Libertadores

Presidente da Conmebol quer “Libertadores como Super Bowl” e, assim, renega própria Libertadores

Não há trunfo maior à Copa Libertadores que a sua identidade. A principal competição da América do Sul é um torneio único. Único pelas particularidades de cada canto em que é disputada, pelas pessoas que engrandecem o espetáculo nas arquibancadas, pelas nações distintas que usam sua própria cultura como elemento a mais em campo na luta pela taça. O principal laço entre os diferentes povos do subcontinente (e da América Latina, como um todo) está justamente em sua diversidade – especialmente pela maneira como esta foi forjada e desafiada com o passar dos séculos. Caráter que se escancara a cada ano, entre as festas tão distintas e ao mesmo tempo tão parecidas que acontecem nos mata-matas da Libertadores, sobretudo em sua final. O suprassumo desta identidade.

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A Conmebol não nega isso. Pelo contrário, usa como um de seus argumentos. De maneira torta, para tentar emplacar sua ideia extremamente comercial de realizar a decisão da final da Libertadores em jogo único. Não há mal nenhum em tentar gerar dinheiro à competição. Pelo contrário, este é um dever que os dirigentes sul-americanos negligenciaram por anos, enquanto pensavam apenas em seus benefícios políticos e em seu próprio enriquecimento. Contudo, por mais que a mudança possa render milhões (para quem?) e aumentar a visibilidade do torneio, o projeto do presidente Alejandro Domínguez deturpa a identidade. Pasteuriza e adapta aos próprios interesses, quando a valorização disso poderia se tornar um atrativo essencial na promoção da copa.

Nesta terça, o cartola confirmou o interesse em realizar a final da Libertadores em jogo único. Entrevistado pelo jornal argentino La Nación, usou a decisão da Liga dos Campeões e o Super Bowl como parâmetros. Tenta convencer que a realização da semana especial poderia escancarar a “maneira como o povo sul-americano vive o futebol e a sua cultura”. Mas negligencia que seu projeto manda pelo ralo exatamente esse aspecto, vivido de maneira tão intensa em ida e volta a cada ano.

A decisão em campo neutro vem mais para atender o desejo da Conmebol, e não para realmente valorizar o que se vive em cada canto. Perde-se a atmosfera e o sonho alimentado nas arquibancadas. Ganham-se papagaios de pirata e um “evento” bem menos acessível à maioria, em um subcontinente longe do padrão de vida ou das facilidades logísticas de europeus e americanos. E resta saber até quando a final permanecerá nas cidades sul-americanas, até ser vendido aos Estados Unidos, como a Copa América.

Domínguez conta que assistiu a duas finais de Champions e a um Super Bowl para formar a sua ideia. A impressão que deixa, no entanto, é a de que nunca esteve em um estádio durante a final da Libertadores. Que sequer viu uma pela televisão, que seja. E muito menos entende o espírito que rege o torcedor. Se a sua meta visa a mudança para 2018, fica a sugestão para ir à final deste ano. Não só para vê-la, mas para senti-la. E que realmente se abra ao debate, como indicou na entrevista. A decisão do torneio pode melhorar, sim, mas sem precisar necessariamente enlatar o formato do exterior. Especialmente, sem negar a sua identidade. O seu trunfo.

Abaixo, os trechos da entrevista:

“Podemos replicar algo parecido”

“É a segunda vez que vou a uma final de Champions e também pude estar em um Super Bowl, um pouco para sentir como é o ambiente em uma decisão de jogo único. Eu tenho a ideia de que nós podemos replicar algo parecido na Libertadores. Uma festa em uma só cidade, com uma só final e em um campo neutro. Estamos abrindo o debate com os clubes, os jogadores. Queremos abrir o debate, inclusive, com a imprensa. São decisões muito importantes, todas as partes precisam se envolver na discussão. Pela maneira que vivemos o futebol e pela cultura, temos muitas coisas a mostrar ao mundo e faríamos isso coincidir com nosso futebol, que gostamos tanto”.

“Por que não tentar?”

“Há motivos para que não gostem da ideia. Quem não gosta de ver sua equipe jogando em casa? Todos gostam. Mas creio que esse é o momento de introduzir o debate, há fatores que mostram que esta pode ser uma ótima oportunidade, ainda que também existam debilidades na própria ideia. Por que não tentar?”.

“Pode ser melhor que a Champions”

“Não é exagero, estou convencido que a Libertadores pode ter uma final melhor que a da Champions. É sentir que nossa gente é diferente. Se alguém pensa apenas na partida, no estritamente esportivo, talvez seja exagero. Mas se pensarmos na semana inteira, em toda a festa que se rompe para a final, que mostre como vivemos o futebol na América do Sul, nesse sentido temos uma identidade que é inigualável. Em nenhum lugar se vive o futebol como na América do Sul”.

“Lima ou Rio, 2018”

“Estou tentando impulsionar a mudança para 2018, discutimos o tema com os presidentes dos clubes na semana passada. Houve uma maioria favorável para que seja viável, mas a decisão não está tomada. Já temos duas cidades que se mostraram interessadas, Lima e Rio de Janeiro. Queremos a Libertadores como a Champions e o Super Bowl”.

Foto de Leandro Stein

Leandro Stein

É completamente viciado em futebol, e não só no que acontece no limite das quatro linhas. Sua paixão é justamente sobre como um mero jogo tem tanta capacidade de transformar a sociedade. Formado pela USP, também foi editor do Olheiros e redator da revista Invicto, além de colaborar com diversas revistas. Escreveu na Trivela de abril de 2010 a novembro de 2023.
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