O adeus a Gabriel Ochoa Uribe, o lendário treinador que liderou esquadrões e foi campeão colombiano 13 vezes

Não se reconta a história do futebol colombiano sem mencionar o nome de Gabriel Ochoa Uribe. Alguns dos maiores episódios vividos no futebol local, sobretudo o de clubes, estão diretamente ligados ao ortopedista – que foi um goleiro notável e um treinador muitíssimo vitorioso. Dentro de campo, Ochoa Uribe faturou quatro títulos do Campeonato Colombiano com o Millonarios, nos tempos em que os alviazuis tinham uma das equipes mais poderosas do mundo. Aposentado aos 28 anos, Doutor Uribe assumiu a prancheta e não só levou mais cinco taças com os Millos: também se coroaria à frente do rival Independiente Santa Fe e, mais importante, dirigiu o fortíssimo América de Cali nos anos 1980, para mais sete taças. Os 17 títulos nacionais, 13 deles na casamata, falam por si. E desta lenda que os cafeteros se despediram neste final de semana. Aos 90 anos, Ochoa Uribe já vinha com a saúde debilitada e, internado desde junho, faleceu em Cali na noite de sábado.
Nascido em Sopetrán, uma cidadezinha na região de Medellín, Ochoa Uribe cresceu sem o pai – falecido em um acidente numa mina de carvão, onde trabalhava, quando o menino tinha apenas dois anos. E seu refúgio no esporte não seria exatamente o futebol. Na verdade, Gabriel era jóquei, em paixão herdada do padastro. Chegou a ser campeão num grande prêmio nacional durante a adolescência, mas cresceu demais para montar nos cavalos e acabou convidado para se provar como goleiro. Mesmo sem ter atuado na posição antes, mostrou seu talento. Iniciou a trajetória no Atlético Nacional, antes de ser fisgado pelo América de Cali, aos 17 anos. A mãe queria que o garoto se tornasse sacerdote ou médico, mas o futuro com a bola falou mais alto, ainda que ele não tenha negado totalmente o desejo.
Pode-se dizer que Ochoa Uribe estava no lugar certo durante o momento certo: em 1948, o futebol colombiano adotou o profissionalismo e surgiu a Dimayor, a liga nacional. O país contava com uma “competição pirata”, já que não era filiada à Fifa. Os clubes locais ofereciam salários suntuosos e não pagavam nada para romper os vínculos anteriores dos jogadores. Assim, alguns dos maiores craques da América do Sul migraram à Colômbia. Foi nesse ambiente que o adolescente despontou.
A passagem pelo América de Cali duraria pouco. Ochoa Uribe disputou apenas cinco partidas no Campeonato Colombiano de 1948 e transferiu-se ao Millonarios. Os alviauzis traziam o arqueiro de 19 anos, mas não só ele: a equipe comprou diversos jogadores estrangeiros, especialmente do futebol argentino, para formar um esquadrão. La Máquina do River Plate desmanchou-se muito porque os Millos trouxeram de uma só vez Alfredo Di Stéfano, Adolfo Pedernera e Néstor Rossi. Era o chamado Ballet Azul, que passaria a dominar a Dimayor e a ganhar fama muito além das fronteiras colombianas.
“Era gente muito boa, todos jogadores que haviam se preparado para serem profissionais. Pedernera era muito culto, Carlos Aldabe também. Ele já havia passado pela universidade e era professor de educação física. Era um homem que nos dava muitas imagens de cultura, de orientação, de manejo, de ambiente social. Pedernera era um homem de muita personalidade. Manejava as coisas com um critério enorme, com muita responsabilidade como atleta. Di Stéfano era muito alegre, Nestor Rossi parecia um menino. Em campo era um leão, mas saía de campo e sua personalidade era outra”, diria Ochoa Uribe, ao jornal El Espectador, sobre aquele conjunto.
Ochoa Uribe conquistou o Campeonato Colombiano em 1949 com esse timaço, antes de ganhar a concorrência de Julio Cozzi, goleiro da seleção argentina que chegava do Platense. De qualquer maneira, o companheiro seria fundamental para ensinar ao jovem os macetes da posição. “Ao me tornar reserva, me senti mortificado, porque pensava ser superior a Julio. Quando descobri tudo o que ele sabia, suas enormes qualidades, me dei conta de que eu não sabia nada. Ele sabia tudo: como se posicionar, como se movimentar, como cada atacante finalizava”, declararia Ochoa Uribe, grato pelo que absorveu com Cozzi. Outro a ajudá-lo bastante em seu entendimento sobre o futebol foi Pedernera, de quem se tornou grande amigo – mesmo que, naquela época, o colombiano não visse apenas o futebol como seu futuro: ele já iniciara os estudos na faculdade de medicina, para cumprir a vontade da mãe.
Ochoa Uribe seria parte integrante do enorme impacto causado pelo Millonarios. O clube deixaria a taça escapar em 1950, mas emendou um tricampeonato nacional depois disso. Também faturou a Copa da Colômbia em 1953. Já o ápice ocorreria nas turnês internacionais. A Pequena Copa do Mundo de Clubes, realizada na Venezuela, tem uma representatividade especial. Mas nada comparado à vitória por 4 a 2 sobre o Real Madrid em 1952, dentro de Chamartín, quando os merengues comemoravam os 50 anos de sua fundação. Os alviazuis deram um verdadeiro show, chegando a abrir quatro gols de vantagem antes que os merengues descontassem. Foi o lendário embate que culminou na saída de Di Stéfano rumo à Espanha.
Mesmo como reserva, Ochoa Uribe vivenciou o futebol mais vitorioso no Millonarios. E, por mais que jogasse em outra posição, o colombiano teve a honra de substituir Di Stéfano certa vez. Durante o Campeonato Colombiano de 1952, a Flecha Loira adoeceu na véspera de um jogo e não pôde entrar em campo. A partida acontecia fora de casa e, sem suplentes ao ataque, Ochoa Uribe acabou improvisado. Não só se saiu bem, como anotou o primeiro tento na goleada por 7 a 1 sobre o Atlético Bucaramanga.
Ochoa Uribe seguiria no Millonarios até 1954, mesmo ano em que se consumava o Pacto de Lima, um acordo entre a Dimayor e a Fifa que regularizava a situação da liga pirata. Neste momento, o El Dorado Colombiano não existia mais e os estrangeiros acabaram rumando a outros destinos. O próprio goleiro aceitaria uma proposta do exterior e viria jogar no Brasil, contratado pelo America – que pagou a bagatela de US$100 pela transferência. Na época, o jovem de 25 anos já concluía seu curso de medicina e sua intenção era fazer uma especialização em traumatologia no Rio de Janeiro. Mais do que uma oportunidade à carreira de jogador, o colombiano via a chance de aprimorar sua formação como médico para depois que pendurasse as chuteiras.
Ochoa Uribe também não seria titular no America, especialmente por conta da concorrência de Pompeia, emblemático arqueiro rubro no período. O colombiano chegou cercado de expectativas e passou as primeiras partidas como dono da posição, mas perderia espaço e também lidaria com as lesões. Na Campos Sales, ao menos, pôde participar de duas campanhas em que o time acabou com o vice-campeonato carioca. Além disso, teve a chance de absorver os conhecimentos de Martim Francisco, inovador técnico do clube na época, com quem tinha contato próximo.
A passagem de Ochoa Uribe pelo Brasil se encerrou em 1956. O America preferiu dispensá-lo para dar espaço a um goleiro dos aspirantes e assim reduzir sua folha salarial. Apesar disso, o colombiano manifestou o desejo de permanecer no Rio de Janeiro – anos depois, se diria “brasileiro por sentimento”. Naquele momento, ele concluía sua especialização em medicina esportiva e esperava validar o diploma para exercer a profissão no país. Entretanto, tomaria outros rumos quando o Millonarios propôs que voltasse à Colômbia e se juntasse ao elenco. Não eram os mesmos tempos abastados no clube e o arqueiro também se aposentaria relativamente cedo. Em 1958, aos 28 anos, pendurou as luvas, com problemas frequentes de lesão. Não queria parar, mas outro dever o chamava.
A experiência de Ochoa Uribe e sua inteligência o tornaram naturalmente candidato à área técnica do Millonarios, com o clube em crise econômica. Ainda em 1958, iniciaria sua experiência como treinador. E o novo comandante mal precisou de tempo para se transformar no melhor de seu ofício na Colômbia. Após o vice no campeonato de estreia, o Doutor já se sagraria campeão em 1959. Os Millos não levavam a taça desde 1953 e iniciariam, a partir de então, uma nova dinastia na Dimayor. Não era uma equipe vistosa como o Ballet Azul do início da década, mas tinha sua força, liderada pelo artilheiro Marino Klinger.
O Millonarios faria uma campanha de meio de tabela em 1960, mas participou da edição inaugural da Libertadores e, algoz da igualmente forte Universidad de Chile nas quartas de final, caiu na etapa seguinte diante do Olimpia. Ochoa Uribe deixaria o time brevemente em 1960, substituído exatamente pelo ex-companheiro Julio Cozzi, mas acabaria chamado de volta meses depois. Não só recuperou o troféu no Campeonato Colombiano em 1961, como também iniciaria um tetracampeonato nacional. O treinador dirigiria os alviauzis apenas nas três primeiras taças, além de faturar também a Copa da Colômbia. A contratação de Delio Gamboa, camisa 10 considerado entre os grandes da história do país, seria decisiva à hegemonia dos Millos. ‘Maravilla’ estava no futebol mexicano e sua repatriação faria toda a diferença. Aquele time também ganhava fama por sua chamada “Línea Brasileña”, referência aos jogadores brasileiros no ataque, dentre os quais se sobressaía Romeiro, artilheiro do Palmeiras e herói no Paulistão de 1959.
Em 1963, Ochoa Uribe assumiu a seleção principal da Colômbia. O treinador chegou a comandar a seleção olímpica em 1959, mas os cafeteros não se classificaram aos Jogos de Roma. Até ganharam do Brasil na ida, mas tomaram de 7 a 1 na volta e perderam a vaga. O retorno à equipe nacional aconteceu após a participação dos colombianos no Mundial de 1962. O técnico assumiu a geração para a Copa América de 1963, mas não evitou a campanha desastrosa. Com um empate e cinco derrotas, o time encerrou sua participação na lanterna do torneio continental. Depois disso, o Doutor deixaria o cargo e retornaria ao Millonarios. Saiu antes da campanha vitoriosa de 1964, por divergências com a diretoria.
Curiosamente, o trabalho seguinte de Ochoa Uribe seria no Independiente Santa Fe. E, mesmo com a rejeição inicial da torcida, ele não deixaria de ser campeão com os rivais do Millonarios. Com problemas financeiros, o clube se valeu dos contatos do técnico no Brasil, que resultaram em contratações saídas do país – como o atacante Waltinho, do Olaria. A equipe terminou na quinta colocação em 1965, mas daria um salto também com outros reforços. Entre as novidades estavam antigos comandados, como o próprio Maravilla Gamboa, além de adições de outras equipes. O argentino Omar Devanni se sobressaiu, virando o artilheiro do time. Mas nenhum deles se compara a Alfonso Cañón, camisa 8 de muita qualidade que iniciava sua história de idolatria com os Cardenales. O garoto de 20 anos, tempos depois, se transformaria no maior artilheiro do Santa Fe e também no recordista em partidas.
A conquista do Campeonato Colombiano de 1966 viria de maneira tumultuada. Na rodada decisiva, o Santa Fe enfrentou o Atlético Bucaramanga, que fazia uma campanha de meio de tabela. A marcação de um pênalti, num lance inicialmente assinalado como escanteio, gerou a revolta dos adversários. Os jogadores do Bucaramanga se amontoaram na área e impediram que o Santa Fe cobrasse a infração. No fim, o triunfo por 1 a 0 acabou concedido aos Cardenales, que finalizaram a campanha três pontos à frente do Independiente Medellín, seu principal concorrente na ocasião.
A parceria com o Santa Fe não teve o mesmo sucesso nas temporadas seguintes e Ochoa Uribe deixaria o clube em 1968. Passou a se dedicar mais à ortopedia e à traumatologia, até que o Millonarios resolvesse chamar sua lenda de volta em 1970. O clube não se arrependeria. De novo, os alviazuis retornaram ao topo do país. Ochoa Uribe recuperou a coroa em 1972, faturando o triangular decisivo da Dimayor. Seria vice em 1973, mesmo somando mais pontos que o campeão Atlético Nacional na campanha geral, o que também aconteceu na disputa com o Independiente Santa Fe em 1975. Neste ínterim, chegaria ao triangular semifinal da Libertadores em duas oportunidades. Fez fama a linha ofensiva formada por Alejandro Brand, Willington Ortiz e Jaime Morón, mitificada pelo técnico em sua passagem pelos Millos.
Porém, a esta altura da vida, Ochoa Uribe se aproximava dos 50 anos e parecia mais interessado em se dedicar à medicina. Após deixar o comando do Millonarios em 1975, voltaria brevemente ao clube em 1977, antes de anunciar seu adeus do futebol. Queria trabalhar em sua clínica em Bogotá. Estava cansado do ambiente no esporte, após dirigentes alviazuis negarem algumas inovações que ele pretendia implementar nos treinamentos e também pelo que entendeu como uma traição de alguns jogadores, ao fazerem corpo mole. Mas o distanciamento dos gramados não duraria mais que dois anos.
Em 1979, o América de Cali bateria na porta do consultório de Ochoa Uribe. Empresário e presidente do clube, Pepino Sangiovanni precisou ser bastante insistente. O time onde o ex-goleiro estreou começava a ganhar ambições com uma injeção financeira – que vinha dos irmãos Rodríguez Orejuela, chefões do Cartel de Cali, que passariam a usar os Diablos Rojos para aumentar sua esfera de influência e lavar dinheiro. Para competir nas cabeças, o clube buscaria o melhor treinador do país. Foi então que o ortopedista voltaria a trocar o estetoscópio pela prancheta. O acordo era para que ele permanecesse ao longo de um ano, mas acabaria ficando por mais de uma década.
Muito se discute sobre a relação entre os Rodríguez Orejuela com Ochoa Uribe, mas seus familiares garantem que havia uma barreira. Prevalecia o profissionalismo do treinador, que não pedia caminhões de dinheiro e preferia os acordos apalavrados às assinaturas de contrato. Seu desafio no América de Cali seria mesmo esportivo, dentro de um clube que sequer tinha estrutura favorável. O projeto começaria praticamente do zero, sob as ordens do Doutor. Uma de suas primeiras decisões foi buscar o agora veterano Cañón, sua antiga revelação no Santa Fe, para atuar em Cali. O meia emagreceu dez quilos e voltou à melhor forma técnica.
Embora muitas de suas equipes tenham se tornado célebres por suas peças ofensivas, Ochoa Uribe tinha uma mentalidade mais pragmática e defensivista. Costumava dizer que, com um grande goleiro e alguém que o permitisse dormir tranquilo, sempre ia brigar por títulos. Seus times eram extremamente disciplinados e praticavam uma saída de bola limpa. Também apresentavam excelentes condições físicas para marcar forte e encurralar qualquer tipo de adversário com sua pressão sem a bola. Mais à frente, sobravam espaços aos talentos – muitos deles descobertos pelo médico ou aprimorados por ele.
Ochoa Uribe também era extremamente detalhista. Começou a fazer análises de vídeo dos adversários, o que era uma novidade na Colômbia, e estudava bastante as tendências táticas. Preparava minuciosamente os planejamentos ao jogo, tentando oferecer diferentes soluções aos jogadores. Outro mérito era aliar sua formação como médico às tarefas como técnico. “Sem dúvidas, minhas estruturas profissionais foram definitivas na minha vida. Foi muito útil me especializar em ortopedia e traumatologia, porque me permitiu tomar decisões acertadas nos momentos exatos. Creio que recebi um presente de Deus e pude fazer medicina dentro do futebol”, apontaria, ao jornal El Tiempo.
Dono de uma personalidade forte, Ochoa Uribe tinha como marca a rigidez com que conduzia o elenco. Jogadores atrasados nos treinos precisavam pagar um churrasco e o comandante muitas vezes saía na noite para procurar seus indisciplinados. Mas também era afável e muito próximo dos atletas graças ao respeito que mantinha no trato cotidiano. Apaixonado por cachorros, costumava levar ao centro de treinamentos um boxer chamado Rocky, que o acompanhava nos anos áureos do América de Cali.
Até aquele momento, o América nunca havia conquistado o Campeonato Colombiano. Dizia-se que o clube estava amaldiçoado, em praga rogada por Benjamín “Garabato” Urrea, um antigo dirigente que foi contra a filiação dos Diablos Rojos à Dimayor durante a década de 1940. O tabu perdurou, mas se encerraria com auxílio de Ochoa Uribe. Melhor time na pontuação geral, o América prevaleceu no quadrangular final do Colombiano de 1979, em disputa apertada com Independiente Santa Fe. A taça veio diante do Pascual Guerrero abarrotado, em vitória por 2 a 0 sobre o Unión Magdalena. Aquele elenco possuía diversos estrangeiros, com destaque aos argentinos Aurelio José Pascuttini e Jorge Ramón Cáceres, bem como aos paraguaios Juan Manuel Battaglia e Gerardo González Aquino. Seriam essenciais à sequência da equipe.
Aquela conquista aproximou o América ainda mais do Cartel de Cali, com os irmãos Rodríguez Orejuela se tornando acionistas majoritários. Mas também foi ela que ratificou como Ochoa Uribe era o homem certo para conduzir a ascensão da agremiação. Com o dinheiro fluindo, os alvirrubros apostavam em jogadores badalados e trouxeram Ladislao Mazurkiewicz para a Libertadores de 1980, caindo apenas nas semifinais. Só que não conseguiram repetir o título nas edições seguintes do Campeonato Colombiano. Tanto em 1980 quanto em 1981, os Diablos Rojos disputaram o quadrangular final, mas acabaram superados por Atlético Junior e Atlético Nacional.
A volta do América de Cali ao topo da Dimayor se deu em 1982. Ochoa Uribe tinha um elenco fortalecido, com a chegada do ídolo Julio César Falcioni no ano anterior e do também argentino Roque Alfaro. Já nas categorias de base, o treinador lapidava talentos que também se firmariam na equipe, a exemplo de Antony de Ávila e Humberto Sierra. Iniciava-se ali um ciclo vitorioso que culminaria no pentacampeonato nacional, além das três finais consecutivas na Libertadores – todas com derrotas, porém.
Os melhores jogadores colombianos foram para o América de Cali. Ochoa Uribe reeditaria a parceria com Willington Ortiz, reconhecido como o grande craque do país na época. Além do mais, os Diablos Rojos continuavam pinçando alguns dos principais nomes do continente. Os peruanos César Cueto e Guillermo La Rosa viraram reforços estelares em 1984. Pois o clube se superaria em 1985, quando tirou Ricardo Gareca do River Plate e buscou o paraguaio Roberto Cabañas no New York Cosmos. Por todos os nomes no papel, era mesmo um timaço para dominar o Campeonato Colombiano e sonhar com o título da Libertadores.
O tricampeonato do Millonarios seria emblemático em 1984, com direito a uma sequência invicta de 23 partidas, novo recorde do futebol colombiano. Neste momento, o clube ainda não conseguia se impor de maneira tão contundente na Libertadores. Apesar de vitórias expressivas, foi eliminado pelo Grêmio no triangular semifinal de 1983 e pelo Flamengo na fase de grupos de 1984. Nada que diminuísse o prestígio de Ochoa Uribe no país, a ponto de ser convidado novamente para dirigir a seleção. Tentaria interromper o hiato de 24 anos longe da Copa do Mundo, aproveitando a base do América nos cafeteros que tentariam a sorte nas Eliminatórias de 1986.
A ironia dessa história é que os jogadores do América de Cali foram decisivos para as seleções rivais durante o qualificatório. A Colômbia estava no mesmo grupo da Argentina, garantida no México graças a um tento de Gareca, embora o Peru fosse o principal concorrente naquele momento. Os colombianos, ainda assim, foram repescados ao lado dos peruanos para buscarem uma vaga restante. O carrasco, então, seria Cabañas. O Paraguai despachou os cafeteros nas semifinais e se assegurou na Copa após encarar o Chile. Apesar do insucesso, Ochoa Uribe abriria espaços a jogadores do time que brilharia nos anos seguintes, sob as ordens de Francisco Maturana.
Pacho, aliás, nutria uma relação especial com Ochoa Uribe. Quando ainda era jogador, no final da década de 1970, Maturana passou a ser cotado para a seleção. No entanto, o zagueiro tinha uma lesão crônica e só queria defender a equipe nacional em plenas condições. Resolveu consultar-se com o ortopedista e ele descobriu que o problema era outro – contudo, mais sério, suficiente para alijar Pacho dos cafeteros. E foi vendo Ochoa Uribe conciliar a medicina com o futebol que Maturana acabou se dedicando à odontologia, antes de virar também um treinador histórico.
Num calendário que intercalava Eliminatórias e Libertadores naquele ano de 1985, Ochoa Uribe liderou o América de Cali à sua primeira final continental nas semanas anteriores à repescagem contra o Paraguai. Os Diablos Rojos superaram o Cerro Porteño na primeira fase e fizeram o Peñarol comer poeira no triangular semifinal. Entretanto, a taça continental não viria por detalhes. Após uma vitória para cada lado, o América precisou disputar o jogo-desempate contra o Argentinos Juniors. O empate por 1 a 1 prevaleceu e, nos pênaltis, o Bicho celebrou o triunfo por 5 a 4, graças ao pênalti perdido por De Ávila. Seria o início dos traumas dos colombianos.
Em 1986, não coube ao América nenhum sentimento além de se resignar, diante da superioridade do River Plate, que ganhou os dois confrontos na decisão. Mas nada se compara à hecatombe ocorrida em 1987, na final contra o Peñarol. Os colombianos venceram o compromisso em Cali por 2 a 0 e, na visita ao Centenario, perderam por 2 a 1. Até aquele momento, o saldo de gols não importava para definir o campeão na Libertadores e as duas equipes teriam que se reencontrar no Estádio Nacional de Santiago, onde os Diablos Rojos teriam a vantagem do empate. Foram 120 minutos de agonia, que pareciam prontos a consagrar o América. Na reta final da partida, jogadores faziam cera e a torcida causava tumulto. Porém, o gol de Diego Aguirre no penúltimo segundo deu a taça aos aurinegros e mostrou como a sina não mudaria.
“Nunca chorei nessa e nem em nenhuma partida. Cometemos um erro e pagamos. Voltei com uma equipe desmoralizada”, diria Ochoa Uribe, sobre aquela derrota. Depois do penta, superando o recorde de títulos consecutivos na Dimayor, registrado nos tempos do treinador com o Millonarios, o campeonato nacional também escaparia em 1987. E a debandada de jogadores marcaria o enfraquecimento do América, ainda ocupando as primeiras colocações, mas com dificuldades para se manter no topo. Um dos elegidos de Ochoa Uribe ao futuro do clube era Carlos Valderrama. Entretanto, por sua ligação com o Deportivo Cali, o Pibe recusou a proposta suntuosa dos rivais.
Em 1990, o América de Cali ganhou o Campeonato Colombiano mais uma vez. Seria o último título sob as ordens de Ochoa Uribe. Nomes como Sergio Angulo e Freddy Rincón reivindicavam seu espaço, liderados por De Ávila. O bom momento se refletiria na histórica campanha cafetera na Copa de 1990. De qualquer maneira, o grande time do futebol local neste momento era o Atlético Nacional. Os verdolagas conseguiram aquilo que não foi possível com os Diablos Rojos: o título da Libertadores, em 1989. Se servia de consolação, logo após o feito inédito aos clubes colombianos, o técnico Pacho Maturana dedicou o troféu aos ensinamentos do mestre Ochoa Uribe.
“Você, Doutor Ochoa, foi e sempre será para mim o técnico motivador que nos abriu o caminho e o veterano que nos ensinou não apenas o bom futebol, mas também como enfrentar o triunfo e a derrota com a maturidade que necessitam aqueles que escolhem esta profissão. Hoje cumpri uma meta, ser campeão da Libertadores, objetivo que você sempre almejou. Quero, com toda a humildade e sinceridade de que sou capaz, oferecer a você este precioso troféu como meu afetuoso reconhecimento à sua pessoa e seu exemplo”, escreveu Maturana, que definiria Ochoa Uribe como “ídolo” e “inspiração”.
A última temporada de Ochoa Uribe à frente do América foi a de 1991. Terminou com o vice no Campeonato Colombiano, garantiu a vaga na Copa Libertadores e pôs fim à sua vitoriosa carreira. Naquele momento, não queria saber mais de futebol. Precisava distanciar-se daquele ambiente por completo. Da mesma maneira, não recorreu ao consultório. Preferiu aproveitar o tempo com a esposa, Cecília Perea, por quem se apaixonou justamente no hospital, na época em que fazia residência. Curiosamente, dois de seus filhos se tornaram médicos, também ortopedistas e um deles é funcionário do América. Um neto estuda para seguir a mesma carreira. E eles ajudam a manter um projeto social criado pelo patriarca, em que oferecem atendimento a famílias em regiões pobres e ameaçadas pelos paramilitares na Colômbia.
“Não piso em um estádio faz 20 anos, não voltei ao América. Fui radical para tratar de não me contaminar com o desejo de voltar ao campo e de seguir minha atividade como treinador. Eu estava intoxicado, ou ia ou não voltaria a sair do futebol”, diria em 2010, durante entrevista ao jornal El Espectador. “Eu me arrependo de não ter seguido na medicina, vendo meus filhos. Vendo o poder que tem Gabriel, sua enorme capacidade intelectual e docente na Universidad del Bosque, e vendo a Germán como um grande cirurgião de traumas. Eu poderia ter continuado”.
Durante o auge da guerra contra o narcotráfico na Colômbia, Ochoa Uribe quase foi sequestrado. Membros das FARC invadiram sua casa, amarraram funcionários e mataram quatro cachorros. Ochoa Uribe não estava no local e a polícia chegaria antes. No mais, sua vida seguiria fora do futebol. Ainda acompanhando, mas não de dentro. Em 1998, a federação colombiana entrou em contato com o veterano após a Copa do Mundo. Pediu um projeto para se recuperar. O médico escreveu um planejamento para os dez anos seguintes, voltado principalmente às categorias de base. Entretanto, os dirigentes avaliaram que “não era aplicável” e jogaram fora.
América e Millonarios permaneciam no dia a dia de Ochoa Uribe, mas através da televisão. O ex-treinador se manteve saudável e lúcido durante a maior parte da velhice, o que explica sua longevidade. Nos últimos tempos, porém, dava mais sinais de sua debilidade e acabaria não resistindo. A quem tanto viveu, a história construída no futebol garante a eternidade. Duas grandes torcidas contarão por muitíssimo tempo as hegemonias escritas pelo treinador. “Quero ser lembrado como um homem trabalhador. Como um homem com uma só meta: vencer”, diria.