Nem o calor afastou as pessoas da festa nas ruas do Recife

A espera era o pior. Deixa todo mundo nervoso, entediado, procurando o que fazer. O começo das oitavas de final, o primeiro jogo de mata-mata desta Copa do Mundo, levou uma multidão à Fan Fest do Recife. Os prudentes que chegaram ao Cais da Alfândega para pegar um bom lugar lidavam com a ansiedade do jeito que dava. A preferência era a prática que os jovens mais gostam em eventos: fotos e mais fotos.
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Isso é a única coisa que explica uma fila enorme apenas para ser fotografado com uma garrafa de coca-cola na mão. Entre o público, os dois personagens mais procurados eram um rapaz que levou um cartaz no qual se via “Troféu para Suárez” e duas focinheiras penduradas, alusão à mordida de Luis Suárez em Giorgio Chiellini, e um sósia do presidente Lula.
Os presentes eram majoritariamente brasileiros, com camisas, bandeiras e os rostos pintados de amarelo e verde, além de muitos chapéus. Depois de muitos dias de chuva, Recife foi abençoado com um dia de sol escaldante. Bonito, mas ao mesmo uma penitência para quem se propôs a assistir a 90 minutos de futebol debaixo dele e ao lado de milhares de pessoas.
Havia ainda alguns costarriquenhos aguardando o jogo do próximo domingo, contra a Grécia, alemães que não quiseram deixar o Recife depois de ganharem dos Estados Unidos, na última quinta-feira, e colombianos meio perdidos aguardando a partida das 17h. Chilenos? Poucos, entre eles um bravo rapaz com uma bandeira vermelha pendurada às costas. A meia hora do apito inicial, começou a música, com clássicos do Martinho da Vila que trataram de esquentar (como se fosse necessário) o público para o jogo de futebol.
A torcida, sob a guarda dos bonecos gigantes de Olinda dos jogadores da seleção brasileira, dos narradores da Rede Globo e do Marcelo Tas (?), entoou o hino nacional antes que Howard Webb apitasse o início da partida. A bola rolou e as pessoas foram juntos, vibrando com cada lance, tentando ajudar os jogadores. “Manda essa direto para o gol, Hulk!”, “Chuta, Neymar, chuta”, eram os conselhos que a sabedoria popular, sempre correta, mandava aos comandados de Felipão.

Quando o Brasil abriu o placar, em um escanteio desviado por David Luiz, os conselhos viraram pura e genuína vibração. Ficar parado era impossível, já que a multidão, como se fosse uma só, balançava para cima e para baixo, levando consigo aqueles mais contidos na comemoração. Ao mesmo tempo, o silêncio foi sepulcral no gol de empate do Chile. As mãos foram à cabeça à medida em que o som dos gritos foi diminuindo.
Ao lado da Fan Fest, a Rua da Moeda, cheia de bares, também pulsava pela seleção brasileira. Quem chegou cedo, conseguiu uma mesa, com cadeiras e cerveja, para mirar as televisões, mas muitos se amontoaram em volta delas. É quando mais sofrem as pessoas de baixa estatura. Em um lance no qual o Brasil quase fez o segundo gol, uma menina, com não mais que 1,60 metros de altura, desesperada, pulava para tentar olhar a tela e perguntava “o que aconteceu? O que aconteceu?”.
O nervosismo foi crescendo porque o fim de jogo se aproximava. Os palavrões foram ficando mais frequentes. A prorrogação chegou e a atmosfera era de purgatório, um período de limbo entre a morte da partida e o início dos pênaltis, que poderiam significar o céu ou o inferno. Cada vez mais, os joelhos saíram das cadeiras e foram encostando no chão de paralelepípedo das ruas do centro de Recife. Futebol e religião tem tudo a ver.
As cobranças começaram. Todos tinham um conselho para os batedores: chuta cruzado, bate alto, fecha os olhos, manda no meio. Também tinham palavrões e elogios para as defesas de Júlio César e um coro especial para quando os chilenos se preparavam: “Vai perder, vai perder, vai perder”. Jara obedeceu. Perdeu. Acertou a trave, e as ruas do Recife explodiram em alegria. Porque o Brasil estava classificado e porque pelo menos mais um dia de festa eles ainda terão pela frente.