Copa das Nações da Oceania

Dez anos de uma surpresa inesquecível: o Taiti campeão da Copa das Nações da Oceania

O Taiti levou o título continental contra a Nova Caledônia e se marcaria na Copa das Confederações de 2013

Uma das maiores surpresas do futebol de seleções se concretizava há exatos 10 anos: o Taiti se sagrava campeão da Copa das Nações da Oceania. Os Guerreiros de Ferro aproveitaram a ausência da Nova Zelândia na decisão para desbancar a Nova Caledônia e assegurar o inédito troféu continental. A equipe praticamente semiamadora, assim, ganhou o direito de disputar a Copa das Confederações em 2013 e teve uma simpática passagem pelo Brasil, apesar das goleadas sofridas. A façanha permanece ainda hoje como algo único entre as seleções da OFC, que não conseguiram desbancar os neozelandeses desde então. O ineditismo dos taitianos é singular e sem muitas perspectivas de repetição.

A seleção do Taiti surgiu ainda em 1952, mesmo com a ilha integrando a Polinésia Francesa. Os taitianos tinham sua independência no futebol e despontaram desde o início como uma equipe relevante no cenário da Oceania. Tanto é que os Guerreiros de Ferro foram vice-campeões na primeira edição da Copa das Nações, em 1973. Perderam a decisão para a Nova Zelândia. Já em 1980, a Copa das Nações foi organizada pela segunda vez e de novo o Taiti sucumbiu na decisão, agora para a Austrália – deixando os neozelandeses pelo caminho na fase de grupos. Aquela equipe taitiana contava com Erroll Bennett, considerado o grande talento da nação durante o Século XX.

O Taiti só começou a disputar as Eliminatórias para a Copa do Mundo a partir do qualificatório de 1994. Também foi nessa época que a Copa das Nações começou a ser organizada com regularidade. Em 1996, os Guerreiros de Ferro amargaram mais um vice-campeonato, em decisão vencida pela Austrália com duas goleadas. Depois disso, os taitianos ficaram entre os quatro primeiros colocados em 1998 e 2002. A ilha tinha sua reputação no futebol da Oceania, mas não que isso rendesse louros. A saída da Austrália rumo à AFC a partir de 2006, ao menos, reduzia pela metade o número de adversários a se bater na OFC.

A Nova Zelândia conquistou a Copa das Nações em 2008, seu quarto título na competição. E não se imaginava algo diferente quando a nova edição teve início em 2012. Os All Whites tinham se classificado para a Copa do Mundo anterior e fizeram um papel acima das expectativas na África do Sul. Tinha uma equipe bem mais tarimbada, que incluía nomes como Shane Smeltz e Ivan Vicelich, além de jovens em ascensão como Chris Wood e Tommy Smith. Era o time a ser batido.

De resto, as seleções menores se agarravam em heróis locais. Bertrand Kaï defendia a Nova Caledônia, Roy Krishna estava presente em Fiji, Henry Fa'arodo capitaneava Ilhas Salomão, Kema Jack era o destaque em Papua Nova Guiné. Já o Taiti concentrava seu elenco entre os clubes locais, como o Tefana, o Dragon e o Vénus. Parte dos convocados até chegou a tentar a sorte no futebol europeu, mas sem passar das divisões de acesso e das categorias de base. Era o caso do atacante Steevy Chong Hue, único titular que jogava no exterior, nos níveis amadores da Bélgica. Além disso, não eram poucos os que conciliavam outros trabalhos com o futebol – de estudante de economia a trabalhador da construção civil.

Um ponto de confiança para aquele Taiti era a geração que despontou no Mundial Sub-20 de 2009. Os taitianos perderam os três jogos no grupo que também tinha Espanha, Nigéria e Venezuela, com 21 gols sofridos e nenhum marcado. A experiência internacional, de qualquer forma, se provava valiosa. Cinco membros daquele elenco seriam titulares na Liga das Nações. Destacavam-se os gêmeos Lorenzo e Alvin Tehau, que na seleção principal ainda tinham a companhia do irmão Jonathan e o primo Teaonui.

Já entre os mais rodados daquele Taiti, a referência ficava com o capitão Nicolas Vallar, que usava a camisa 10 mesmo sendo zagueiro. Dava segurança atrás ao lado do experiente goleiro Xavier Samin. E, no banco de reservas, o técnico Eddy Etaeta também era um ídolo do Taiti. Ex-jogador da seleção, ele passou a trabalhar com a formação de jogadores e ocupou o posto de diretor da federação. Isso até que, em 2010, acabasse convidado para treinar a equipe nacional. Seria o responsável por revolucionar as perspectivas dos taitianos e registrar um feito memorável à nação.

O Taiti começou aquela Liga das Nações com o pé na porta: goleou Samoa por 10 a 1. Seria uma tarde dos Tehau, com nove gols anotados pela família. Lorenzo guardou quatro, Jonathan e Alvin fizeram dois cada, Teaonui também deixou o seu. Chong Hue seria o intruso na lista de marcadores. Logo depois, os Guerreiros de Ferro bateram Nova Caledônia por 4 a 3, num triunfo resolvido no primeiro tempo, com a situação em xeque só quando os oponentes marcaram três gols nos 15 minutos finais. Por fim, outra goleada com os 4 a 1 sobre Vanuatu. O resultado era importante por deixar os taitianos na liderança. Assim, escapavam da Nova Zelândia nas semifinais.

A Nova Zelândia ficou em primeiro em sua chave, mas tinha deslizado ao empatar com Ilhas Salomão, anfitriões da competição. E a surpresa aconteceria contra a Nova Caledônia, na semifinal. Os azarões venceram por 2 a 0, com gols de Bertrand Kaï e Georges Gope-Fenepej. O caminho estava aberto às zebras. No mesmo dia, o Taiti dava também seu passo à frente rumo à decisão. Os Guerreiros de Ferro não vacilaram contra Ilhas Salomão e ganharam por 1 a 0, gol de Jonathan Tehau aos 15 minutos do primeiro tempo. Frustravam a torcida da casa e alcançavam a quarta decisão de sua história, para tentar reverter a sina de vices.

Mais de 10 mil pessoas estiveram nas arquibancadas e nos barrancos de Honiara, capital das Ilhas Salomão, para ver um histórico Taiti x Nova Caledônia. Uma daquelas modestas seleções se sagraria como a campeã da Oceania. Melhor para os taitianos, que se impuseram com o triunfo por 1 a 0. O gol saiu logo aos 10 minutos. Num cruzamento desviado, Chong Hue dominou sozinho e mandou a sapatada no cantinho. Os Guerreiros de Ferro seguiram melhores, com boas chances no primeiro tempo e um gol anulado no segundo. Nova Caledônia cresceu mais para o final, sem aproveitar suas oportunidades. A comemoração emocionada seria do Taiti, com lágrimas escorrendo sobre as faces dos heróis.

O prêmio maior para aquela seleção do Taiti viria com a viagem para o Brasil, rumo à Copa das Confederações. Mesmo com o reforço de Marama Vahirua, taitiano de respeitável história no Campeonato Francês, os Guerreiros de Ferro foram presas fáceis no Brasil. Perderam por 6 a 1 para a Nigéria, por 10 a 0 contra a Espanha e por 8 a 0 diante do Uruguai. Ficou marcada a alegria pelo gol solitário de Jonathan Tehau e pelo pênalti defendido pelo goleiro Gilbert Meriel contra os uruguaios. A turnê se gravaria também pelas lições de civilidade e solidariedade, dos colares típicos entregue aos jogadores adversários antes de cada partida aos ingressos doados pelo técnico Eddy Etaeta a crianças de comunidades carentes do Rio de Janeiro.

Os jogadores daquele Taiti certamente levam o Brasil com carinho em suas memórias. A torcida local, seja pelo reconhecimento ou pela mera zoeira, abraçou os pequeninos e os apoiou ao longo dos jogos. Tanto é que, na despedida do torneio, os jogadores taitianos exibiram bandeiras brasileiras. Tiveram a chance de jogar em templos do futebol e medir forças contra algumas lendas do esporte. Foi esse o tamanho da oportunidade oferecida pela Liga das Nações. O título é grandioso pelo contexto local, mas se torna ainda maior pela experiência de vida garantida a uma equipe semiamadora. Ficou a história.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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