Rivais pelo posto de “terceiro grande”, Danubio e Defensor são rebaixados juntos, após mais de cinco décadas na elite uruguaia

O Campeonato Uruguaio de 2020 realiza nesta segunda-feira suas últimas partidas do Torneio Clausura. E a rodada do final de semana seria importante não apenas para definir o Nacional na decisão anual, aguardando o vencedor da semifinal entre Rentistas e Liverpool, como também para decretar os três rebaixados. A segundona charrua, aliás, contará com camisas pesadas na próxima temporada: os tradicionalíssimos Defensor e Danubio caíram, acompanhando o Cerro. O Defensor interrompe uma estadia de 55 anos na elite, enquanto o Danubio completava 50 anos seguidos na primeira divisão. Além de Peñarol e Nacional, que nunca caíram, violetas e alvinegros eram as únicas agremiações que se mantinham na liga local desde o século passado.
Danubio e Defensor podem ser incluídos facilmente na “segunda prateleira” do Campeonato Uruguaio, abaixo apenas de Nacional e Peñarol. Os dois clubes inclusive alimentam uma rivalidade, motivada sobretudo pela ambição em ser o “terceiro grande”. Ambos ocupam a terceira colocação no total de títulos, com quatro cada, empatados com o River Plate. O Defensor é o terceiro na tabela histórica da liga nacional, com menos pontos somados apenas que Peñarol e Nacional, enquanto o Danubio é o quinto na mesma lista, abaixo também do Montevideo Wanderers. Além do mais, enquanto os violetas possuem o quarto maior número de aparições na elite, 93 no total, os franjeados estão na oitava posição, totalizando 70 temporadas.
Fundado em 1913, o Defensor estreou na primeira divisão do Campeonato Uruguaio em 1915. Já o descenso mais recente tinha acontecido em 1964, com o acesso imediato na temporada seguinte. Desde 1966, os violetas haviam disputado todas as edições do Campeonato Uruguaio. Um momento reluzente veio em 1976, com a conquista inédita do título, a primeira de um clube além de Peñarol e Nacional desde a instauração do profissionalismo na década de 1930. A equipe repetiria o feito em 1987, 1991 e 2008. Além disso, levou oito vezes o Apertura ou o Clausura desde os anos 1990. A relevância é enorme a um clube que possui 16 participações na Libertadores, com a presença na semifinal em 2014.
Já o Danubio surgiu em 1932, dentro do profissionalismo, e alcançou a primeira divisão pela primeira vez em 1948. La Franja sofreu dois rebaixamentos em toda a sua história, o último deles em 1969, participando de todas as edições do Campeonato Uruguaio a partir de 1971. Os alvinegros estrearam sua galeria de troféus em 1988, mas passaram a figurar como uma força constante a partir deste século, repetindo o título em 2004, 2007 e 2014. O Danubio ainda levou seis edições do Apertura ou do Clausura, todas de 2001 para frente. E a equipe ainda tinha oito Libertadores no currículo, com destaque à semifinal de 1989.
Se Defensor e Danubio ocupam patamares próximos de grandeza no Campeonato Uruguaio, o drama também se assemelharia no rebaixamento. Ambos já vinham de temporadas modestas em 2019, o que pesou no promédio. O Defensor acumulou 45 pontos nas três etapas da liga (Apertura, Intermédio e Clausura) em 2019, ocupando o 11° lugar entre os 16 times da tabela anual. Ainda assim, os violetas pareciam distantes do risco de descenso. O Danubio foi ainda pior, somando 41 pontos e ocupando o 12° lugar na tabela anual. La Franja ainda tinha ficado a quatro pontos do título no Apertura, antes de despencar na metade final da temporada.
Apesar dos desempenhos ruins em 2019, Danubio e Defensor tinham margens à recuperação em 2020. Porém, a atual campanha afundou ainda mais a dupla. O Defensor ocupou o 13° lugar geral na tabela anual, com 41 pontos. Os violetas até fizeram um Apertura na metade de cima da tabela, mas ocuparam o penúltimo lugar em seu grupo do Intermédio e também estão em penúltimo no Clausura. O Danubio, por sua vez, soma míseros 38 pontos e é o 15° no geral. Foi antepenúltimo no Apertura e também aparece entre os piores no Clausura. Com o promédio, que no Uruguai calcula a média de pontos nas duas últimas temporadas para definir três rebaixados, os dois não escaparam da queda.
O Danubio tinha sido rebaixado ainda na terça-feira da semana passada – como contou também Douglas Ceconello, em mais um ótimo texto no blog Meia Encarnada. Depois de vitórias fundamentais contra Nacional e Boston River, La Franja abriu a penúltima rodada precisando derrotar também o Deportivo Maldonado. Só empatou, cedendo o placar de 2 a 2 aos 50 do segundo tempo – com o gol de Cesar Pereyra, carrasco também no rebaixamento do River Plate no Campeonato Argentino em 2011. Sem mais chances de escapar, La Franja encerrou sua participação neste domingo contra o Rentistas. Campeão do Apertura, o Rentistas também correu riscos na degola, mas já estava a salvo antes da rodada final e terminou de selar o alívio com o triunfo por 1 a 0 sobre o Danubio.
O curioso é que, apesar do descenso, o Danubio revelou uma das sensações do Campeonato Uruguaio: Nicolás Siri, atacante de 16 anos que se tornou o mais jovem a anotar uma tripleta na história da liga. O garoto nutria as esperanças na reta final, num clube acostumado a apresentar grandes talentos – em lista extensa que inclui Edinson Cavani, Álvaro Recoba, Rubén Sosa e diversos outros destaques com nível de seleção. Porém, o prodígio não foi suficiente. A base, aliás, deverá seguir norteando os franjeados em sua reconstrução. Além de Siri, a espinha dorsal dos alvinegros reúne diversos atletas de 21 anos ou menos, com destaque ainda ao meio-campista Maximiliano Rodríguez e ao zagueiro Mateo Ponte. De qualquer maneira, não deverá ser um processo automático, diante da má gestão do Danubio nos últimos anos e do loteamento de sua base a empresários. Arturo del Campo, presidente histórico dos alvinegros até 2010, retomou o cargo em dezembro e tentará a recuperação.
Já o Defensor caiu apenas no último compromisso, em corrida paralela com o Boston River neste domingo. Os violetas tinham que fazer sua parte contra o Cerro Largo, que buscava a Copa Sul-Americana, mas ficaram no empate por 0 a 0. Assim, foram ultrapassados pelo Boston River, que conseguiu um surpreendente resultado ao derrotar o Liverpool – campeão do Clausura e até então invicto na metade final da temporada. O triunfo por 1 a 0, garantido por um gol de pênalti convertido por Ruben Bentancourt aos 41 do segundo tempo, safou o Verdirrojo – que terminou ultrapassando o Defensor na média de pontos das duas últimas temporadas e sobreviveu ao promédio.
Como os rivais, o Defensor possui categorias de base famosas. Alguns jovens que caíram com o time atual devem ser importantes na reconstrução, como o meio-campista Vicente Poggi e o atacante Facundo Milán. Porém, o elenco violeta acaba bem mais marcado pelos inúmeros veteranos que o compõem atualmente. Medalhões do porte de Álvaro González, Tabaré Viudez e Mathias Cardacio tiveram sua parte no fracasso. Foram 18 reforços ao longo da temporada, muitos indicados por uma consultoria técnica contratada para observar jogadores. Uma estratégia atípica ao formador Defensor e que não deve se repetir na segundona.
Outro a cair, o Cerro possui uma representatividade menor, embora seja igualmente tradicional e com uma torcida inflamada. A equipe contabiliza 74 aparições na primeira divisão do Campeonato Uruguaio e três participações em Libertadores. Os albicelestes estrearam na elite em 1927 e chegaram a passar 51 anos consecutivos na elite a partir de 1947. Porém, as últimas décadas guardaram dois rebaixamentos, em 1998 e 2006. Ainda assim, os cerristas vinham de duas aparições consecutivas na Copa Sul-Americana e despencaram de produção nas duas últimas temporadas. No atual Campeonato Uruguaio, somaram míseros 33 pontos, na penúltima posição do Apertura e na última do Clausura.
Considerando os três acessos por temporada no Campeonato Uruguaio, Danubio e Defensor têm amplas chances do retorno imediato. Rampla Juniors, Racing e Central Español serão alguns oponentes tradicionais na segundona, mas que não se comparam à força constituída por Danubio e Defensor nas últimas décadas. A rivalidade entre violetas e franjeados dá um tempero especial ao que ocorrerá na segunda divisão, com uma corrida particular entre as duas equipes. Será necessária também atenção das autoridades, considerando o histórico recente de violência entre ambas as torcidas.
Olhando em perspectiva, o descenso pesa nas finanças, ainda mais num momento de crise, e afasta os dois clubes do cenário continental. Mas o caminho ao reerguimento tende a ser igualmente comum a Defensor e Danubio: a aposta nas categorias de base, a dois clubes com tradição nas canteras. Se antes a disputa era para saber quem podia se aclamar o “terceiro grande”, agora fica a quem se reconstrói mais rápido. Esse sangue jovem que brotou nas últimas décadas nos dois clubes tende a ser ainda mais essencial.