Um passeio pela Lima de Llosa, e o forte vínculo de um Nobel da Literatura com o futebol
Vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2010, Mario Vargas Llosa é um apaixonado pelo futebol e torcedor do Universitario

O autor desta reportagem pede licença à cobertura da seleção brasileira nesta Data Fifa, porque não é sempre que se está em Lima. Uma ocasião que se torna ainda mais especial para um apreciador da obra de Mário Vargas Llosa. Neste caso, passear pelas ruas da cidade – em especial por Miraflores, onde elas são tão envolventes quanto a personagem Lili, de As Travessuras da Menina Má – é ter como guia o imaginário carregado de referências das tramas tecidas pelo escritor.
O relato a seguir é um convite para conhecer Lima sob a ótica do vencedor do Prêmio Nobel de Literatura de 2010. Uma tarefa tão prazerosa quanto cruel. Visitar os redutos descritos com tanta riqueza de detalhes pela pluma de Llosa é o mesmo que ver a obra tomar forma diante de seus olhos. Agora, escrever sobre estes mesmos redutos sem ter um pingo da genialidade do autor…
A Miraflores de Llosa
Qualquer roteiro que se pretenda a seguir os passos de Llosa tem – e deve ter – o bairro de Miraflores como ponto de partida. O bairro que nasce sobre as falésias à beira do Oceano Pacífico e avança com ruas insinuantes Lima adentro é o pano de fundo de algumas das principais obras do escritor.
Llosa viveu boa parte de sua adolescência cercado pelos casarões floridos que colorem as largas e arborizadas ruas de Miraflores – nome que faz todo o sentido. Um bairro residencial pacato com seus jardins e parques a perder (e encantar) de vista. E que hoje reside no passado, eternizado em muitos dos livros do autor.
Hoje, Miraflores é muito mais dos prédios espelhados de escritórios e residenciais luxuoso cravejados na encosta à beira do Pacífico. E muitos menos das mansões e suas flores. Um ou outro casarão ainda resiste, como prova física de um passado glorioso distante. Um charme, sem dúvidas, em um bairro cosmopolita e com vida noturna agitada.

É às margens do Pacífico que o nosso passeio começa, onde hoje há um moderno shopping center instalado em “degraus” na rocha que se ergue diante do oceano. Acima do complexo, está o Parque Salazar. A vista de lá para a baía de Lima é nada menos do que espetacular. Explica sem usar palavra porque Llosa a escolheu como cenário para amores à primeira vista de seus personagens – o lugar favorito de Lili, de As Travessuras da Menina Má.
As cercanias do Pacífico são todas preenchidas por parques e mirantes para o oceano. Um convite para passar algumas boas horas, mas partimos da costa às entranhas de Miraflores. Após alguns minutos de caminhada, o cheiro de turrones e pães assados nos arrasta ao Parque Kennedy, o antigo Parque Central de Miraflores, tomado de peruanos no último sábado. A praça toda arborizada estava colorida por barraquinhas de vendedores de doces e pelas telas do Paseo de los Pintores.
O Parque Kennedy é figura presente em muitos dos livros de Llosa. Muitos de seus personagens deram passos por lá. E é a alguns poucos passos de distância que fica La Tiendecita Blanca, um café onde Lucrécia e Don Rigoberto, personagens de Elogio da Madrasta, encontravam-se entre goles de chá para falar sobre amor.

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No ponto em que o Peru se f****
De Miraflores ao quase sempre tumultuado centro de Lima. Para sorte deste repórter, o “quase” desta vez estava ao seu lado, em um domingo acinzentado na capital peruana. Parecia obra do destino. Porque as nuvens que preenchiam o céu fazem parte do cenário da principal frase escrita pela pluma de Llosa. A frase que os peruanos hoje chamam de “dilema Vargasllosiano”.
Pois foi ao botar os pés na calçada do cruzamento das avenidas Tacna e Nicolás Piérola (antiga Avenida Colmena), que o personagem Zavalita, de Conversa na Catedral, faz a seguinte reflexão:
– Da porta do La Crónica, Santiago contempla a Avenida Tacna, sem amor: automóveis, edifícios desiguais e desbotados, esqueletos de anúncios luminosos a flutuar na neblina, o meio-dia cinzento. Em que ponto o Peru se f***? – escreveu o autor em Conversa na Catedral.

Era também perto de um meio-dia cinzento, diante de prédios desbotados no mesmo cruzamento das avenidas Tacna e Colmena. Mas este repórter não teve a mesma sensação que Zavalita. Na verdade, ele seguiu pelas ruas do Centro Histórico, ainda encantado com a capital peruana, em direção à Praça San Martín para encontrar a última referência a Llosa no passeio. O bar Negro Negro, hoje chamado de “De Grot”, onde Carlitos deixava todo o seu salário em Conversa na Catedral.
E é importante que se diga: esta é a última referência ao Nobel de Literatura apenas deste passeio, feito em algumas poucas horas antes de ouvir o chamado do dever. Era momento de rumar ao Estádio Alberto Villanueva para cobrir o treino da Seleção. Mas a Lima tão bem retratada por Llosa guarda muitos outros recantos do escritor que é um de seus maiores amantes.
Llosa e futebol, um vínculo eterno
Na Lima que tanto o encantou em sua infância, Llosa descobriu outra de suas paixões: o futebol. Influenciado pelo tio, o então garoto virou torcedor do Universitario. Aliás: um fervoroso torcedor crema, frequentador assíduo das arquibancadas. O jovem Mario chegou a tentar carreira nas categorias de base do clube do coração. Mas o talento com as pernas não acompanhou o talento de sua pluma. O escritor tão consagrado é um meio-campista frustrado.
O que não diminuiu em momento algum o seu fanatismo. Llosa seguiu apaixonado pelo Universitario. Tão apaixonado, que conquistou a sua maior honraria um ano após receber o Nobel de Literatura. Em 2011, ele foi homenageado como sócio-vitalício do clube.

Outro episódio dá a dimensão exata de como o futebol é importante na vida de Llosa. Em junho de 1965,o escritor chegou a interromper a lua de mel para poder ver Pelé de perto. É que o Brasil se preparava para a Copa do Mundo do ano seguinte, na Inglaterra. Em 6 de junho, o escritor viu Pelé marcar um dos gols da vitória por 2 a 0 sobre a Alemanha Ocidental, em amistoso no Maracanã.
Ao longo de sua trajetória, Llosa também usou suas palavras tão bem escolhidas para falar do assunto mais importante entre os menos importantes. O futebol foi parte de sua literatura e até de relatos reais. Llosa foi cronista esportivo para o jornal espanhol ABC durante a Copa do Mundo de 1982.