Um trágico Flamengo conseguiu ressignificar o “gol do Emelec” como trauma ainda maior

“Gol do Emelec”. A expressão, por si, já representa um trauma à torcida do Flamengo. O pesadelo vivido na fase de grupos anos atrás ainda ecoa, na repetitiva incompetência rubro-negra em suas participações na Libertadores. Desta vez, o “gol do Emelec” não zumbiu no ouvido dos flamenguistas através de um fone de ouvido. Ele soou em alto e bom som, duas vezes, através dos gritos da torcida inflamada no Estádio George Capwell. O Fla sofreu uma derrota duríssima no jogo de ida das oitavas de final da competição continental. Não é apenas a vitória por 2 a 0 que indica a superioridade dos equatorianos. Os 90 minutos, afinal, foram totalmente dolorosos aos cariocas. Marcaram uma péssima atuação, de defesa exposta, meio-campo travado e ataque impotente, que também entra muito na conta das escolhas horríveis de Jorge Jesus. Os brasileiros precisarão corrigir seus erros e também encarar seus medos para reverter a situação dificílima no Rio de Janeiro.
O jogo começou muito antes que a bola passasse a rolar. E a escalação de Jorge Jesus contribuiu amplamente para isso. O treinador resolveu apostar em uma formação diferente para o compromisso em Guayaquil. Escalou Rafinha no meio-campo, aberto pelo lado direito, enquanto Rodinei entrou na lateral. Além disso, Willian Arão aparecia na cabeça de área. A formação que fez muitos rubro-negros torcerem o nariz cobraria o seu preço logo cedo, se provando um imenso erro.
Durante os primeiros minutos, nenhuma surpresa no George Capwell. O Flamengo se posicionava mais à frente e tinha a posse de bola, improdutiva. O Emelec se mantinha no campo defensivo e não dava trégua, no aguardo para golpear. E não demorou para que a marcação rubro-negra se desmanchasse diante de uma bola recuperada pelos equatorianos. O gol saiu com apenas 11 minutos. Bryan Cabezas avançou com liberdade pela direita e inverteu o jogo rumo à área. Rodinei dava um espaço ainda maior a Fernando Guerrero, que passou de primeira para o meio. Cercado por três, Wilmer Godoy não viu ninguém chegar junto e arrematou, contando também com a queda atrasada de Diego Alves para balançar as redes. O tento já provocava um drama ao Fla.
Outra constante nos jogos do Flamengo, o time sentiu o gol. Demorou para reagir e mesmo para se achar no jogo. O meio-campo não tinha qualquer conexão e pouco expunha as sólidas linhas de marcação do Emelec. Rafinha parecia fora de sintonia pelo meio e Rodinei ia pior na lateral, entre a crise de confiança e o desleixo. Que os anfitriões pouco avançassem ao ataque, a impressão era de que poderiam complicar os rubro-negros se quisessem forçar. A defesa espaçada dos cariocas servia de convite.
A melhora do Flamengo no primeiro tempo dependeu basicamente da atitude de Gabigol. O atacante foi o melhor do time nos 45 minutos iniciais, com sobras. Se a construção de jogo não funcionava, ele começou a recuar para buscar a bola. E quase anotou um golaço aos 29. Encarou a marcação, partiu para cima, abriu o espaço e chutou de bico. O goleiro Esteban Dreer, no entanto, estava atento e realizou uma ótima defesa. Por outro lado, se ninguém queria ver Willian Arão em campo, o volante também não se ajudou. Nos momentos em que subiu à área para tentar qualquer coisa, apanhou sozinho da bola.
O Flamengo sequer conseguia aproveitar as bolas paradas, diante das muitas faltas cometidas pelo Emelec. Enquanto Gabigol aparecia, Bruno Henrique descompensava, desperdiçando lances. Não que seus companheiros mais atrás ajudassem, com menção especial a Gerson, aéreo no confronto. Os contornos de tragédia se acentuavam à medida que o relógio caminhava. Antes do intervalo, os rubro-negros só voltaram a ameaçar Dreer em dois chutes de Gabigol que foram para fora. Era pouquíssimo.
Na volta ao segundo tempo, o Flamengo não pôde reclamar de sua sorte. Primeiro, porque Brayan Angulo furou uma chance claríssima logo no primeiro ataque. Rodrigo Caio, ao invés de afastar a bola, ajeitou para o adversário. Com espaço, ele não conseguiu emendar o sem-pulo dentro da área. E a situação (teoricamente) começou a pender aos rubro-negros quando Leandro Vega foi expulso, aos oito minutos. Em uma disputa de bola com Rafinha na lateral do campo, o argentino ergueu demais o pé e acertou em cheio o rosto do brasileiro, recebendo o cartão vermelho direto.
Jorge Jesus reagiu imediatamente. Tirou Rodinei para a entrada de Lincoln, o que reposicionou Rafinha na lateral e também deu mais vigor ao ataque. Não foi suficiente, já que a criação do Flamengo permanecia prejudicada. Gerson teve alguns lampejos, mas o time falhou quando pôde finalizar. Lincoln deveria ter feito bem melhor após receber enfiada do meia. Isolou o chute. Faltava ideias mais claras ao Fla. O próprio Gabigol deixou de aparecer.
Aos 20 minutos, Jesus queimou todas as suas alterações. Willian Arão deu lugar a Cuéllar e o garoto Lucas Silva se tornou a aposta na vaga de Gerson. O Flamengo demorou a se acertar depois das mudanças e viu o Emelec finalmente voltar a atacar, confiando na velocidade de seus homens de frente. Angulo tentaria ampliar, mas Léo Duarte salvou na dividida. E a vantagem numérica dos rubro-negros foi para o espaço aos 27, quando Diego se lesionou após sofrer uma falta dura – que poderia ter rendido até mesmo outro vermelho aos anfitriões. O meia precisou ser retirado de maca, com suspeita de fratura. A chance de ouro dos cariocas tinha sido jogada fora, depois de quase 20 minutos inócuos no ataque.
Por volta dos 30, o Flamengo partiu para cima. Passou a atacar mais pelo desespero do que por qualidade. As movimentações de Lincoln eram um respiro, ainda pouco ao que o time precisava. Em uma arrancada de Bruno Henrique, o garoto ia saindo em boas condições, mas viu Romário Caicedo travá-lo. E justo no momento em que alimentava as esperanças é que o Fla teve sua ambição pisoteada. O Emelec ampliou aos 33 minutos. A partir de uma roubada de bola no campo de defesa, os equatorianos pegaram a zaga rubro-negra aberta. Guerrero arrancou pela direita e contou com os botes errados de Léo Duarte para servir Caicedo. O camisa 14 bateu de primeira e contou com a sorte. O desvio em Renê terminou de matar Diego Alves, estufando as redes.
Por incrível que pareça, a bagunça do Flamengo se tornou maior durante os minutos finais. A equipe não sabia o que fazer, totalmente perdida em campo. O Emelec era bem mais perigoso e crescia junto com sua torcida, que se deu ao luxo de gritar “olé”. As jogadas dos anfitriões pelos lados de campo eram sempre assustadoras aos oponentes. E mesmo que Renê tenha acertado a trave aos 39, num chute colocado de fora da área, o terceiro gol dos equatorianos parecia muito mais palpável. Os rubro-negros temeram um pênalti aos 44, em lance revisto no VAR, mas o árbitro não confirmou e anotou um discutível toque anterior. O juiz ainda deu seis minutos de acréscimos. O tempo extra foi inútil ao Fla, sem passar de um chute no meio do gol, mal adentrando na área oposta.
Um gol do Flamengo em Guayaquil poderia trazer outras perspectivas rumo ao Maracanã, mesmo com a derrota. Nem isso o time conseguiu. A decepção foi gritante. E traz um desafio gigantesco à partida de volta. Jorge Jesus precisará não apenas acertar o time com seus desfalques, sabendo o preço que suas invencionices causaram. Ele também terá que trabalhar o mental dos seus jogadores. O estádio lotado pode até intimidar os adversários, claro. Mas o mais comum nos últimos desastres do Fla na Libertadores é que a insatisfação das vaias termine por sufocar a equipe dentro de campo. Os rubro-negros tentarão contar uma história diferente desta vez. Terão que se reinventar, em jogo que de um jeito ou de outro falará muito ao futuro do clube na Libertadores – pelo bem ou, ao que parece mais provável, pelo mal.