco, do America, arremessou para baixo. A bola tocou no gramado e, quando dava a impressão que tomaria o fundo das redes, surgiu Barbosa, num salto espetacular, para com um toque, mandá-la para escanteio. A torcida vibrou”, descreveu o periódico. Não mais o silêncio. Barbosa terminaria a campanha com o prêmio de arqueiro menos vazado.
39 – Calando o Centenário
Em abril de 1951, o Vasco marcou amistosos contra o Peñarol, base da seleção uruguaia, no Centenário e no Maracanã. Foi o reencontro de Barbosa com Alcides Ghiggia. Desta vez, em atuações impecáveis do goleiro. Os cruzmaltinos ganharam por 3 a 0 na casa dos carboneros. “Os uruguaios o apontam como o melhor arqueiro estrangeiro ultimamente visto em Montevidéu”, ressaltava o Jornal dos Sports. Para não deixar dúvidas, o Vasco repetiu a dose no Maraca por 2 a 0 – com Obdulio Varela expulso entre os aurinegros.
40 – A Copa Rio
Os jogadores do Vasco ganharam outra chance de se redimir no Maracanã em 1951 com a realização da Copa Rio. Os cruzmaltinos venceram os três jogos da fase de grupos (contra Sporting, Austria Viena e Nacional-URU), mas sucumbiram diante do Palmeiras na semifinal. No primeiro embate, Barbosa voltou a tomar um gol de pouco ângulo na derrota por 2 a 1. E, por uma lesão no joelho, sequer participou do empate por 0 a 0 que classificou os palmeirenses à decisão. O segundo semestre de 1951 também seria difícil a Barbosa e ao restante do time, agora treinado por Oto Glória, com a quinta colocação no Campeonato Carioca, bem longe do campeão Fluminense. Em muitas entrevistas posteriores, o goleiro afirmou que perder o tricampeonato naquele ano foi tão doloroso quanto o vice em 1950.
41 – O reconhecimento e a dor
Em maio de 1952, Barbosa sofreu uma lesão séria durante um amistoso no Paraná, contra o Coritiba. Numa disputa de bola, o goleiro fraturou a mão ao se chocar com o atacante adversário. A torcida vaiou, achando que fosse cena de Barbosa, porque o Vasco perdia por 4×2. Quando a gravidade da lesão foi anunciada pelos alto-falantes, o público reconheceu o erro e passou a aplaudi-lo. “Saí de campo chorando de dor, mas feliz por ter a torcida compreendido”, contou o veterano, à Revista do Esporte.
42 – O Carioca de 1952
Pairavam dúvidas sobre o declínio de Barbosa, não apenas pela lesão, mas por erros técnicos. Ernani passou a ser mais utilizado no gol do Vasco. A volta por cima do veterano aconteceu no Campeonato Carioca de 1952, quando ganhou respaldo do técnico Gentil Cardoso. Barbosa se tornou um dos protagonistas na reconquista do troféu naquela edição. Os cruzmaltinos voltaram a sobrar, com 17 vitórias nas 20 rodadas. O time sofreu míseros 18 gols em toda a campanha. E em mais uma tarde redentora no Maracanã, Barbosa celebrou o título como figura principal na vitória por 2 a 1 sobre o Bangu de Zizinho, que selou o feito. “Aquele estado de graça de Barbosa era uma prova de que o Vasco era campeão”, dizia o Jornal dos Sports, com mais uma nota 10 ao veterano em pleno jogo decisivo.
43 – A maior defesa, contra Zizinho
Tempos depois, ao Sport Illustrado, Barbosa escolheria uma defesa contra Zizinho naquela partida decisiva de 1952 como a maior de sua carreira. Assim contava o periódico: “A jogada foi toda efetuada com a mais fina classe do futebol. Jogavam Vasco da Gama e Bangu, e a vitória vascaína decidiria o certame. Num ataque banguense, Zizinho conseguiu iludir toda a defesa contrária, entrando na área ameaçadoramente e desferindo um tiro traiçoeiro, colocando no ângulo da meta. Barbosa, fazendo uso de sua extraordinária elasticidade, executou um sensacional voo, logrando alcançar a pelota em pleno ar. O lance foi, portanto, notável e influiu decisivamente para o triunfo e para a obtenção do título”.
44 – A volta à Seleção
Depois da Copa de 1950, o Brasil só voltou a campo em 1952, no Campeonato Pan-Americano. Castilho e Osvaldo Baliza foram os goleiros. Já em março de 1953, a Seleção participaria do Campeonato Sul-Americano no Peru. Barbosa reapareceu nas convocações, premiado pela grande forma no Vasco. Durante a estreia brasileira, Castilho e Gylmar se revezaram na meta. Barbosa foi titular no segundo duelo, uma vitória por 2 a 0 sobre o Equador. “Apesar de ter sido muito pouco empenhado, andou soltando algumas bolas perigosas. Foi autor, todavia, de uma maravilhosa aparada com uma só das mãos”, analisava o Jornal dos Sports. O veterano, porém, sofreu uma pancada na canela e Castilho retomaria a posição até o fim do torneio. O Brasil seria vice, derrotado pelo Paraguai no jogo-desempate.
45 – Novos títulos internacionais
Se não deu para ser campeão no Sul-Americano, Barbosa conquistou dois títulos internacionais com o Vasco naquele primeiro semestre de 1953. Em fevereiro veio o Quadrangular do Rio, contra Boca Juniors, Racing e Flamengo. No clássico decisivo contra os rubro-negros, mesmo com a goleada por 5 a 2, Barbosa colecionou milagres para possibilitar o resultado confortável. Já em abril, faturaria o Torneio de Santiago, superando Colo-Colo e Millonarios – com um pênalti defendido pelo arqueiro diante dos chilenos.
46 – A pior lesão
O bom momento de Barbosa logo seria interrompido. Em maio de 1953, ele sofreu a lesão mais séria de sua carreira. Num empate sem gols contra o Botafogo pelo Torneio Rio-SP, o goleiro levou a pior num lance contra o atacante Zezinho: sofreu uma fratura dupla na perna direita. A recuperação seria lenta e o goleiro permaneceu mais de um mês no hospital. Na época, seu contrato terminaria no final do ano e os médicos previam pelo menos seis meses até o retorno. O Vasco, apesar das incertezas, teve grande gesto ao garantir a renovação por dois anos, independentemente das condições do arqueiro. Até por sua idade, aos 32 anos, alguns suspeitavam que a carreira em alto nível acabaria ali.
47 – A solidariedade
O drama também reforçou como Barbosa era um personagem muitíssimo querido no futebol brasileiro. Seu quarto no hospital virou ponto de peregrinação. O próprio Zezinho seria um dos primeiros a visitá-lo, pedindo desculpas ao amigo e afirmando que não foi sua intenção. O mestre Flávio Costa chorou. Outros tantos nomes do futebol também passariam por seu leito, reforçando o carinho pelo veterano. Além disso, os próprios fãs faziam questão de desejar melhoras a Barbosa, seja pessoalmente ou por telegrama. Eram dezenas de pessoas e de cartas todos os dias.
48 – Os 40 dias mais felizes no futebol
Sobre o episódio, Barbosa contaria à Revista do Esporte tempos depois: “O lance com o Zezinho foi inteiramente casual. Cada um de nós fez o que nos era de direito. Queria ele empurrar a bola para as redes; desejava eu evitar a entrada da pelota. O azar foi meu porque, ao esticar a perna, tive a minha de encontro à do Zezinho e senti uma dor tremenda. Mas foi em um momento de amargura que vi e senti o quanto de amizade possuía. Não esperava que houvesse tanta gente que me admirasse. Fiquei 40 dias no hospital. Foram os 40 dias mais felizes que vivi no futebol… Recebi o calor de amizades sinceras, de admiração sincera. Recebi uma infinidade de telegramas, um sem número de visitas. Só então pude compreender o quanto era querido e estimado por amigos sinceros, aos quais nunca havia visto antes”.
49 – A Copa do Mundo de 1954
Barbosa poderia disputar a Copa de 1954? Tudo leva a crer que, não fosse a lesão, o veterano tinha chances de acompanhar a Seleção no Mundial da Suíça. Seu retorno aconteceu entre fevereiro e março de 1954, quando o técnico Zezé Moreira já intensificava a preparação ao torneio. Além disso, a retomada do arqueiro não era um processo imediato e as dores ainda o incomodaram por mais tempo, inclusive sofrendo nova contusão em junho. Castilho, Veludo e Cabeção foram os arqueiros escolhidos para integrar o elenco naquela Copa.
50 – A mobilização da torcida do Santinha
Por conta das lesões, Barbosa também perdeu espaço no Vasco. Apesar do contrato renovado por dois anos durante a recuperação, o clube acabou concedendo passe livre ao ídolo, para que ele procurasse um novo destino. O goleiro estava disposto a se aposentar, mas cedeu à insistência do Santa Cruz em 1955. Diante do interesse, o veterano fez uma pedida alta para que os dirigentes desistissem, mas os tricolores toparam pagar os valores e contaram com o auxílio de sua torcida na contratação. Urnas foram espalhadas por diversos pontos do Recife para que os torcedores doassem dinheiro e contribuíssem no pagamento do negócio. Juntaram 175 mil dos 200 mil de luvas pedidos pelo camisa 1.
51 – O acolhimento em Pernambuco
Sobre sua ida ao Santa Cruz, Barbosa contou à Revista do Esporte: “Eu estava praticamente desligado do Vasco, que ficou sem goleiro e tinha que disputar um amistoso no Recife. O Flávio Costa pediu-me o favor e fui para colaborar com um bom amigo. Após o jogo, fui sondado por diretores do Santa Cruz. Fiz-lhes duas exigências que, na época, o futebol de Pernambuco não podia cobrir: 200 mil de luvas e 20 mil mensais. Voltei para o Rio e com a certeza íntima de que o Santa Cruz acabaria desistindo. Qual foi a minha surpresa: no dia seguinte, tocou o telefone. Haviam topado. Fui para cumprir a palavra. Fui por uma semana, acabei ficando por 10 meses”.
52 – Atormentando o Flamengo
Pelo Santa Cruz, Barbosa conquistou o Torneio Pernambuco-Bahia em janeiro de 1956 – competição que contou com as presenças de Bahia, Vitória, Galícia, Botafogo-BA, Sport, Náutico e América-PE. Já uma de suas grandes atuações aconteceu no reencontro com um velho conhecido, o Flamengo. Num amistoso disputado em maio de 1956, os rubro-negros vinham a Recife com a base tricampeã carioca, em preparação a uma turnê pela Europa. Perderam por 1 a 0, com Barbosa intransponível. O Jornal dos Sports dizia que o veterano foi um “monstro na cancha” e uma “sensação à parte” para barrar os velhos rivais.
53 – Enfrentando a Seleção
Em Pernambuco, Barbosa também enfrentou a seleção brasileira em abril de 1956. A equipe treinada por Flávio Costa se preparava para uma excursão à Europa e fez escala no Recife, encarando um time formado pelos melhores jogadores do futebol pernambucano, na Ilha do Retiro. Barbosa guardou a meta no duelo com seu antigo treinador. O Brasil venceu por 2 a 0, gols de Didi e Escurinho. Segundo o Jornal dos Sports, “Barbosa foi chamado a praticar algumas defesas de grande vulto, relembrando os bons tempos”.
54 – O ressurgimento no Bonsucesso
Barbosa voltou ao Rio de Janeiro no segundo semestre de 1956, de início treinando no Olaria. Recebeu uma proposta do Bonsucesso e, apesar de certo impasse na liberação pelo Santa Cruz, ficou na equipe leopoldinense. Por lá, o veterano acabou recuperando a fama como um dos melhores goleiros do futebol carioca. Mesmo num clube modesto, que fechou o campeonato de 1957 na penúltima colocação, Barbosa colecionou boas atuações e teve sua dose de destaque. “Estou plenamente satisfeito pela oportunidade que me foi proporcionada pelo Bonsucesso. Acredito que atingi a minha melhor forma física e técnica”, afirmou, à Gazeta Esportiva, na época.
55 – Turnê pela Europa
O Bonsucesso também realizou uma excursão pela Europa em 1957. Disputou amistosos na Alemanha Ocidental, na França e na Suíça, além de parar em Marrocos antes do retorno ao Rio de Janeiro. Foi uma oportunidade de Barbosa ter seu talento reconhecido pelo público europeu. “Vem sendo das mais sensacionais as exibições do goleiro Barbosa na equipe do Bonsucesso em sua excursão pela Alemanha, aparecendo como uma das principais figuras do quadro rubro-anil. A torcida germânica aplaudiu bastante as sensacionais defesas do goleiro brasileiro”, afirmava o Jornal dos Sports.
56 – O Rio-SP de 1958
O retorno de Barbosa ao Vasco aconteceu em 1958, respaldado pelo técnico Gradim. E o goleiro não voltaria de mãos abanando, com a conquista do Torneio Rio-SP logo em abril daquele ano. Os cruzmaltinos asseguraram a taça inédita com goleada, enfiando 5 a 1 em cima da Portuguesa dentro do Pacaembu. Barbosa foi uma solução emergencial, após a lesão de Hélio, e brilhou. “Com suas mechas de cabelos brancos, mas sorridente e feliz, o velho Barbosa diria que o coração não envelhece, pegaria muita coisa com a classe dos bons tempos e somaria mais um título bem bonito ao rosário dos que já possui, e ainda vai jogar muito futebol debaixo dos paus, podem crer, fazendo raiva a muita gente”, escrevia Pedro Nunes, no Jornal dos Sports, sobre mais uma atuação de gala do arqueiro vascaíno.
57 – Um título especial
A decisão do Torneio Rio-SP ainda guardou uma presença ilustre nas arquibancadas. Pela primeira vez, dona Isaura, a mãe de Barbosa, compareceu a um jogo do filho. Aos 70 anos, a senhora pediu a outro filho que a levasse para o estádio em São Paulo e provocou uma grata surpresa ao goleiro. Certamente gostou do que viu, presenciando o último título conquistado pelo camisa 1 dentro de campo.
58 – A Copa do Mundo de 1958
Em abril de 1958, recuperando o moral no Vasco, Barbosa seria perguntado se ainda tinha esperanças de disputar a Copa do Mundo. A resposta para Geraldo Romualdo Silva, do Jornal dos Sports, nada tinha a ver com uma herança mal vista. O goleiro, que recém-completara 37 anos, não acreditava mesmo por sua idade: “O brasileiro que assiste futebol tem má vontade com os veteranos”.
59 – O respeito no Uruguai
Anos depois da Copa de 1950, Barbosa era admirado no Uruguai. Tanto que, em 1958, o veterano chegou a ser sondado por dirigentes do Peñarol durante uma excursão com o Vasco a Montevidéu. “Barbosa respondeu que precisava de tempo para estudar o caso. A proposta, naturalmente, foi inspirada pelas grandes exibições do veterano arqueiro durante os treinos nesta capital”, escrevia o Jornal dos Sports.
60 – As inspirações de Barbosa
Também ao Jornal dos Sports, Barbosa nomeou suas inspirações no gol: “Aprendi muita coisa com Jaguaré, que vi pouco. Com Batatais, Jurandir, Oberdan e outros”. Complementaria, em outra entrevista: “Gylmar é o mais completo que tivemos nos últimos anos. Mas, no Brasil, Batatais foi o melhor. E no estrangeiro foi Gualco, da Argentina, um paredão”.
61 – O amigo Castilho
Barbosa ainda rasgava elogios a Castilho, seu companheiro de Seleção em 1950: “Castilho possui o primordial num keeper: a regularidade. Nos últimos anos ninguém foi mais sacrificado do que ele. Castilho joga a roupa do corpo pelo Fluminense. Não digo que os demais não joguem. Que eu próprio não jogue. A diferença é que ele se expõe a riscos por excesso de entusiasmo. Por desejar fazer mais do que pode. Castilho é um senhor keeper. Em dez partidas boas, apenas uma poderá não satisfazer sem contudo comprometê-lo”.
62 – O Carioca de 1958
O ano de 1958 ainda guardaria o sexto e último título no Campeonato Carioca a Barbosa. O goleiro atuou sobretudo no primeiro turno, mas, com lesões e fora da melhor forma, perdeu a posição para Miguel na metade final da competição. Ainda assim, o apelidado ‘Tio' era uma liderança e um exemplo nos vestiários rumo ao célebre ‘Super-Super-Campeonato', com dois triangulares até o desempate contra Flamengo e Botafogo. Depois da façanha, Miguel declararia toda sua gratidão, ao Jornal dos Sports: “Devo tudo o que sou a Moacyr Barbosa, meu ídolo de menino e meu mestre na adolescência. Nunca poderia supor que viria encontrá-lo no meu caminho de perseguidor da fama. Barbosa ensinou-me todos os segredos da bola. Pacientemente, colocava-se ao meu lado e cantava o jogo para mim. Eu era nervoso, preocupava-me com pequenas coisas. Ele me deu calma e confiança”.
63 – O maior rival de Dida
Craque do Flamengo nos anos 1950, Dida considerava Barbosa o melhor de todos os tempos, como contaria à Manchete Esportiva anos depois: “O Barbosa era demais. Principalmente pela sua colocação. Eu entrava, driblava, chutava e lá estava ele, parado, encaixando a bola. Ou então ameaçava que ia para um lado e ficava esperando o chute, no outro. Não entrava. A gente chutava e ele defendia. Foi o maior goleiro que vi”.
64 – Barbosa contra Pelé e Coutinho
Em 1959, o Santos tirou a coroa do Vasco e conquistou o Torneio Rio-São Paulo. Ainda assim, os cruzmaltinos chegaram à última rodada com chances e deixaram o troféu escapar no Pacaembu. O Peixe venceu por 3 a 0, com dois de Coutinho e outro de Pelé. Apesar disso, Barbosa sairia aclamado. “Embora a vitória final tenha pertencido ao Santos e, com ela, o título máximo, a festa inteira teve um dono principal: o veteraníssimo Moacyr Barbosa. Logo aos dois minutos de jogo defendeu sensacionalmente um tiro de Pelé desferido de cinco metros, que empolgou todo o Pacaembu. Dali para diante foi vedete, abraçando-se à bola, espantando-a para corner, socando-a para fora de sua área, enfim, fazendo o possível para manter a virgindade de seu arco, o que, afinal de contas, não conseguiu mas sem influir, contudo, no balanço técnico de sua performance”, relatava a Manchete Esportiva na época.
65 – O elogio de Nelson Rodrigues
Na própria Manchete Esportiva, Nelson Rodrigues também descrevia a partida de Barbosa: “Glória, pois, ao imortal Barbosa. Debaixo dos três paus, ele foi algo como uma rocha oceânica, como uma Bastilha invicta. Amigos, sua velhice não é velhice, mas uma soberba, uma salubérrima eternidade. E o falso velhinho impediu que a goleada fosse mais abundante, mais torrencial”.
66 – O Rei se rendia
Depois da partida, o jovem Pelé reservou elogios ao veterano: “Gostei. Da vitória e de Barbosa. Incrível como ainda joga. É um dos melhores goleiros do Brasil no momento”.
67 – O segredo da longevidade
Barbosa comentava, em 1959, os segredos de sua longevidade nos gramados, à Revista do Esporte: “Meu treinamento não difere em muito do de outros colegas, mas procuro cuidar bem da parte alimentar, fugindo o mais que posso das comidas gordurosas. Os legumes primeiro. Tal precaução tem-me valido muito”. Sobre cuidados essenciais, também diria: “Treinamento diário (saltos, corrida, com bola, etc.); boa alimentação (de acordo com a constituição física e as tendências do indivíduo); repouso (oito horas de sono por noite, no mínimo); evitar bebidas alcoólicas ou então beber moderadamente; evitar fumo em excesso, pois a nicotina prejudica o fôlego; e obedecer a um regime de peso conveniente”.
68 – Vasco até nos aspirantes
Em 1960, o Vasco não aceitou de primeira a pedida de Barbosa em sua última renovação. O goleiro pretendia jogar até os 40 anos, mas as negociações levaram um tempo. Porém, em reconhecimento aos serviços prestados, os cruzmaltinos dariam mais um ano de vínculo ao ídolo. Barbosa, aliás, mostrou como o Vasco estava acima de tudo. O arqueiro atuou até mesmo pelo time de aspirantes, atendendo a um pedido do clube, e o veterano não teve vaidades para apresentar o mesmo espírito de luta pelo segundo quadro. Na época, o camisa 1 preparava seus substitutos: Ita, Miguel e Humberto.
69 – A época do tostão
Em 1962, às portas do fim da carreira, Barbosa falava sobre suas condições financeiras à Revista do Esporte: “No meu dicionário, não há a palavra fortuna. Fui um jogador da época do tostão. Não tive fama numa época muito boa como a de agora, em que qualquer principiante pede milhões para assinar contrato. Apesar disso, vivo tranquilamente. Tenho minha casa própria, meu emprego na loja do meu bom amigo Adriano Rodrigues e alguma reserva que me permite encarar o futuro com um sorriso de confiança”.
70 – A curta aventura no Campo Grande
Em 1962, ao deixar o Vasco, Barbosa descumpriu a promessa de se aposentar aos 40 anos e aceitou uma proposta do Campo Grande, estreante na primeira divisão carioca. No clube da Zona Oeste, se juntou a outros veteranos, como Décio Esteves e Dequinha. E teria um início impressionante, no clube que acabara de conquistar o acesso: na rodada inaugural do Campeonato Carioca, o Campusca derrotou por 1 a 0 o Botafogo, campeão no ano anterior. Os alvinegros não estavam completos, mas ainda assim Barbosa operou defesas difíceis, diante de um ataque comandado por Amarildo – estrela do bicampeonato mundial do Brasil duas semanas antes, pronto a se transferir para o Milan.
71 – Ajudando um amigo
Sobre sua estadia no Campo Grande, Barbosa definiu à Revista do Esporte: “Não era minha intenção continuar jogando futebol. Mas, para atender a um compadre de Campo Grande, que queria me ver no time, não pude negar a minha colaboração. Estou feliz no Campo Grande, porque tem o ambiente em que gosto de viver: modéstia, camaradagem e compreensão. Meu contrato é de um ano e, se até lá as pernas não me aconselharem em contrário, pode ser que eu continue enganado por mais um ano…”.
72 – O adeus antecipado
A vitória sobre o Botafogo de Amarildo foi o penúltimo jogo da carreira de Barbosa. Sua despedida aconteceu na segunda rodada do Campeonato Carioca, sem tanto glamour, contra o Madureira. O arqueiro sofreu uma distensão muscular e se veria obrigado a pendurar as chuteiras. Ao sair do gramado amparado pelo médico, recebeu a última aclamação como profissional, aplaudido pelos torcedores que presenciaram o fim de uma lenda. “Uma pequena torcida que, talvez, não tenha me visto jogar na minha melhor fase. Mas ela aplaudia como se agradecesse por tudo que fiz como atleta. Senti como se cada uma daquelas pessoas batesse as mãos em minhas costas, se despedindo de um velho amigo”, contou, ao Jornal do Brasil.
73 – Os atacantes
Diante da aposentadoria, também ao Jornal do Brasil, Barbosa fez um balanço respeitoso sobre os atacantes que enfrentou: “Nunca zombei de ninguém. Joguei contra Leônidas, Ademir, Zizinho, Heleno e muitos dos maiores atacantes do Brasil. Acho que qualquer um deles, da seleção brasileira ou do Bonsucesso, é sempre perigoso dentro da área”.
74 – A vida de treinador
“Uma condição que eu imporia para ser treinador: carta branca. Não aceitaria comissão técnica, evitaria o endeusamento de qualquer jogador, porque nenhum deles é imprescindível a uma equipe. Adotaria a disciplina como ponto de partida, como fator primordial. Por isso, pelo que vejo, não me animo a encarar a profissão, por saber que encontraria inúmeras dificuldades pela frente”, diria, em 1962, à Revista do Esporte.
75 – Barbosa técnico
A partir de 1963, Barbosa chegou a assumir alguns trabalhos como treinador. Limitou-se a comandar clubes pequenos, como o Canto do Rio, o São Cristóvão e o Madureira. Também dirigiu o Tiradentes em Niterói e o Auto Esporte na Paraíba.
76 – O reencontro com os uruguaios
Um momento simbólico de Barbosa depois da aposentadoria aconteceu em 1964. Os veteranos de Brasil e Uruguai na Copa de 1950 organizaram um amistoso em Montevidéu, em prol de hospitais infantis. Os brasileiros foram recebidos com honras pelos uruguaios e viram o Estádio Centenário cheio para a ocasião. Entretanto, em campo os “velhinhos” celestes demonstraram um preparo bastante superior com a goleada por 4 a 1. Em julho de 1965, ocorreu a volta no Maracanã, em apoio ao hospital Pró-Matre. Barbosa manteve sua meta invicta, com o triunfo brasileiro por 2 a 0.
77 – A emoção de Barbosa
Ao Jornal dos Sports, em 1964, Barbosa exaltou a ocasião: “Uma coisa me emocionou como nunca em minha carreira: a recepção por parte dos uruguaios naquela noite chamada de revanche pelos brasileiros menos avisados. Posso dizer, sem susto de errar, que o espírito da promoção foi amplamente obtido, pois os uruguaios afastaram das festividades o sentido do jogo, de disputa, realçando o de confraternização. Foi uma exibição. Realmente, perdemos de 4 a 1, pois eles estavam mais preparados, em melhores condições, e se empenharam mais que nós. No entanto, não houve qualquer vibração por parte da torcida e o objetivo foi conseguido, qual seja a finalidade beneficente, filantrópica. Foi a coisa mais bela e emocionante da minha vida profissional, visto que se positivou a maneira pela qual os jogadores não servem apenas para distrair o público e podem se dedicar, também, à ajuda ao próximo”.
78 – Os empregos de Barbosa
Barbosa foi Secretário da Fundação de Garantia ao Atleta Profissional do Rio de Janeiro, entre 1970 e 1972. Ao pendurar as luvas, também se envolvia frequentemente com partidas entre veteranos. Foi agente administrativo da Suderj, chegando a conduzir visitas ao Maracanã, assim como trabalhou por anos como administrador do Parque Aquático Júlio Dellamare, no complexo do estádio. Teve ainda uma loja de caça e pesca, além de trabalhar numa loja de aparelhos elétricos e artigos de porcelana. No fim da vida, vivia com um salário mínimo e dependia de ajuda, algo providenciado pelo Vasco em seus últimos anos.
79 – Barbosa comentarista
Barbosa também atuou como comentarista esportivo nos anos 1970. Trabalhava na Rádio Nacional, onde fazia dupla com Januário de Oliveira, célebre nome das narrações do futebol carioca.
80 – O gosto por ajudar
Outro trabalho pouco conhecido de Barbosa acontecia no Hospital Doutor Eiras, no início dos anos 1980. O ex-goleiro dava aulas de esportes a pessoas com limitações físicas e mentais. Usava diferentes modalidades, não só o futebol, como terapia ocupacional aos seus alunos. “Nada mais gratificante do que ajudar alguém carente de afeto, carinho e amor. A vida é uma escola, nela a gente nasce, cresce e morre aprendendo. Cabe a cada um deixar um pouco daquilo que aprendeu para aqueles que aqui ficarão, porque da vida não se leva nada”.
81 – Música e literatura
Barbosa tinha gostos refinados pouco conhecidos, conforme contou ao Jornal dos Sports em 1989. Um de seus passatempos favoritos era a leitura, com apreço especial por Guimarães Rosa. Também gostava de ouvir música clássica, escutando principalmente a Rádio Jornal do Brasil FM. Raramente via jogos.
82 – O prazer pelo futebol dos pequenos
“Nos clássicos, há pouco futebol e muito vedetismo, e para não sair aborrecido do estádio eu prefiro não ir. São muitos milhões para alguns e nada para outros. Alguns correndo feito um boi ladrão dentro de campo e outros dando toques bonitos na bola. Por isso eu prefiro acompanhar os times pequenos, que ainda conservam a essência do futebol brasileiro, porque eles precisam aparecer para ter uma oportunidade de um lugar ao sol”, diria ao Jornal dos Sports, em 1981.
83 – A dedicação
Já aposentado, Barbosa ressaltava como a dedicação fez diferença em sua carreira. “Para ser bom, o sujeito tem que ser muito dedicado, nem que tenha que acordar, almoçar, jantar e dormir com a bola debaixo do braço. O goleiro tem que ter intimidade com a bola, por isso não pode deixá-la. Na minha época, quando acabava os treinamentos normais, eu ia para debaixo da baliza para treinar e diziam até que eu era maluco. Mas eu não me importava, porque eu queria cada vez mais ser melhor. Quando não tem com quem treinar, pode-se treinar até sozinho. O goleiro tem que ser sempre o primeiro a entrar em campo e o último a sair. O gol é a posição de maior sacrifício de uma equipe, por isso o goleiro não pode errar”, avaliava Barbosa, em 1981, ao Jornal dos Sports.
84 – Os mestres
Além disso, Barbosa escolheu os responsáveis por seu sucesso: “Tudo o que eu consegui no futebol eu devo a Deus, Ondino Viera, Flávio Costa e à dedicação que eu sempre tive à minha profissão. A eles porque acreditaram em mim e para não decepcioná-los eu me dediquei ao máximo para me aprimorar cada vez mais”.
85 – Fã de Taffarel
Barbosa nutria uma enorme admiração por Taffarel. Em 1988, durante as Olimpíadas de Seul, rasgou elogios ao futuro tetracampeão, em conversa com o Jornal do Brasil: “Ele é perfeito. Tem reflexo, colocação, sabe sair do gol, sangue-frio e transmite enorme confiança aos companheiros. É titular absoluto em qualquer seleção brasileira que se faça atualmente”. Também diria ao Jornal dos Sports, em 1989: “O Taffarel está muito bem. Inspira confiança. Aliás, sempre exaltei suas virtudes. Esteve bem no Campeonato Brasileiro e na Seleção comprova seu valor. O forte dele é a tranquilidade. Possui, ainda, excelente reflexo. Não vejo defeitos nele. Tampouco considero que precise de conselhos. Noto nele algo importantíssimo em qualquer profissão: sente-se que gosta do que faz”.
86 – A torcida por Dida
No fim da vida, Barbosa ganhou um goleiro para torcer: Dida, um raro herdeiro negro de sua antiga posição na Seleção. O veterano não escondia a representatividade que via no baiano, algo expresso ao Jornal do Brasil em julho de 1999: “Joguei na Seleção até 1953, depois só teve o Manga, que foi logo queimado na Copa de 1966. Os poucos que apareceram tiveram pouca chance, e isso acabou fazendo com que os negros se sentissem retraídos para tentar ser goleiros. Tomara que Dida volte a estimular a garotada”.
87 – Como via Dida
“Dida vai dominar a posição por muitos anos. Peço para que Deus o proteja. O goleiro é o fiel da balança de um time de futebol. Dida lembra muito o Gylmar. Especialmente nos momentos adversos. Mostra que tem condições de se redimir. Ninguém é perfeito, todo mundo falha. Outra virtude é a segurança, a mão firme. Dificilmente larga uma bola. Mas ele precisa falar mais. Sinto falta de entrosamento com os zagueiros. A posição do goleiro é privilegiada, está sempre de frente para o jogo. É quem está melhor colocado. Além disso, precisa aprimorar as saídas de gol, apesar de ter mostrado melhora. Ele tem que dominar a área, ainda mais pela estatura”, analisava Barbosa, ao mesmo Jornal do Brasil.
88 – Os dez mandamentos do goleiro: Vocação
Em 1959, à pedido da Revista do Esporte, Barbosa elaborou os '10 mandamentos do goleiro'. A seguir, a transcrição de cada um deles: “1° – Vocação – Isso é o essencial. Sem vocação, não adianta. É trabalho perdido. É preciso que o sujeito nasça talhado para a posição, que goste de jogar no gol. É o mais importante de todos, este item”.
89 – Os dez mandamentos do goleiro: Raciocínio rápido
“2° – Raciocínio rápido – O goleiro não pode hesitar um segundo sequer. Deve decidir rapidamente: ou sai para cortar a bola ou aguarda a conclusão do lance. Deve acompanhar as jogadas com raciocínio”.
90 – Os dez mandamentos do goleiro: Reflexo
“3° – Reflexo – Isso já é uma coisa mais instintiva. Mesmo assim, o goleiro deve se esforçar para adquirir os reflexos que a posição impõe”.
91 – Os dez mandamentos do goleiro: Golpe de vista
“4° – Golpe de vista – É importantíssimo, pois serve para calcular a direção e a altura da pelota, em relação ao solo. Inclusive, poupa energias, também, evitando saltos desnecessários”.
92 – Os dez mandamentos do goleiro: Arrojo
“5° – Arrojo – O bom goleiro deve ser corajoso. Qualidade obrigatória. Há certos lances em que só a coragem do arqueiro salva uma cidadela. Ele deve saber arrojar-se aos pés do adversário, evitando confundir-se, é claro. Para isso, há uma técnica especial, que só a experiência ensina”.
93 – Os dez mandamentos do goleiro: Serenidade
“6° – Serenidade – O homem deve ser sereno. Qualidade fundamental. Não pode perder a calma ou se apavorar, senão põe tudo a perder. Outra coisa: o marcador não pode influir na sua atuação. Deve, senão ignorá-lo, ao menos despreocupar-se com ele”.
94 – Os dez mandamentos do goleiro: Firmeza nas mãos
“7° – Firmeza nas mãos – Mãos firmes. Ele tem de segurar a pelota com força. Espalmar ou conjurar o perigo de soco é sempre perigoso. Nada melhor do que segurar a pelota firme e embolotar-se com ela. Essa qualidade só se adquire com um treinamento intensivo”.
95 – Os dez mandamentos do goleiro: Altura
“8° – Altura – Esta não depende do indivíduo, mas ajuda muito. Isso, entretanto, não age em detrimento dos goleiros baixos, porquanto conheci dois de estatura pequena que eram cobras: Aimoré e Vítor. Um goleiro alto que salta bem leva muita vantagem na cobrança do escanteio, por exemplo”.
96 – Os dez mandamentos do goleiro: Elasticidade
“9° – Elasticidade – Outro fator que é muito importante. O goleiro tem de saber se esticar, pois as bolas atiradas ao ângulo são inúmeras. É essencial o domínio sobre todos os músculos do corpo”.
97 – Os dez mandamentos do goleiro: Peso
“10° – Peso – Muitas vezes dois ou três quilos a mais tiram muito da elasticidade do indivíduo. Para manter o peso normal, é aconselhável um regime alimentar adequado”.
98 – A filosofia
“Pegar no gol é uma arte. Não pode deixar de ser. Do mesmo modo como o pintor nasce pintor, o goleiro já entra em campo com o seu destino traçado. Tentará, como é comum, iniciar-se rebatendo ou arrematando. Com o tempo, porém, acabará entregando os pontos. Reconhecendo que não tem outro remédio senão solucionar o seu problema aparando bolas. Ou tentando aparar, o que é de amargar”, refletiu Barbosa, ao Jornal dos Sports, em 1958.
99 – Todo goleiro é condenado
Pouco depois de se aposentar, em 1964, Barbosa declarou ao Jornal dos Sports: “Gol não é lugar de cristão jogar. Gol é cadeira elétrica”.
100 – 50 anos depois, Ghiggia
“Se eu soubesse que o Maracanã se calaria daquela forma e que você seria culpado, não teria feito aquele gol”, disse Alcides Ghiggia num dos últimos encontros com Barbosa, pouco antes da morte do goleiro em abril de 2000.