Caso de racismo em jogo do Corinthians vai testar (de novo) a Conmebol
Denúncia desta semana tem um detalhe determinante: o suspeito é um funcionário de um clube de futebol

Quando o ônibus da delegação do Universitario, do Peru, deixou a Neo Química Arena por volta da 1h da manhã (de Brasília) desta quarta-feira (12), um funcionário ficou para trás. O preparador físico Sebastian Avellino Vargas foi preso em flagrante sob suspeita de injúria racial a torcedores do Corinthians.
Tudo teria acontecido durante o aquecimento da equipe peruana, cerca de meia hora antes de o jogo começar. Vargas teria imitado um macaco na direção das arquibancadas, segundo torcedores que o denunciaram à polícia. Três testemunhas foram ouvidas em uma delegacia localizada dentro do estádio, e depois disso o suspeito foidetido.
A delegação do Universitario voltou ao Peru durante a madrugada, mas Sebastian Avellino Vargas passou a noite preso. Ele foi levado ao 65° Distrito Policial, nas imediações do estádio, e teve a companhia de representantes do Consulado do Peru em São Paulo. Durante a tarde, o suspeito passou por audiência no Fórum Criminal da Barra Funda, onde teve a prisão em flagrante convertida para preventiva. Ele pode recorrer para responder em liberdade.
?Tremenda imagen: Sebastián Avellini, PF de Universitario de Perú, fue detenido y encapuchado en Brasil por supuestos gestos racistas contra la hinchada de Corinthians.
?Fabio Lazaro pic.twitter.com/mTJx2Jinv8
— El Gráfico (@elgraficoweb) July 12, 2023
Como a Conmebol vai tratar a denúncia
Já há uma investigação em curso na Unidade Disciplinar da Conmebol, de âmbito esportivo, que independe da investigação criminal da Polícia Civil de São Paulo. Neste primeiro momento há uma varredura de todo o material disponível sobre o suposto ato racista, desde vídeos publicados nas redes sociais até as imagens do circuito de segurança da Arena. É um procedimento padrão para denúncias de discriminação.
Esta investigação preliminar colhe os elementos iniciais, então a Conmebol decide ou não abrir um Expediente Disciplinar, geralmente no prazo de 48 horas após o ocorrido. Se aberto o expediente, o preparador físico e o Universitario (PER) terão prazo de cinco dias para se pronunciarem e pode haver uma audiência sobre o caso. É só ao final desta apuração mais cuidadosa que a entidade decide punir ou não o suspeito e o clube. Nos casos recentes na Libertadores e Sul-Americana, as punições costumam ser publicadas duas semanas após os fatos.
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Caso é inédito desde que Conmebol aumentou punições
Já houve 14 casos de racismo registrados na Libertadores e na Sul-Americana nesta temporada, todos partindo de torcedores (veja a relação mais abaixo). Esta denúncia no jogo do Corinthians, no entanto, tem um detalhe determinante: o suspeito é um funcionário de um clube de futebol, não um torcedor nas arquibancadas. É a primeira vez que isso acontece desde que a Conmebol endureceu as punições para casos de racismo, em 2022.
Até então, o flagrante de insultos racistas por parte de torcedores tinha multa mínima de 30 mil dólares para o clube envolvido. Depois de casos seguidos em jogos de times brasileiros, o valor subiu para 100 mil dólares (R$ 480 mil atualmente). Foi esta a multa imposta pela Conmebol ao Libertad (PAR), por exemplo, após torcedores xingarem o goleiro Everson de macaco em 27 de junho. Para efeito de comparação, a entidade paga 300 mil dólares por cada vitória na fase de grupos da Libertadores.
Além da multa, o Libertad vai precisar cumprir uma lista de obrigações na conscientização de torcedores sobre o combate ao racismo: publicações nas redes sociais, exibições no telão do estádio e cartazes da campanha “Basta de racismo”, da própria Conmebol. O clube pode ter o estádio fechado em caso de reincidência.
“Só punição financeira não vai mudar o que está acontecendo nos torneios sul-americanos, inclusive a Conmebol, nos últimos casos, começou a fechar parcialmente os estádios. O próximo passo é ter o estádio totalmente fechado. Aí, sim, acredito que a gente começa a andar em um caminho que vai coibir os casos de racismo”, afirma o diretor executivo do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, Marcelo Carvalho, em entrevista à Trivela.
Time peruano tem outros episódios racistas
Em nota oficial, o Universitario defendeu que “a honra de um profissional do clube foi manchada” e que a detenção do preparador físico suspeito de racismo foi algo “inadmissível, degradante e indignante”. Neste comunicado de sete parágrafos, o clube usou o adjetivo “denigrante”, que não tem tradução perfeita para a língua portuguesa mas que seria “o ato de denegrir”, um termo que por si só levanta discussões sobre o racismo.
A nota oficial não é assinada, mas a versão do clube peruano é a de que os corintianos xingavam jogadores e comissão técnica adversários.
“Torcedores eufóricos nos insultam, cospem e nos atacam, e o detido é um dos nossos. Incrível”, escreveu o principal dirigente do Universitario, Jean Ferrari, que está no Brasil e acompanha o suspeito. O próprio Ferrari é acusado de imitar um macaco em direção à torcida do Alianza Lima durante um jogo do ano 2000, quando era jogador do Sporting Cristal.
Em 2022, um jogo da liga peruana contra o Melgar foi interrompido após um torcedor do Universitario arremessar uma banana no atacante Kevin Quevedo. O clube foi punido no equivalente a R$ 60 mil e teve um setor fechado do estádio Monumental por um jogo. Além disso, a Comissão Disciplinar da Federação Peruana de Futebol obrigou o clube a “fazer campanha contra o racismo”.
Na noite de terça-feira (11), terminada a partida entre Corinthians e Universitario, o time peruano saiu de campo nervoso, tomou a detenção de Vargas como uma perseguição ao clube e prometeram algum tipo de vingança no jogo de volta, na terça-feira que vem (18). “Vocês vão ver no próximo, lá nós seremos locais”, teriam dito, segundo corintianos contaram à Trivela.
Comportamento do torcedor está mudando, diz especialista
O caso na Neo Química Arena mostra que os casos de racismo têm sido mais levados a sério, defende Marcelo Carvalho, do Observatório da Discriminação Racial no Futebol. Ele entende que o debate mais frequente “leva a um comportamento diferente dos torcedores”, como aconteceu em Corinthians x Universitario.
“É um ponto bem importante que pode ajudar no combate ao racismo, pois a gente vê torcedores como os do Corinthians, ontem, identificando um ato racista e indo até a delegacia para prestar queixa. O que a gente sempre viu no futebol é um ato racista acontecer e o torcedor dar risada, mas este é um novo comportamento, já baseado no debate e na conscientização”, diz Carvalho.
“A cultura sul-americana nunca tratou estes casos de racismo em competições. Agora começa a tratar mas, mesmo com punições mais fortes, ainda vai demorar até os torcedores entenderem o processo, e os casos diminuírem. Por isso é muito importante que a Conmebol puna cada vez com mais firmeza, para os clubes tratarem disso com os torcedores”, conclui o diretor executivo do Observatório.
Torcedor do Boca detido por racismo segue a vida normalmente

Em 2022, o gatilho para o endurecimento das punições a casos de racismo por parte da Conmebol foi uma sequência de casos de racismo registrados em jogos internacionais. O de maior repercussão aconteceu justamente na Neo Química Arena, em um Corinthians x Boca Juniors, quando o argentino Leonardo Ponzo foi flagrado imitando um macaco em direção a torcedores brasileiros.
Ele foi detido no intervalo da partida e passou a noite preso, mas foi liberado após pagamento de fiança porque o caso foi registrado como injúria racial (supostamente direcionado a uma pessoa específica) e não racismo (para o qual não cabe fiança). Ele voltou ao país-natal, publicou foto sorrindo e com uma imagem de macaco e atualmente vive a vida como se nada tivesse acontecido, na província de Mendoza, inclusive organizando excursões de torcedores da região para jogos do Boca Juniors.
Casos de racismo em torneios da Conmebol em 2023:
Corinthians x Universitario (PER): preparador físico do time peruano foi detido em flagrante por supostamente imitar um macaco na direção de torcedores do Corinthians.
Libertad (PAR) x Atlético-MG: torcedores paraguaios xingaram o goleiro Everson de “macaco” na saída de campo.
Punição: 100 mil dólares em multa e 5 mil dólares que não serão repassados ao Libertad pelos direitos de transmissão
River Plate x Fluminense: torcedores argentinos imitaram macacos em direção à torcida do Fluminense.
Punição: 100 mil dólares em multa e fechamento de um dos setores do estádio do River em um jogo em casa.
Nacional (URU) x Internacional: em dois jogos, em Porto Alegre e em Montevidéu, torcedores uruguaios imitaram macacos em direção à torcida do Inter.
Punição: 100 mil dólares em multa ao Nacional.
Audax Italiano (CHI) x Santos: no Brasil, um torcedor santista foi flagrado xingando jogadores do Santos de “macacos”. No Chile, o atacante ngelo denunciou insultos racistas por parte de torcedores chilenos.
Punição: não houve, pois o caso não foi julgado pela Conmebol.
Santos x Newell's Old Boys: torcedor argentino abriu uma imagem de uma banana no celular e mostrou em direção à torcida santista.
Punição: 100 mil dólares em multa ao Newell's.
Gimnasia y Esgrima (ARG) x Santa Fé (COL): o atacante Rodallega denunciou insultos racistas por parte de torcedores argentinos.
Punição: 100 mil dólares em multa ao Gimnasia y Esgrima.
Racing (ARG) x Flamengo: torcedores argentinos imitaram macacos em direção à torcida do Flamengo.
Punição: 100 mil dólares em multa ao Racing.
Carabobo (VEN) x Atlético-MG: torcedores venezuelanos imitaram macacos em direção ao ônibus atleticano, na chegada ao estádio.
Punição: 100 mil dólares em multa ao Carabobo.
Cerro Porteño (PAR) x Palmeiras: torcedores paraguaios xingaram jogadores do Palmeiras de macacos.
Punições: 100 mil dólares em multa e fechamento de um dos setores do estádio do Cerro Porteño em um jogo em casa. Bruno Tabata, do Palmeiras, foi suspenso por quatro meses por supostamente xingar os torcedores de macacos, mas o clube vê erro da Conmebol e recorre da decisão.
Huracán (ARG) x Emelec (EQU): técnico do Emelec denunciou que seus jogadores foram chamados de “escravos” e “negros de merda” por torcedores argentinos.
Punições: 100 mil dólares em multa ao Huracán.