América do Sul

Racismo: 85% dos casos em competições da Conmebol no ano foram contra brasileiros

Casos de racismo em competições da Conmebol não são solucionados; brasileiros são maiores vítimas

Mais uma vez, o racismo esteve presente nos jogos envolvendo times brasileiros nas competições da Conmebol. Na última terça-feira (8), outros dois casos foram registrados nas decisões das oitavas de final da Libertadores e da Copa-Sul Americana.

Se por um lado, no Maracanã, três torcedores do Argentinos Juniors chamaram integrantes da segurança de ‘macaquitos', um grupo do Newell's Old Boys fez imitações de macaco, aos gritos de ‘mono', em direção aos torcedores do Corinthians.

As duas principais competições de clubes da maior entidade do futebol da América do Sul tem sido palcos para um número preocupante de casos nesta temporada de 2023.

Apesar da campanha ‘Basta de Racismo', lançada pela entidade em fevereiro deste ano e presente nos telões dos estádios, para conscientização dos torcedores do continente sul-americano, os casos se repetem, rodada após rodada.

Por outro lado, as punições financeiras que tem sido promovidas pela Conmebol, com valores que giram em 100 mil dólares (cerca de R$ 500 mil), não se mostram eficazes para cessar a ocorrência de atos racistas nas arquibancadas.

Os casos de racismo no futebol sul-americano em 2023

Conforme o levantamento da reportagem da Trivela, as competições continentais, organizadas pela Conmebol, tiveram 14 casos de racismo, sendo 13 deles vindo de torcedores nas arquibancadas. A única exceção é o caso do preparador físico Sebatian Avellino Vargas, do Universitario, do Peru.

Sete equipes argentinas estavam envolvidas, sendo que os torcedores do Newell's Old Boys foram citados em duas oportunidades. Além deles, estão peruanos, paraguaios, chilenos, uruguaios e venezuelanos. Em relação aos times que sofreram as injúrias raciais, os brasileiros são maioria absoluta — 12 dos 14 casos são contra jogadores que atuam em equipes do Brasil: jogos de Corinthians, Santos, Fluminense e Internacional tiveram dois casos de racismo cada.

Corinthians x Newell's Old Boys-ARG – Copa Sul-Americana

Pouco antes do empate por 0 a 0, que garantiu o Corinthians nas quartas de final da Copa Sul-Americana, um homem foi visto fazendo imitações de macaco na torcida mandante. Um vídeo mostra também gritos de “mono” vindos das arquibancadas.

Fluminense x Argentinos Juniors-ARG – Copa Libertadores

Além das confusões envolvendo os torcedores ‘hermanos' no Maracanã, no setor destinado ao Argentinos Juniors, contra o Fluminense, uma torcedora foi encaminhada ao Juizado Especial Criminal (Jecrim) e presa por suspeita de racismo contra um dos polícias. O fato teria acontecido enquanto o oficial atuou para conter os argentinos no local da torcida visitante.

Corinthians x Universitario-PER – Copa Sul-Americana

Torcedores do Timão gravaram Sebastian Avellino Vargas, preparador físico do Universitario, do Peru, fazendo gestos de imitam um macaco durante aquecimento dos jogadores do time visitante. O fato aconteceu na Neo Química Arena, em São Paulo, pela Sul-Americana.

Vargas permaneceu preso de 12 a 20 de julho, quando recebeu um habeas corpus. Ele vai responder o processo em liberdade, e poderá comparecer aos atos processuais de forma remota, já que voltou para o Peru.

Santos x Newell's Old Boys-ARG – Copa Sul-Americana

Outro caso envolvendo torcedores do Newell's Old Boys aconteceu na Vila Belmiro. Na ocasião, ainda durante a fase de grupos da Copa Sul-Americana, imitações de macaco para os santistas e a imagem de uma banana no seu celular sendo mostrada também em direção aos fãs brasileiros foram flagrados durante a partida.

Libertad-PAR x Atlético-MG – Copa Libertadores

Desta vez, no Estádio Defensores del Chaco, em Assunção, a vítima foi o goleiro brasileiro Everson. Imagens mostram um torcedor paraguaio fazendo a imitação de macaco em direção ao arqueiro do Galo, além de terem sido captados gritos de “mono” durante as cobranças de tiro de meta do goleiro do Atlético-MG.

River Plate-ARG x Fluminense – Copa Libertadores

Na disputa de fase de grupos, alguns torcedores do River Plate também foram vistos imitando macacos em direção aos torcedores do Fluminense antes da partida, enquanto o ônibus com os atletas brasileiros chegava ao redor do Monumental de Ñunez. No decorrer do jogo, alguns gestos com cunho racistas foram vistos por parte dos argentinos.

Nacional-URU x Internacional – Copa Libertadores

Os duelos entre Internacional e Nacional, do Uruguai, foram dois jogos onde atos racistas puderam ser vistos por parte da torcida uruguaia. Na disputa realizada no Estádio Gran Parque Central, em Montevidéu, o Inter denunciou imitações de macacos dos torcedores do time da casa em direção ao setor visitante.

O jogo realizado no Beira-Rio teve não somente demonstrações racistas dos visitantes, mas também brigas e arremesso de cadeiras do setor visitante por parte dos torcedores do Nacional. Uma torcedora do Inter foi atingida por uma das cadeiras e teve ferimentos, mas o responsável por jogar o objeto não foi identificado.

Audax Italiano-CHI x Santos – Copa Sul-Americana

O caso se deu no Estádio El Teniente, no Chile, onde os jogadores e Ângelo e Joaquim, do Santos, alegaram terem sido chamados de macaco por torcedores do time chileno. Os insultos foram proferidos aos brasileiros durante os momentos de saída dos atletas do gramado, após serem substituídos na 2ª etapa da partida. O Santos emitiu uma nota oficial para denunciar o acontecido.

Gimnasia y Esgrima-ARG x Independiente Santa Fé-COL – Copa Sul-Americana

O atacante Rodallega, ex-Bahia, denunciou ter sofrido atos racistas de alguns torcedores do Gimnasia, da Argentina. Na entrevista coletiva à beira do gramado, o jogador disse estar “cansado de ser chamado de macaco e preto”.

Racing-ARG x Flamengo – Libertadores

Outra situação envolvendo atos racistas em confrontos entre times argentinos e brasileiros aconteceu em Avellaneda. Um torcedor do Flamengo, que estava no setor visitante, gravou o momento em que torcedores do Racing, da Argentina, fizeram gestos de macaco para a torcida rubro-negra.

Cerro Porteño-PAR x Palmeiras – Copa Libertadores

O acontecimento se deu durante a partida realizada pela 4ª rodada da fase de grupos, no Paraguai. Os próprios torcedores do Cerro Porteño gravaram um vídeo xingando e insultando os jogadores reservas do Palmeiras. Alguns dos xingamentos que podem ser ouvidos são os gritos de ‘mono'. O flagrante também pode ser vistos pelas imagens da transmissão da partida pela TV.

Huracán-ARG x Emelec-EQU – Copa Sul-Americana

Após o empate por 2 a 2 entre as duas equipes, em partida disputada na Argentina, Miguel Rondelli, técnico do Emelec, denunciou que seus jogadores foram chamados de “escravos” e “negros de m…” por torcedores argentinos. O treinador realizou a denúncia durante a coletiva de imprensa, após o término da partida da Sul-Americana.

Carabobo-VEN x Atlético-MG – Copa Libertadores

Assim que o ônibus do Atlético-MG chegou ao estádio Olímpico da Universidad Central da Venezuela (UCV), em Caracas, os torcedores venezuelanos xingaram a delegação brasileira com termos racistas. Curiosamente, o flagrante foi feito e divulgado pelo próprio Carabobo.

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Nem todos os casos foram punidos pela CONMEBOL

Ainda que a entidade afirme que esteja comprometida com a causa antirracista, tendo ressaltado que desde maio de 2022, o conselho da entidade modificou o código disciplinar, aumentando as penas para atos discriminatórios, nem todos os acontecimentos que se deram nesta temporada foram punidos. 

Um exemplo de caso de racismo que passou impune se deu no jogo entre Audax Italiano-CHI x Santos, onde mesmo após as denúncias do atacante Ângelo, o time chileno não foi sequer julgado pela CONMEBOL. Já a punição de Bruno Tabata, então jogador do Palmeiras, também divide opiniões por parte da CONMEBOL. O atacante foi condenado por quatro meses por imitar um macaco para, segundo ele, denunciar os xingamentos racistas vindos dos torcedores do Cerro Porteño-PAR. O time paraguaio também foi condenado. 

Por outro lado, um dos acontecimentos que gerou maior repercussão, envolvendo o preparador físico Sebastian Avellino Vargas, do Universtario, não teve maiores consequências. O profissional, flagrado imitando um macaco em direção aos torcedores corintianos, foi denunciado pelo MP-SP, se tornou réu, mas está solto e respondendo em liberdade. Sebastian alegou estar apenas reclamando, de braços abertos, por estar carregando cones nas mãos. 

“Somente punir não irá resolver”

Em entrevista exclusiva para a Trivela, Marcelo Carvalho, diretor do Observatório da Discriminação Racial no Futebol, falou sobre a necessidade de novas medidas tomadas pela CONMEBOL para diminuir a ocorrências dos atos racistas.

Ao ser questionado sobre maneiras mais eficazes de combater o racismo no futebol sul-americano, Marcelo, responsável por inúmeras campanhas em parceria com a CBF, falou sobre a importância de entender o racismo como problema social no continente.

“Antes de tudo, nós precisamos entender que vivemos um problema cultural. Eu não gosto de usar essa expressão, mas alguns países da América Latina não conseguem entender o que é o racismo. Principalmente, com esse debate que nós fazemos no Brasil sobre racismo. Sabendo disso, dá para entender, por exemplo, por que que medidas adotadas pela COMEBOL não estão surtindo efeito, como o aumento da punição financeira.

E mais do que isso, dá pra entender porque alguns clubes e países, como o caso que aconteceu com a equipe peruana, foram embora dizendo que eram solidárias com o preparador físico que cometeu o racismo. Nós precisamos entender o que momento vivemos na América Latina  para depois fazer essa construção do que é possível ser feito. A COMEBOL aplicou um aumento de multa, o que é bom, mas não adianta simplesmente começar a excluir o time do campeonato ou tirar três pontos. De que maneira esses países vão reagir [com as punições?].

Eu faço toda essa introdução para que se possa entenda que além das punições, nós precisamos pensar em campanhas educativas e de conscientização para que esses torcedores e esses clubes entendam o que é o racismo, a gravidade do racismo e, por fim, comecem a trabalhar pra diminuir os casos. Eu acho que a COMEBOL mais do que punir, precisa fazer com que esses clubes participem das campanhas de combate ao racismo, das campanhas de conscientização. Eu acho que essa é o caminho.

Eu diria que neste momento a CONMEBOL precisa cada vez mais responsabilizar e colocar os clubes na luta contra o racism e contra todas as violências e discriminação. Aí talvez a gente comece a avançar na diminuição dos casos. E, dito isso, também é preciso lembrar que quanto maior a conscientização, maior será o número de denúncias. É o que acontece no Brasil. A partir do momento que o brasileiro entendeu que o racismo não é só insulto e xingamento, nós acompanhmos um número cada vez maior de de denúncias sendo realizados. Isso não é ruim. O que é ruim é uma falta de ação.

Então a gente precisa continuar trabalhando na punição. Porque esse momento precisa ter punição, mas também precisa cada vez mais ter campanhas de educação e de conscientização”, afirmou.

Confira a declaração de Marcelo Carvalho na íntegra

Foto de Paulo Sergio Nunes

Paulo Sergio Nunes

Formando em jornalismo na Universidade do Porto. Filho das jornadas esportivas do rádio. Coberturas de Champions League, Libertadores, Copa do Brasil, Brasileirão e Liga NOS in-loco. Fã das estatísticas, mesmo que, muitas vezes, elas sejam desmentidas no campo.
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