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Uma só palavra para desqualificar a noite do Cruzeiro, engolido pelo River, é insuficiente

Desconcentração, oba-oba, desleixo, falta de brio, excesso de erros. Você pode escolher o termo que preferir. É impossível explicar a eliminação do Cruzeiro na Libertadores com apenas um deles. A decepção do time de Marcelo Oliveira no Mineirão foi enorme, especialmente depois da vitória no Monumental de Núñez. Errando demais e sem consistência nenhuma, a Raposa acabou sendo presa fácil a um River Plate bem mais experiente em competições continentais. Uma atuação depressiva, em que a derrota por 3 a 0 acabou até sendo pequena, diante do domínio dos argentinos. E de classificado nos últimos instantes, o River chega com um moral imenso nas semifinais.

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Depois de tudo o que aconteceu, é até fácil dizer que “vencer em Buenos Aires não foi bom ao Cruzeiro”. De fato, a autoconfiança parece excessiva em Belo Horizonte. Mas não é só por isso que a equipe celeste jogou fora o excelente resultado fora de casa. Os cruzeirenses também não apresentavam um plano de jogo. A construção do ataque não tinha sequência, como havia acontecido, por exemplo, contra o São Paulo. E em uma noite também pouco inspirada individualmente, não houve o que salvasse os mineiros.

A sorte poderia ter sido totalmente diferente por um lance aos dois minutos. William saiu na cara do gol e soltou a bomba, por cima do travessão. Mas será que apenas esse gol bastaria para acuar o River Plate, para corrigir as tantas falhas do Cruzeiro? Difícil de saber, mas, por tudo o que aconteceu em campo, dá para apostar exatamente o contrário. Porque a Raposa não se impunha com a posse de bola, não tinha criatividade no ataque e sequer se defendia com consistência. Não conseguia acertar uma sequência de troca de bolas, errando passes demais. Uma equação que só pode resultar no colapso completo.

Diante da força física do River, pressionando no ataque, o Cruzeiro começou a se abrir. E a defesa, que tinha dado muitos sustos já em Núñez, acabou vazada logo aos 19 minutos. Em um contra-ataque perfeito, Téo Gutiérrez deu grande passe e Carlos Sánchez preencheu os espaços para receber sozinho e tirar do alcance de Fábio. A partir daquele momento, os donos da casa já pareciam se entregar. Sem ter o controle da bola, chamavam os Millonarios para cima. Para quem precisava de um gol apenas, a equipe não fazia o mínimo. Não dava nem para esperar algo da velocidade ofensiva, diante da falta de sintonia do trio de meias. E o segundo tento dos argentinos parecia só questão de tempo. Depois de Ponzio finalizar rente à trave, Maidana subiu de cabeça para balançar as redes outra vez.

O intervalo sequer saiu para o Cruzeiro esfriar a cabeça. Em noite tenebrosa, De Arrascaeta saiu para dar lugar ao talismã Gabriel Xavier. Nem houve tempo para muito. Téo Gutiérrez fez o que quis com Bruno Rodrigo e, depois de um drible da vaca, bateu cruzado para anotar o terceiro. Uma superioridade inquestionável do River, não só pelos gols marcados. A postura dos visitantes era uma lição, pressionando demais na marcação e lutando por cada bola. Uma combatividade que não foi vista em nenhum momento entre os cruzeirenses, já se escorando nas cordas para jogar a toalha.

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A apatia do Cruzeiro contaminou também as arquibancadas. Entre os 55 mil presentes no Mineirão, o que mais se ouvia era a minoria do River Plate, que parecia lotar o estádio pelo barulho. Cerca de 1,5 mil contra outros 53 mil. Tanto que cantavam o tradicional “Ya lo ves, somos locales outra vez”. Para não ficar tão feio, quando os Millonarios já não forçavam mais, o Cruzeiro tentou fazer o de honra, mas a trave impediu que Leandro Damião e Alisson marcassem. E a goleada dos argentinos só não se tornou completa porque Gabriel Xavier trocou uma excelente chance no mano a mano de Martínez pela própria expulsão.

O Cruzeiro até pode reclamar daquele que foi o seu problema desde o início do ano, o desmanche do time campeão brasileiro. Mas, nos últimos jogos desta Libertadores, já tinha demonstrado que era possível superar isso com a mesma base de jogo do passado, se entregando em campo e tendo consciência de suas limitações. O problema é que a soberba pelo resultado em Buenos Aires parece ter feito a Raposa ter se esquecido de tudo isso. Sem firmeza, não dá para chegar longe em um torneio tão disputado. Algo que segue aos filmes já vistos contra Estudiantes e San Lorenzo – quando ao menos os elencos, bem menos limitados que o atual, tinham mais razões para relaxar. Agora, é pensar no Brasileiro. E ter a humildade de saber que o tricampeonato depende de uma capacidade que os jogadores estão muito longe de apresentar atualmente, apesar das boas peças disponíveis.

Já o River Plate se reinventa como favorito da Libertadores, duas fases após se classificar como azarão. O time de Marcelo Gallardo não começou 2015 bem, após o título da Copa Sul-Americana, mas recupera a consistência no momento certo. Apresentou uma mentalidade excelente para segurar o Boca Juniors e reverter o resultado contra o Cruzeiro. Além, é claro, de ter à disposição vários nomes capazes de decidir – em especial Gutiérrez, no quarteto formado ao lado de Mora, Ponzio e Carlos Sánchez. A pausa até o duelo contra Racing ou Guaraní pode até atrapalhar. Porque, se fosse apenas pelo embalo atual, os Millonarios despontariam com ainda mais força ao seu terceiro título continental.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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